Abril, maio e junho 2013

Direito do Trabalho e Segurança Social


 1. CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de dezembro de 2012 (Artur Varges) Processo n.º 156/08.4TACSC.L1-5

 2. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - SUBSÍDIO DE DESEMPREGO

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2013 (Adérito Santos) Processo n.º 01209/12

 3. INTEGRAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DE TRABALHO NOTURNO NOS SUBSÍDIOS DE NATAL E DE FÉRIAS

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de abril de 2013 (José Eduardo Sapateiro) Processo n.º 191/12.8TTTVD.L1-4

4. COMPENSAÇÃO POR DESPEDIMENTO COLETIVO - PROIBIÇÃO DE CONVENÇÃO INDIVIDUAL PRÉVIA

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de abril de 2013 (João Diogo Rodrigues) Processo n.º 440/10.7TTPRT.P1

5. CONTRATO DE TRABALHO A TERMO - INÍCIO DE LABORAÇÃO DE NOVO ESTABELECIMENTO - CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de maio de 2013 (Azevedo Mendes) Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1


1. CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de dezembro de 2012 (Artur Varges) Processo n.º 156/08.4TACSC.L1-5

No acórdão em apreço, o Tribunal da Relação de Lisboa foi chamado a pronunciar-se sobre a decisão instrutória de não pronúncia do Tribunal de primeira instância quanto à prática, pelos arguidos no processo - uma sociedade e o seu sócio gerente -, do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Nos termos da acusação deduzida pelo Ministério Público, o arguido sócio gerente não tinha procedido à entrega, no período compreendido entre março de 2003 e julho de 2004, das contribuições à Segurança Social descontadas dos salários pagos aos trabalhadores.

Em sua defesa, o arguido veio alegar que embora tais quantias tivessem sido contabilisticamente retidas, na realidade a sociedade não dispunha das mesmas, acrescentando que ele próprio havia deixado de receber salários e recorrera mesmo a património próprio para fazer face aos compromissos financeiros da sociedade.

A Relação de Lisboa, porém, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de setembro de 2012 (Processo n.º 9/09.9TAVRS.E1), veio afirmar que para o preenchimento dos elementos do tipo legal do crime em análise é totalmente irrelevante que não tenha ocorrido uma verdadeira retenção monetária daquilo que corresponde ao registo contabilístico.

Contrariando ainda o Tribunal de primeira instância, que havia considerado verificar-se uma situação de estado de necessidade desculpante, nomeadamente por o arguido ter atuado no sentido de satisfazer as obrigações da sociedade para com os trabalhadores, que entendeu ser a mais premente de todas as obrigações, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que os interesses de natureza pública, tais como a obrigação legal de entregar as contribuições à Segurança Social, são superiores e, por isso, sobrepõem-se, aos interesses particulares, como sejam o dever de pagar os salários aos trabalhadores e as dívidas aos fornecedores.

O Tribunal da Relação de Lisboa afirmou ainda que, mesmo que se entendesse que estava em causa a sobrevivência da sociedade, o comportamento omissivo em causa não poderia ser visto como o único apto a afastar esse perigo, pois seria sempre possível optar-se pelo não pagamento dos salários aos trabalhadores ou mesmo pela extinção da sociedade.

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2. UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - SUBSÍDIO DE DESEMPREGO

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2013 (Adérito Santos) Processo n.º 01209/12

No acórdão em análise, o Supremo Tribunal Administrativo veio pronunciar-se sobre a oposição de julgados entre dois acórdãos contraditórios proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte em relação à mesma questão de direito, no domínio do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de abril, e do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro:

  1. o acórdão recorrido, proferido no dia 23 de março de 2012 (processo n.º 100/109.8BEPRT), que decidiu no sentido de que não constitui impedimento ao recebimento do subsídio de desemprego a circunstância de o beneficiário ser membro de órgão estatutário de pessoa coletiva sem direito a remuneração, atendendo a que esta circunstância não afasta o pressuposto de atribuição do subsídio, i.e., a inexistência total e involuntária de emprego; e
  2. o acórdão fundamento proferido no dia 13 de maio de 2011 (processo n.º 491/08.1BEPRT), que decidiu no sentido de que constitui impedimento ao recebimento do subsídio de desemprego a circunstância de o beneficiário ser membro de órgão estatutário de pessoa coletiva sem direito a remuneração, visto que esta circunstância afasta a verificação do pressuposto essencial da atribuição do subsídio, i.e., a inexistência total e involuntária de emprego.

O Supremo Tribunal Administrativo veio no presente acórdão decidir em favor do acórdão recorrido, fixando jurisprudência no sentido de que o exercício da gerência de sociedade comercial, sem direito a remuneração, por um trabalhador por conta de outrem cujo contrato de trabalho tenha cessado, não obsta à caracterização da respetiva situação como de desemprego.

