abril 2016

Direito do Trabalho e Segurança Social


 1. subsídio de refeição - pagamento através de cartão ELETRÓNICO sem o acordo pRÉVIO do trabalhador 

 2. Despedimento VERBAL – desconsideração da personalidade jurídica

 3. ATUALIZAÇÃO DA IDADE NORMAL DE ACESSO À PENSÃO DE VELHICE E DO FATOR DE SUSTENTABILIDADE

 4. DEVER DE COMUNICAÇÃO de ACIDENTE DE TRABALHO À aUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO – InCONSTITUCIONALIDADE

 5. Processo especial de revitalização – trabalhador por conta de outrem


1. subsídio de refeição - pagamento através de cartão ELETRÓNICO sem o acordo PRÉVIO do trabalhador  

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de março de 2016 (Manuela Fialho), processo n.º 470/15.2T8VNF.G1  

No presente processo, um trabalhador veio questionar a legalidade da decisão unilateral (ou seja, sem o seu acordo prévio) do empregador de substituir o pagamento do subsídio de refeição em numerário (modo de pagamento que vinha sendo utilizado desde o início da relação laboral) pela disponibilização de cartão eletrónico (integrado no conceito amplo dos designados “vales – ou tickets – de refeição”).

Na perspetiva do trabalhador, a atribuição do cartão eletrónico condicionava a utilização do valor do subsídio de refeição (dado que a quantia creditada no cartão é insuscetível de levantamento em numerário ou de transferência bancária, sendo que o cartão apenas pode ser utilizado em estabelecimentos comerciais do ramo alimentar). Considerando que o valor do subsídio de refeição isento de contribuições para a Segurança Social varia consoante seja processado em numerário ou através de vale de refeição (sendo superior neste caso) e que as prestações sociais – nomeadamente, o subsídio de doença e a pensão de velhice – estão indexadas aos descontos realizados, o trabalhador argumentou que estaria a ser prejudicado pela adoção do método de pagamento para o qual a lei prevê um montante de isenção superior.

Nos termos do Código do Trabalho, o subsídio de refeição não integra, em princípio, a retribuição (em sentido rigoroso) do trabalhador. O subsídio de refeição apenas assume a qualificação de retribuição “quando (…) [as] importâncias [pagas a esse título], na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”.

O Tribunal da Relação de Guimarães determinou que, não tendo, no caso concreto, o trabalhador provado que o subsídio de refeição constituía uma prestação retributiva (demonstrando os requisitos acima citados), a alteração unilateral, pelo empregador, do modo de pagamento do subsídio de refeição não padecia de qualquer ilegalidade.

Adicionalmente, o Tribunal rejeitou a argumentação do trabalhador relativa aos reflexos do pagamento do subsídio de refeição em ticket nos montantes das prestações previdenciais, reputando a isenção contributiva superior de que o trabalhador beneficia como uma vantagem e não como um prejuízo. 

Em sentido convergente já se pronunciara o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 3 de abril de 2014 (Jorge Loureiro), processo n.º 601/13.7TTVIS.C1.

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2. Despedimento VERBAL – desconsideração da personalidade jurídica 

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de março de 2016 (Leopoldo Soares), processo n.º 122/13.8TTTVD-4 

Um trabalhador, com a categoria profissional de motorista, demandou, no âmbito de uma ação destinada ao reconhecimento da invalidade do despedimento verbal (logo, ilícito) de que fora alvo, as seguintes rés: uma sociedade anónima de direito português e a representação permanente (sucursal) em Portugal de uma sociedade sedeada em Gibraltar. Ambas as rés se dedicavam à atividade de transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias.

O autor tinha outorgado um contrato de trabalho com a representação permanente (que lhe processava a remuneração), sendo esta, por conseguinte, o seu empregador formal.

Porém, na prática, o autor sempre recebeu ordens e instruções advenientes da sociedade portuguesa. O despedimento do autor foi, aliás, decidido pelo administrador desta sociedade.

Ficou provado nos autos que as rés partilhavam instalações administrativas.

