O Orçamento de Estado para 2012 na perspectiva da tributação do património imobiliário

Susana Estevão Gonçalves, Filipe Romão.

2012 Vida Imobiliária, n.º 163


I. Enquadramento

A Lei do Orçamento de Estado para 2012 vem introduzir alterações significativas (embora, como veremos, nem sempre as mais desejáveis) ao regime fiscal aplicável ao património imobiliário.

Importa, assim, analisar as alterações mais relevantes que foram introduzidas por este Orçamento de Estado quer no âmbito do imposto municipal sobre imóveis (“IMI”) e do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (“IMT”), quer no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (“IRS”) ao nível dos rendimentos de capitais, bem como das deduções à colecta de encargos respeitantes a imóveis.

II. Alterações sem sede de IMI

Desde logo, são aumentadas em 0,1 pontos percentuais as taxas de IMI aplicáveis aos prédios urbanos, ficando assim (i) os prédios urbanos avaliados nos termos do Código do IMI sujeitos uma taxa variável entre 0,3% a 0,5%, e (ii) os restantes prédios urbanos sujeitos a uma taxa variável entre 0,5% e 0,8%.

Os prédios urbanos devolutos há mais de um ano, cuja taxa é actualmente elevada para o dobro, passam a ter a taxa que lhes é aplicável elevada para o triplo.

Por outro lado, relativamente aos prédios que sejam propriedade de entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável verifica-se um aumento da taxa em 2,5 pontos percentuais, passando os mesmos a ser tributados à taxa de 7,5%.

III. Alterações em sede de IMT

A taxa do IMT é aumentada em 2 pontos percentuais no que respeita à aquisição de imóveis por entidades sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, ficando, assim, tal taxa estabelecida em 10% do valor tributável.

IV. Alterações sede de IRS

1. Rendimentos Prediais

O período de reporte do resultado líquido negativo respeitante a rendimentos prediais, actualmente estabelecido em 4 anos, é aumentado para 5 anos.

Porém, a taxa especial aplicável aos rendimentos prediais auferidos em território português por sujeitos passivos não residentes é aumentada em 1,5 pontos percentuais, fixando-se, assim, em 16,5%.

2. Deduções à Colecta de Encargos com Imóveis

Sem prejuízo das alterações aos limites gerais regressivos aplicáveis às deduções à colecta, as alterações em sede de dedução à colecta dos encargos com imóveis podem resumir-se da seguinte forma:

 

2011

2012

30% dos seguintes encargos:

15% dos seguintes encargos:

Juros e amortizações de dívidas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento para habitação permanente do arrendatário, com excepção das amortizações efectuadas por mobilização dos saldos das contas poupança-habitação, até ao limite de € 591.

Juros de dívidas por contratos celebrados até 31 de Dezembro de 2011, com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento para habitação permanente do arrendatário, até ao limite de € 591.

Prestações devidas a cooperativas de habitação ou no âmbito do regime de compras em grupo, na parte que respeitem a juros e amortizações das correspondentes dívidas, até ao limite de € 591.

Prestações devidas em resultado de contratos celebrados até 31 de Dezembro de 2011 com cooperativas de habitação ou no âmbito do regime de compras em grupo, na parte que respeitem a juros das correspondentes dívidas, até ao limite de € 591.

Importâncias líquidas suportadas a título de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou da sua fracção autónoma para fins de habitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados a coberto do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, ou do Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, ou pagas a título de rendas por contrato de locação financeira relativo a imóveis para habitação própria e permanente efectuadas ao abrigo deste regime, na parte que não constituem amortização de capital, até ao limite de € 591.

Importâncias pagas a título de rendas por contrato de locação financeira celebrado até 31 de Dezembro de 2011 relativo a imóveis para habitação própria e permanente efectuadas, na parte que não constituam amortização de capital, até ao limite de € 591.

Importâncias líquidas suportadas a título de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou da sua fracção autónoma para fins de habitação permanente, quando referentes a contratos de arrendamento celebrados a coberto do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, ou do Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, até ao limite de € 591.

