Maio 2016

Direito do Trabalho e SeguranÇa Social


 1. DANOS NÃO PATRIMONIAIS - ASSÉDIO MORAL - DEVER DE OCUPAÇÃO EFETIVA

 2. aÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO - DISPONIBILIDADE DO OBJETO

 3. TRANSMISSÃO PARCIAL DA EMPRESA - unidade económica - CONTRATO DE TRABALHO NÃO TRANSMITIDO

 4. TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR - CLÁUSULA CONTRATUAL - ABUSO DE DIREITO


1. DANOS NÃO PATRIMONIAIS - ASSÉDIO MORAL - DEVER DE OCUPAÇÃO EFETIVA

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de abril de 2016 (Ana Luísa Geraldes), Processo n.º 79/13.5TTVCT.G1.S1

No presente processo, o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se, entre outras questões, sobre o montante justo e adequado que deverá ser arbitrado, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a colaborador cujo dever de ocupação efetiva foi sendo sucessiva e reiteradamente violado pelo respetivo empregador.

Com relevância para a boa decisão do Tribunal, foi dado por provado que, entre dezembro de 2007 e o ano de 2012, o trabalhador foi colocado em um gabinete, onde permaneceu isolado, sem qualquer tarefa atribuída, sem acesso ao telefone e com a disponibilização de um computador exclusivamente limitado na sua utilização para consulta do "portal do colaborador" (plataforma informática da R. destinada a justificar ausências, consultar e marcar o período de férias, etc.); e ainda que esta situação provocou no trabalhador um intenso e profundo sofrimento emocional, resultante de humilhações, constrangimentos e isolamento, assim como lhe proporcionou um ambiente de trabalho vexatório e perturbador, tudo com transtorno do comportamento e reflexos no relacionamento familiar e afetivo do trabalhador.  

Todas as Instâncias concluíram, em termos convergentes, que esta conduta da entidade empregadora se enquadra numa situação de mobbing ou assédio moral e que, por conseguinte, nos termos gerais do direito (artigo 28.º, ex vi n.º 3, do artigo 29.º, ambos do Código do Trabalho) é devida ao trabalhador uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, fixada equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias enunciadas no artigo 494º do Código Civil.

O Tribunal concluiu que “face à gravidade da conduta humilhante e vexatória relatada, violadora dos deveres gerais do empregador e das garantias do A., seu trabalhador técnico – qualificado, e atendendo às consequências na esfera jurídica deste, ao nível da sua dignidade e integridade moral, mediante o desgaste psicológico e humilhação a que o mesmo foi sujeito, afigura-se-nos que se mostra ajustada e equitativa uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.

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2. aÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO - DISPONIBILIDADE DO OBJETO

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de abril de 2016 (Seara Paixão), Processo n.º 2203/14.1TTLSB.L1-4

Resumidamente, o Tribunal decidiu que, como na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho o legislador permite (artigo 186º-O) que o empregador e o trabalhador possam conciliar-se, não limitando os termos dessa conciliação, tal significa que o objeto dessa ação é disponível, podendo, assim, o trabalhador desistir do pedido.

Assinala-se que esta questão tem suscitado divergentes decisões nos Tribunais da Relação.

Com efeito, se por um lado há quem considere que a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho tem subjacente um interesse público, não sendo o prestador parte e, consequentemente, não pode exercer os direitos processuais inerentes a essa qualidade processual, v.g., desistir do pedido.

Por outro, há quem defenda que, primeiramente, releva o interesse do próprio prestador-trabalhador e, apenas secundariamente, o interesse da coletividade no combate à precariedade no trabalho. Não se pode, nessa medida, na tentativa de conciliação realizada perante o juiz, negar ao prestador-trabalhador o direito de desistir do pedido.

Neste acórdão, o Tribunal defendeu esta última orientação, esclarecendo, porém, que a liberdade contratual tem de ser exercida licitamente. No acaso concreto, como da ata da tentativa de conciliação se infere que o prestador expressou a sua vontade de forma livre e esclarecida, terá que se declarar que a desistência do pedido é valida.

Uma nota final, para assinalar que a Exma. Senhora Desembargadora Maria João Romba emitiu voto de vencido, declarando que “o direito a ver jurisdicionalmente dirimida a qualificação do contrato nesta acção especial não é disponível”.