O Tribunal fundamentou o seu entendimento na ratio do regime que, segundo aquele, será a de compensar o trabalhador pela falta de retribuição resultante da situação de desemprego, motivo pelo qual releva, para a atribuição das correspondentes prestações, a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do próprio contrato de trabalho.

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3. INTEGRAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DE TRABALHO NOTURNO NOS SUBSÍDIOS DE NATAL E DE FÉRIAS

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de abril de 2013 (José Eduardo Sapateiro) Processo n.º 191/12.8TTTVD.L1-4

No âmbito do presente recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa veio confirmar a decisão do Tribunal de primeira instância, que condenou o empregador a integrar os valores pagos a título de subsídio de trabalho noturno na remuneração relativa aos subsídios de Natal e de férias dos trabalhadores.

No que respeita ao subsídio de Natal, o empregador veio alegar, em síntese, que, de acordo com a doutrina e jurisprudência nacionais, esta prestação deve ser considerada uma prestação complementar ou acessória e, como tal, nos termos do n.º 1 do artigo 262.º do Código do Trabalho, na ausência de disposição legal, convencional ou contratual em contrário, deve ser constituída apenas pela retribuição base e pelas diuturnidades mensalmente devidas aos trabalhadores.

O Tribunal da Relação de Lisboa esclareceu, porém, que, não obstante concordar com a mencionada interpretação, deveria ter-se em consideração, no caso em apreço, que os trabalhadores em questão desenvolviam, com carácter de regularidade, a sua prestação em horário noturno, pelo que o trabalho noturno não surgia no quadro da sua atividade profissional como uma realidade adicional e acessória, mas antes como algo que lhe era essencial e estrutural. Nessa medida, reconduzindo-se o trabalho noturno prestado por aqueles trabalhadores ao seu período normal de trabalho, o acréscimo de 25% que lhes era devido mensalmente em função do maior esforço reclamado por essa circunstância deveria ser considerado para efeitos do cálculo da remuneração correspondente ao subsídio de Natal, juntamente com a retribuição correspondente à execução diurna da prestação do trabalho.

 O Tribunal da Relação de Lisboa acrescentou que, para afirmar este resultado, tanto se poderia admitir (i) que a forma como os trabalhadores prestam serviço - fundamentalmente durante a noite - se reconduzia à primeira parte do n.º 1 do artigo 262.º do Código do Trabalho, i.e., equivalia a uma disposição contratual entre as partes afastando o regime supletivo de cálculo das prestações complementares, como (ii) que, para estes efeitos, a retribuição base teria de integrar a remuneração de trabalho noturno por esta prestação corresponder à atividade do trabalhador no seu período normal de trabalho.

A propósito do subsídio de férias, o empregador entendia que, tendo havido meses em que não se verificava a prestação do trabalho noturno, deveria ter-se por não verificado o carácter regular do respetivo pagamento, não podendo o mesmo configurar uma prestação retributiva e não integrando, por isso, para os efeitos do n.º 2 do artigo 264.º do Código do Trabalho, aquele subsídio.

O Tribunal da Relação de Lisboa referiu, quanto a este aspeto, que o que interessava era averiguar a cadência do trabalho noturno nos 12 meses imediatamente anteriores à atribuição do subsídio de férias, acrescentando que a respetiva retribuição só não seria atendida nos casos em que o trabalho não tivesse sido prestado com carácter contínuo e habitual, não tendo, por conseguinte, gerado legitimamente na esfera do trabalhador a expectativa quanto ao seu recebimento futuro.

Ora, no caso em apreço, o Tribunal havia já considerado que os trabalhadores em questão executavam o seu trabalho em horário noturno com carácter de habitualidade e regularidade, concluindo assim que a sua retribuição deveria, pois, ser integrada no subsídio de férias.

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4. COMPENSAÇÃO POR DESPEDIMENTO COLETIVO - PROIBIÇÃO DE CONVENÇÃO INDIVIDUAL PRÉVIA

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de abril de 2013 (João Diogo Rodrigues) Processo n.º 440/10.7TTPRT.P1

No âmbito do presente recurso, o Tribunal da Relação do Porto foi chamado a pronunciar-se sobre a validade das cláusulas constantes dos contratos de trabalho de dois trabalhadores que convencionavam uma indemnização mais favorável em caso de cessação do contrato de trabalho por causas objetivas.

