Janeiro 2012

NOTA INFORMATIVA SOBRE A PROPOSTA DE LEI N.º 39/XII (REVISÃO DO CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS)


No passado dia 2 de Janeiro de 2012, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 39/XII (doravante, abreviadamente designada de “Proposta”), para uma sexta alteração ao Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, e alterado pelos Decretos-Lei n.os 200/2004, de 18 de Agosto, 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho, e 185/2009, de 12 de Agosto.

 1. IntroduÇÃO

A Proposta visa reorientar o CIRE para a recuperação das empresas em situação de insolvência ou de insolvência iminente, promovendo-se, sempre que possível, a manutenção dos devedores em actividade, quando seja viável a sua recuperação, e relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património.

A este respeito, merece especial referência a criação de um novo processo especial de revitalização de devedores em dificuldades ou em situação de insolvência iminente, num momento anterior à insolvência.

A revisão procede a variadas alterações ao CIRE, prosseguindo também, designadamente, os objectivos de reforçar a responsabilidade dos devedores e dos seus administradores de direito e de facto, em situações de insolvência culposa, a simplificação de procedimentos, o encurtamento de prazos considerados injustificadamente longos, o reforço das competências do juiz na gestão processual, a delimitação clara do âmbito de responsabilidade dos administradores de insolvência e a melhoria da articulação entre a acção executiva e o processo de insolvência.

De seguida, apresentamos sumariamente as principais alterações propostas.

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 2. PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO

Um dos principais aspectos da Proposta consiste na introdução dos artigos 17.º-A a 17.º-I, criando um novo processo urgente, que corre no tribunal competente para declarar a insolvência do devedor e que tem como finalidade, num momento anterior à insolvência, permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas cuja recuperação ainda seja viável, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a chegar a um acordo com estes, conducente à sua revitalização.

Nos termos da Proposta, considera-se que está em “situação económica difícil” o devedor que enfrente dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

A iniciativa para a instauração deste processo cabe, em termos processuais, exclusivamente ao devedor, mas inicia-se com a manifestação de vontade do mesmo e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele, por meio da aprovação de um plano de recuperação.

A possibilidade de utilização deste processo depende, também, da apresentação de uma declaração do devedor, escrita e assinada, em que este ateste que reúne as condições necessárias para a sua revitalização.

Iniciado o processo, o tribunal nomeia de imediato um administrador judicial provisório e o devedor remete ao tribunal os elementos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, que ficam disponíveis na secretaria para consulta pelos credores.

Posteriormente, os credores que não tenham manifestado ao tribunal a intenção de começar um processo negocial para a revitalização do devedor são convidados a participar nas negociações, havendo um prazo de 20 dias para reclamação de créditos, findo o qual o administrador judicial provisório elabora uma lista provisória de créditos, que, não sendo impugnada no prazo de cinco dias úteis, se converte em definitiva.

O prazo para a conclusão das negociações é de dois meses a contar do final do prazo de impugnação da lista provisória de créditos, prorrogável por mais um mês, por acordo entre o devedor e o administrador judicial provisório, e qualquer credor pode participar no processo negocial durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.

Na pendência deste processo especial de revitalização, o devedor tem exigentes obrigações de informação, sendo responsabilizado, bem como, solidariamente, os seus administradores de direito e de facto, no caso de este ser uma pessoa colectiva, pelos prejuízos causados aos credores em virtude da falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestadas.

O despacho de admissão do processo especial de revitalização em relação a um devedor obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra este e suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, bem como quaisquer processos de insolvência em que tenha sido requerida a insolvência do devedor, desde que esta ainda não tenha sido declarada em sentença.

Caso o juiz nomeie um administrador judicial provisório, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem autorização prévia do administrador judicial provisório.

O plano é aprovado, se reunir a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo apurado com base nos créditos contidos na lista de créditos. Apresentado ao juiz, este decide sobre a homologação ou recusa do plano, no prazo de 10 dias a contar da recepção do mesmo, sendo essa decisão vinculativa para todos os credores, mesmo que tenham votado desfavoravelmente ou que não tenham participado nas negociações.

Se não tiver sido atingido um acordo para a aprovação do plano, o processo especial de revitalização extingue-se, não produzindo quaisquer efeitos, se o devedor não estiver em situação de insolvência; caso contrário, esta é declarada pelo juiz no prazo de três dias e o processo especial de revitalização é apenso ao processo de insolvência. Frustrando-se um acordo, o devedor fica impedido de recorrer ao processo especial de revitalização pelo prazo de dois anos.