 

Assim, apesar de se manterem os limites máximos (de € 591), a percentagem dedutível de tais encargos é reduzida de 30% para 15%.

Acresce que, para além de as amortizações de capital deixarem de ser dedutíveis, apenas os encargos resultantes de contratos celebrados em data anterior a 1 de Janeiro de 2012 poderão ser deduzidos (com excepção dos encargos resultantes de contratos de arrendamento cuja dedução não se encontra condicionada à data do respectivo contrato).

Importa ainda notar que o Orçamento de Estado para 2012 vem estabelecer uma norma transitória ao Código do IRS de acordo com a qual (i) a dedução dos juros de dívidas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis será progressivamente reduzida até 2015, deixando de se aplicar a corresponde dedução a partir de 2016, e (ii) a dedução das rendas pagas no âmbito de contratos de arrendamento, será progressivamente reduzida até 2017, deixando de ser aplicável a partir de 2018.

V. Alterações em sede de Benefícios Fiscais

1. Reorganização de Empresas

O benefício fiscal aplicável à reorganização de empresas em resultado de actos de concentração ou acordos de correlação (isenção de IMT, Imposto do Selo e demais emolumentos e encargos legais) deixa de ficar sujeito à regra da caducidade dos benefícios fiscais.

2. Isenção de IMI aplicável aos prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente

A isenção de IMI aplicável aos prédios ou parte de prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar é objecto de uma significativa limitação, a qual se pode resumir da seguinte forma: (i) o actual prazo máximo de vigência de 4 a 8 anos, é reduzido para 3 anos (ii) o valor tributável do prédio, que actualmente não pode exceder os € 236.250, passa a não poder exceder € 125 000, e (iii) torna-se necessário que o rendimento colectável do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, para efeitos de IRS, do ano anterior, não seja superior a € 153 300.

3. Benefícios Fiscais relativos à Interioridade

Os benefícios fiscais relativos à interioridade (onde se inclui, nomeadamente, uma isenção de IMT) são revogados.

VI. Conclusões

Para além do aumento significativo das taxas do IMI, mostra-se particularmente gravosa para os contribuintes a diminuição, e subsequente eliminação, das deduções à colecta dos encargos com imóveis.

Porém, tal opção legislativa poderá ainda revelar-se desastrosa do ponto de vista da evasão e fraude fiscal, pois, considerando a pesada carga fiscal que impende sobre os rendimentos prediais[1], a redução/eliminação da deduções à colecta das rendas pagas resultará, de forma quase necessária, num aumento significativo da economia paralela no mercado do arrendamento.

De facto, poder-se-á assumir que, ao ser impedida a dedutibilidade das rendas, os arrendatários não mostrarão grande resistência em aceitar - eventualmente mediante uma diminuição do valor da renda acordado - que o locador não emita e lhes entregue os recibos do pagamento das rendas, assim permitindo que os rendimentos dessas rendas não sejam fiscalmente declarados pelo locador.

Deve, contudo, notar-se que esta economia paralela no mercado de arrendamento poderá ser reduzida de forma significativa mediante a introdução da - já discutida embora aparentemente abandonada - tributação dos rendimentos prediais a uma taxa liberatória equivalente à aplicável aos juros e dividendos.

Esta solução, que não só reduziria a carga fiscal nos rendimentos prediais como daria lugar à existência de uma situação de substituição tributária, acabaria por permitir ao Estado arrecadar uma receita significativamente superior àquela que resulta do actual sistema. De facto, o legislador ao insistir em manter a tributação do rendimentos prediais a taxas marginais que podem chegar aos 50%, parece esquecer que é melhor cobrar 25% de alguma coisa, do que 50% de nada.


 

[1] Note-se que os rendimentos prediais são tributados às taxas gerais de IRS, as quais poderão chegar a cerca de 50% dos rendimentos, sendo que são bastante limitadas as deduções específicas desta categoria de rendimentos. Tais deduções específicas limitam-se às despesas de manutenção e conservação dos imóveis e ao IMI respectivo.

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