Em concreto, de acordo com as referidas cláusulas, o cálculo das compensações devidas em caso de despedimento não imputável ao trabalhador  seria efetuado com base numa antiguidade ficcionada: num dos casos, tendo em conta os 32 anos que o trabalhador estivera ao serviço de outras empresas e, no outro, tendo sido estabelecido que o valor da compensação corresponderia ao produto da multiplicação da sua remuneração mensal pelo número de meses em falta para que o contrato completasse cinco anos de vigência.

O Tribunal da Relação do Porto, chamando à colação a doutrina e jurisprudência nacionais a propósito do artigo 339.º do Código do Trabalho, segundo as quais o valor da compensação legalmente previsto para o despedimento coletivo não é passível de convenção individual prévia, mesmo que mais favorável para o trabalhador despedido, confirmou a sentença do Tribunal de primeira instância julgando tais cláusulas nulas.

Contra o argumento dos trabalhadores, de que a imperatividade imposta pelo artigo 339.º visa proteger o trabalhador que normalmente se encontra numa situação de debilidade negocial, não sendo razoável proibir aquele de, por via dessa norma, negociar condições que lhe são mais favoráveis, o Tribunal da Relação do Porto considerou que, no âmbito de um processo de despedimento coletivo, além dos interesses individuais, é necessário considerar igualmente a posição relativa de cada um dos demais trabalhadores abrangidos pelo mesmo processo. Deste modo, refere o Tribunal que consentir que alguns dos trabalhadores iniciem o processo numa posição de vantagem relativa seria aceitar uma diferenciação de tratamento incompatível com outros valores juridicamente protegidos, entre os quais o da igualdade entre os próprios trabalhadores abrangidos por esse processo.

Depois de relembrar que a compensação negociada não serve apenas para ressarcir os trabalhadores pela perda do posto de trabalho, mas tem também em vista assegurar que aqueles se abstêm de impugnar o despedimento, a Relação do Porto acrescentou que mal se compreenderia que esse custo da paz jurídica pudesse ser alcançado previamente ao início do contrato, dada a falta de dados objetivos para o quantificar.

O Tribunal conclui assim que a livre negociação só pode ter lugar quando a lei entende que os demais interesses por si tutelados estão garantidos, o que, no seu entender, apenas sucede já no decurso do próprio procedimento de despedimento coletivo.

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5. CONTRATO DE TRABALHO A TERMO - INÍCIO DE LABORAÇÃO DE NOVO ESTABELECIMENTO - CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de maio de 2013 (Azevedo Mendes) Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1

No acórdão em apreço, o Tribunal da Relação de Coimbra foi chamado a pronunciar-se sobre a decisão do Tribunal de primeira instância que considerou inválida, por falta de concretização do motivo, a justificação para a celebração de contrato de trabalho a termo e, em consequência, decidiu que o mesmo tinha sido celebrado por tempo indeterminado ab initio.

O contrato de trabalho em questão tinha sido celebrado com fundamento na “abertura de novas agências, decorrente do plano de expansão do Banco e consequente aumento de volume de clientes angariados na área Y”, justificação que o Tribunal de primeira instância considerou ser genérica e insuficiente.

Contrariamente à decisão recorrida, o Tribunal da Relação de Coimbra veio afirmar que a justificação da contratação a termo fundada no início de laboração de estabelecimento “é suficiente quando se invoque em concreto o início de laboração desse estabelecimento pertencente ao empregador, na medida em que estão em causa os interesses de diminuição de risco empresarial e de criação de emprego já não a satisfação de necessidades temporárias ou transitórias”.

O Tribunal da Relação de Coimbra considerou, por isso, que, embora fosse desejável que a justificação aposta ao contrato fizesse referência precisa à abertura do concreto estabelecimento no qual o trabalhador prestaria o seu trabalho, tal justificação é percetível para um declaratário normal e permite o controlo judicial da realidade do fundamento.

Merece ainda especial destaque a posição do Tribunal da Relação de Coimbra perante o parecer da Procuradora-geral Adjunta que, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de abril de 2011 (Processo n.º 205/10.6TTPNF.P1), sugeriu a invalidade do termo aposto ao contrato com fundamento no facto de, no mesmo contrato, o trabalhador dar o seu acordo a futuras transferências para outros estabelecimentos do empregador.

O Tribunal da Relação de Coimbra, porém, contrariando o referido acórdão, entendeu que a existência de tal cláusula não implica a invalidade do termo, por se tratar de uma questão relacionada com a verificação da conformidade da execução do contrato com o motivo para a aposição do termo e não com a suficiência da indicação do motivo.

O Tribunal da Relação de Coimbra acrescentou ainda que, estando em causa a abertura de vários estabelecimentos do empregador, nada impedia que o trabalhador exercesse a sua atividade em qualquer um deles ao abrigo daquele contrato de trabalho, desde que fossem respeitadas as regras da transferência de local de trabalho.

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