É, também, proposta a criação de um privilégio creditório mobiliário geral a favor dos credores que, no decurso do processo, financiem a actividade do devedor, graduado com prioridade em relação aos créditos dos trabalhadores. As garantias convencionadas entre o devedor e os seus credores durante o processo mantêm-se mesmo que, findo o processo, venha a ser declarada, no prazo de dois anos, a insolvência do devedor. Por outro lado, os negócios jurídicos celebrados no âmbito do processo especial de revitalização são insusceptíveis de resolução em benefício da massa insolvente.

O processo especial de revitalização pode também ser iniciado mediante a apresentação de um plano extrajudicial de recuperação, assinado pelo devedor e por credores que representem, pelo menos, a maioria de votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, havendo lugar, nesse caso, a uma tramitação simplificada, prescindindo-se, designadamente, da fase de negociações, mas mantendo-se o mecanismo garantístico e de homologação.

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 3. OUTRAS ALTERAÇÕES PROPOSTAS

Resumem-se, de seguida, as principais alterações ao CIRE constantes da Proposta, para além da criação do processo especial de revitalização, a que já se aludiu.

Prazo para apresentação à insolvência: É proposta a redução do prazo para os devedores se apresentarem à insolvência de 60 para 30 dias.

Responsabilização dos devedores e administradores de direito e de facto: É proposta a intensificação dos mecanismos de responsabilização dos devedores e administradores de direito e de facto em caso de insolvência culposa, estabelecendo-se, designadamente, que as pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como culposa devem indemnizar, pessoal e solidariamente, os credores no montante dos créditos não satisfeitos.

Publicidade dos actos: Propõe-se a utilização do portal Citius como veículo de publicidade dos actos no âmbito do processo de insolvência, em detrimento do Diário da República Electrónico.

Qualificação da insolvência: A Proposta faz depender a abertura do incidente de qualificação da insolvência da existência de elementos que o justifiquem, nomeadamente, de indícios de que a insolvência foi criada de forma culposa pelo devedor ou pelos seus administradores de direito ou de facto, caso se trate de uma pessoa colectiva.

Redução de prazos: Propõe-se a redução substancial de alguns prazos, por se considerar que muitos destes excedem a duração razoável para a prática dos actos a que respeitam. Alguns dos prazos reduzidos são, para além do prazo para apresentação à insolvência, a que já se fez referência, o prazo para a realização da reunião da assembleia de credores (cujo limite máximo passa a ser 60 dias após a declaração de insolvência), o prazo para impugnação da resolução de negócios jurídicos em benefício da massa insolvente (reduzido de seis para três meses) e o prazo para reclamar créditos em acção de verificação ulterior de créditos (reduzido de um ano para seis meses).

Resolução em benefício da massa insolvente: É proposta a restrição do âmbito dos negócios que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente, passando a ser apenas susceptíveis de resolução, por esta via, os negócios celebrados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência. Por outro lado, propõe-se que os negócios celebrados no âmbito dos processos especiais de revitalização, de providência de recuperação ou saneamento, ou de adopção de medidas de resolução previstas no Título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, ou de outro procedimento equivalente previsto em legislação especial, cuja finalidade seja prover o devedor com meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação, não possam ser resolvidos em benefício da massa insolvente.

Papel do juiz: São atribuídos novos poderes ao juiz, nomeadamente os de prescindir da convocação da assembleia de credores e de a suspender, as vezes que entenda necessárias e por um prazo máximo de 15 dias, designadamente, para viabilizar a ocorrência de negociações entre o devedor e os seus credores. É também aumentado o leque de situações que o juiz pode conhecer oficiosamente.

Responsabilidade dos administradores de insolvência: É proposta a clarificação da esfera de responsabilidade dos administradores de insolvência, especificando-se que esta se circunscreve a condutas e omissões danosas ocorridas após a sua nomeação.

Articulação com o processo executivo: Procura-se articular mais harmoniosamente o processo de insolvência com o processo executivo, propondo-se a extinção das acções executivas contra o devedor, suspensas em resultado da declaração de insolvência, após o rateio final e sempre que a massa insolvente seja insuficiente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa.

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Contactos

Pedro Ferreira Malaquias

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