Apurou-se, ainda, que a representação permanente era parte nos contratos de trabalho dos motoristas, ao passo que a sociedade portuguesa era a detentora, como proprietária ou locatária, dos veículos afetos à atividade transitária. A sociedade portuguesa não tinha qualquer motorista ao seu serviço.

O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que se deveria ignorar a autonomia jurídica das rés (recorrendo ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica), uma vez que se constatava que a atividade económica comum (a que ambas se dedicavam) não podia ser exercida separadamente (visto que uma das empresas tinha, em exclusivo, os trabalhadores e a outra, exclusivamente, os veículos). Segundo o Tribunal, “tudo aponta para que a força de trabalho se encontrava afeta a uma ré e os ativos - veículos e clientela - afetos a outra...!”.

O Tribunal entendeu que a vinculação dos trabalhadores à representação permanente, estando os ativos relacionados com a atividade empresarial alocados à sociedade portuguesa, defraudaria os direitos daqueles “que por não pertencerem à sociedade que detém ativos se defrontam com uma empregadora que nada possui” (note-se, aliás, que a sucursal se encontrava em situação de insolvência).

Considerando que a situação em apreço visava evitar, de forma abusiva, a efetiva responsabilização das empresas perante o trabalhador, o Tribunal entendeu proceder “à desconsideração da personalidade coletiva [da sucursal] e [unificar os] vínculos laborais estabelecidos entre o autor e as rés”.

Assim, o Tribunal condenou ambas as rés, solidariamente, a reintegrar o trabalhador, a liquidar as retribuições intercalares vencidas desde a data do despedimento verbal e bem assim a satisfazer outros créditos laborais peticionados pelo autor.

Citando o sumário do acórdão em epígrafe, “[n]aquelas situações em que se verifique que a personalidade coletiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, nomeadamente para retirar direitos e garantias a trabalhadores, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, cumpre desconsiderá-la”.

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3. ATUALIZAÇÃO DA IDADE NORMAL DE ACESSO À PENSÃO DE VELHICE E DO FATOR DE SUSTENTABILIDADE

Portaria n.º 67/2016, de 1 de abril  

Nos termos da legislação aplicável, estes indicadores são atualizados por portaria do membro do Governo responsável pela área da solidariedade e segurança social, atendendo ao indicador da esperança média de vida apurado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Idade normal de acesso à pensão de velhice em 2017

A idade normal de acesso à pensão de velhice, no âmbito do regime geral da segurança social, é de 66 anos e 3 meses em 2017.

Fator de sustentabilidade

É aplicável um fator de sustentabilidade de 0,8666 aos montantes estatutários das pensões de velhice do regime geral da segurança social atribuídas em 2016, no caso dos beneficiários que acedam à pensão antes da idade normal de acesso à reforma.

Por sua vez, é aplicável um fator de sustentabilidade de 0,9349 aos montantes regulamentares das pensões de invalidez, relativa e absoluta, atribuídas por um período igual ou inferior a 20 anos, convoladas em pensões de velhice no ano de 2016.

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4. DEVER DE COMUNICAÇÃO de ACIDENTE DE TRABALHO À aUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO – InCONSTITUCIONALIDADE 

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/2016, de 3 de fevereiro de 2016 (Lino Rodrigues Ribeiro), processo n.º 30/14 (publicado no Diário da República, II série – n.º 67, de 6 de abril de 2016)

O Tribunal Constitucional pronunciou-se, neste acórdão, sobre a validade do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho (Regulamentação do Código do Trabalho), o qual dispunha: “(…) o empregador deve comunicar à [Autoridade para as Condições do Trabalho – “ACT”] os acidentes mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave, nas vinte e quatro horas seguintes à ocorrência”. A violação desta estatuição constituía contraordenação grave.