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3. TRANSMISSÃO PARCIAL DA EMPRESA - unidade económica - CONTRATO DE TRABALHO NÃO TRANSMITIDO

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de abril de 2016 (Paula Sá Fernandes), Processo n.º 493/09.0TTLSB.L1-4

No caso em apreço esteve em discussão se, no âmbito de uma transação, houve ou não uma transmissão do contrato de trabalho do transmitente para o transmissário.

Assim, para avaliar esta questão foi necessário aferir se a transmissão em causa incidiu apenas sobre uma parte da empresa (constituída por 77 estabelecimentos de supermercado e por um armazém de abastecimento), ou se, inversamente, essa transmissão implicou a transferência de toda a empresa, e com ela de todos os trabalhadores vinculados à transmitente, incluindo os que não prestavam atividade nem nos supermercados nem no armazém, mas estavam exclusivamente afetos à estrutura central, nomeadamente a Direção Administrativa e Financeira, onde o Autor prestava a sua atividade.

O Tribunal considerou que apenas houve uma transmissão parcial da empresa com base nos seguintes fundamentos:

(i) Nenhum dos trabalhadores da estrutura central transitou para o transmissário;

(ii) O transmissário não necessitava da estrutura central, pois já dispunha de recursos próprios para esse efeito;

(iii) A unidade central em que o trabalhador prestava serviço continuou a desenvolver atividade após a transmissão da rede de supermercados. Com efeito, a “Direcção Administrativa e Financeira ficou com a missão de proceder ao fecho de contas da «GG, Lda.», do que o Autor foi incumbido”;

(iv) A unidade económica transmitida permite que o transmissário exerça a mesma actividade, pelo que é ela própria, uma unidade económica.

Em face disto, concluiu o Tribunal que o contrato de trabalho do trabalhador não se transmitiu para o transmissário.

Adicionalmente, o Tribunal veio defender que “a lei não exige que, após a transmissão parcial se realizar, a parte não-transmitida permaneça inalterada, desenvolvendo as mesmas actividades e mantendo a configuração que tinha antes da transmissão”, podendo o transmitente efetuar um despedimento coletivo dos trabalhadores afetos à unidade central, cujo posto de trabalho não foi transmitido.

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4. TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR - CLÁUSULA CONTRATUAL - ABUSO DE DIREITO

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de abril de 2016 (Filomena Manso), Processo n.º 107/13.4TTBRR.L1-4

No caso em apreço, uma trabalhadora foi notificada da transferência definitiva do respetivo local de trabalho do Montijo para o Barreiro.

Por sua vez, a trabalhadora recusou-se a cumprir esta ordem, alegando que tem problemas de saúde, sofre de depressão e agorafobia pelo que deve manter o ritmo do sono e da vigília de forma regular e em compatibilidade com um horário de trabalho de predomínio diurno. Adicionalmente, a trabalhadora demonstrou que, com a transferência, passa a gastar cerca de 2h30m para cada lado, num total de 5 horas por dia, o que acarreta uma alteração do ritmo de descanso e vigília e a impossibilidade de cumprir a medicação.

Ao analisar a cláusula do contrato de trabalho, o Tribunal concluiu que um declaratário normal medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição da trabalhadora, extrairia o seguinte desta declaração negocial: (i) a primeira parte da cláusula deve ser interpretada no sentido de que a trabalhadora foi colocada num concreto estabelecimento - onde prestou atividade durante 18 anos - e não num qualquer estabelecimento; (ii) por sua vez, a segunda parte da cláusula prevê o consentimento da trabalhadora para, futuramente, poder ser transferida para qualquer outro local ou departamento da entidade empregadora sediado no distrito de Setúbal.

Assim, com relevância para a presente causa, o Tribunal veio decidir que a “cláusula acordada entre as partes de que "a trabalhadora prestará o seu trabalho no estabelecimento da 1ª outorgante no distrito de Setúbal, aceitando ser recolocada por conveniência de serviço em qualquer local ou departamento dentro do âmbito geográfico definido" deve ser interpretada no sentido da 1ª parte estipular o local de trabalho da Autora como sendo aquele em que foi colocada”.

O Tribunal concluiu ainda que à segunda parte da cláusula deve aplicar-se o n.º 2 do artigo 194.º, do Código de Trabalho de 2009, declarando a caducidade do consentimento de mobilidade geográfica dado pela trabalhadora. Por conseguinte, a ordem de transferência da trabalhadora foi ilícita, pelo que esta podia recusar o respetivo cumprimento.

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