No âmbito dos poderes de fiscalização da validade das normas que a Constituição da República Portuguesa confere a todos os tribunais, o Tribunal do Trabalho de Portimão recusou-se a aplicar a norma transcrita por a entender inconstitucional, na medida em que “qualquer empregador (…) fica com dúvidas sobre que tipo de acidentes deverão ser comunicados. Trata-se de acidente que esteja na origem de uma lesão grave? Ou trata-se de acidente que, por ser frequente, reveste uma manifesta falta de cumprimento de medidas de segurança no trabalho? Ou trata-se de toda e qualquer situação em que as consequências sejam impeditivas da realização do trabalho por um tempo prolongado e, nesse caso por quanto tempo?”.

Para aquele tribunal de 1.ª instância, a norma em apreço não especifica adequadamente os factos que integram o dever de comunicação à ACT e, por inerência, a contraordenação em que a sua violação se consubstancia, o que redunda numa violação dos parâmetros de determinabilidade e previsibilidade que a Constituição da República Portuguesa estabelece para as disposições legais que impõem sanções.

Chamado a pronunciar-se sobre a validade da norma desaplicada pelo Tribunal do Trabalho, o Tribunal Constitucional confirmou o entendimento da primeira instância, concluindo que a expressão “evidenciem uma situação particularmente grave” não tem um alcance determinável objetivamente: “[h]á aqui um espaço em branco, um vazio normativo, que apenas a subjetividade do empregador poderá preencher”.

A ausência de objetivação do conteúdo da norma sancionatória determinou, no juízo da maioria dos juízes do Tribunal Constitucional que compuseram a formação que apreciou este processo, que a norma em apreço fosse declarada inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da segurança jurídica e da confiança.

Declaração de voto

O Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha discordou da decisão da maioria dos juízes (acima descrita), tendo emitido uma declaração de voto. Na referida declaração, o Conselheiro preconiza que, atendendo ao prazo de 24 horas fixado para a comunicação, a previsão da norma abrange apenas os casos em que, no momento do acidente, se possa, desde logo, constatar a especial gravidade das lesões (estando em causa acidentes que presumivelmente determinem uma incapacidade permanente para o trabalho ou uma incapacidade temporária de longa duração).

De acordo com esta declaração de voto, sendo identificável um sentido interpretativo ao n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004 conforme com a Constituição (alcançável pelo Tribunal do Trabalho), o Tribunal Constitucional não deveria ter decidido pela inconstitucionalidade da norma em causa.  

Relevância do acórdão

Note-se que o n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004 não se encontra já em vigor. Todavia, o n.º 1 do artigo 111.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro (diploma que regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho) contém uma norma de conteúdo semelhante. Onde a norma sobre a qual o acórdão se debruça refere acidentes «que evidenciem uma situação particularmente grave», a norma atualmente em vigor refere acidentes «que evidenciem lesão física grave», formulação que poderá suscitar idênticas questões de constitucionalidade.

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5. Processo especial de revitalização – trabalhador por conta de outrem

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2016 (Salreta Pereira), processo n.º 531/15.8T8STR.E1.S1

Neste acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça confirma que o processo especial de revitalização – vulgo PER –, destinado à revitalização de devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mediante a celebração de um acordo com a maioria dos seus credores, sob homologação judicial, não se aplica a trabalhadores por conta de outrem.

Apesar de a lei não limitar, em termos expressos, os devedores elegíveis para os efeitos do PER, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu adotar um entendimento restritivo. Na verdade, para este Tribunal, o legislador teve em vista a recuperação de agentes económicos (empresas) ao consagrar o PER, visando obviar ao seu desaparecimento do mercado. Acresce que o processo de insolvência prevê um mecanismo especialmente vocacionado para os devedores que sejam pessoas singulares: a possibilidade de apresentação de um plano de pagamentos aos credores (cfr. artigo 249.º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Já em dezembro de 2015, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça tinha veiculado solução idêntica, no âmbito do processo n.º 1430/15.9T8STR.E1.S1 (Pinto de Almeida).

Acrescente-se que a solução adotada nos acórdãos que se vêm de mencionar foi defendida, entre outros, por Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, advogados da Uría Menéndez-Proença de Carvalho.

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