La alineación fiduciaria de inmuebles como garantía de los acreedores

João Anacoreta Correia.

29/02/2007 Jornal de Negócios


Sucede por vezes que a protecção aparentemente intocável conferida por hipoteca, constituída a favor de um credor sobre um ou mais imóveis, perca eficácia prática em determinadas situações. Esta “desilusão” do credor hipotecário acontece com frequência nos processos de insolvência do devedor.

Com efeito, a hipoteca não está isenta de riscos, não constituindo de forma nenhuma uma garantia inabalável. A existência de inúmeros privilégios creditórios especiais graduados à sua frente, o direito de retenção e as dificuldades, despesas e atrasos do nosso sistema judicial conduzem à diminuição, e em algumas situações obstam por completo, à satisfação do crédito proveniente da hipoteca, o qual, à primeira vista, poderia parecer absolutamente seguro.

Ora, por forma a diminuir tais riscos e a atribuir ao património imobiliário um papel de garantia com maior eficácia e segurança para os credores, existe na legislação de alguns países a possibilidade de recurso a um expediente jurídico através do qual um devedor pode transferir a propriedade de um imóvel para um credor como forma de garantir o cumprimento de uma dívida contraída ou mantida perante este. Por seu turno, o credor obriga-se a retransmitir a propriedade do imóvel ao devedor assim que o seu crédito estiver integralmente satisfeito. Ou seja, o imóvel é efectivamente alienado pelos devedor, transferindo-se a titularidade do bem para o credor. Todavia, tal transmissão tem apenas como escopo garantir o cumprimento da dívida perante o credor. Logo no momento em que aquele cumpra integralmente a dívida assumida, o credor obriga-se a retransmitir-lhe a propriedade do imóvel. Estamos então perante o instituto jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis.

Em Portugal não existe um mecanismo jurídico semelhante, uma vez que a alienação fiduciária de imóveis não é um dos direitos reais de garantia que a lei permite constituir.

Todavia, a figura da alienação fiduciária com escopo de garantia encontra-se já consagrada na nossa lei quanto a outros bens que não imóveis, nomeadamente quanto aos contratos de garantia financeira.

Porém, será possível, dentro do actual quadro legal, conceber uma solução ou encontrar um caminho alternativo à alienação fiduciária de bens imóveis que combata a desprotecção e as incertezas causadas pelas limitações da hipoteca?

Concretizando num exemplo prático: o Sr. A. pede um financiamento à instituição financeira B, garantindo o cumprimento da sua dívida (ou seja, o pagamento em prestações da sua dívida) não através da hipoteca do seu imóvel, mas antes através da transferência da propriedade sobre esse mesmo imóvel para B. A instituição financeira B assume, pelo seu lado, a obrigação de o restituir imediatamente após o pagamento integral da dívida. O imóvel servirá então de garantia da dívida. Esta hipótese parece fazer sentido principalmente no caso de o credor ser uma instituição financeira, dado o regime de controlo e de fiscalização prudencial a que estão sujeitas.

A aplicação desta solução encontra dificuldades. Para além da questão da taxatividade dos direitos reais de garantia, há ainda que ter em atenção a legislação relativa à venda com reserva de propriedade, à propriedade resolúvel (vendas a retro e reporte) e mesmo à proibição do pacto comissório, que poderão criar entraves à sua adopção. Contudo, há mecanismos no nosso quadro legal actual que podem permitir a adopção deste caminho.  Para os credores seria um apetecível acréscimo da garantia de satisfação do seu crédito os devedores poderiam obter, eventualmente, ainda melhores condições de financiamento.

Obviamente que tal caminho não é livre de problemas e, não existindo um quadro legal específico, tal implicaria a necessidade de regulamentar ao pormenor os contratos a serem celebrados entre credores e devedores. Questões como a mora no pagamento das prestações, o cumprimento das obrigações fiscais, a possibilidade de oneração dos imóveis, as consequências da resolução do contrato, teriam de ser alvo de uma regulação contratual cuidada. Haverá igualmente lugar ao pagamento de IMT em virtude destas transferências, podendo, contudo, perspectivar-se a criação de mecanismos fiscais susceptíveis de diminuírem o impacto deste imposto. Diga-se a este propósito que uma solução à questão do IMT poderia eventualmente passar pela criação de um regime semelhante ao da locação financeira, de acordo com o qual, não obstante aquisição do imóvel pela instituição de crédito estar sujeita a IMT, a posterior transmissão ao cliente no termo de vigência do contrato está isenta deste imposto.

A verdade é que o instituto jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis não se encontra, ao contrário do que sucede noutros sistemas jurídicos, previsto no direito português. Sucede que tal regime acarreta um acréscimo de garantias para os credores que o torna não só apetecível como, eventualmente, desejável, já que os próprios devedores poderiam obter, em princípio, financiamentos mais favoráveis. No actual quadro legal há mecanismos que podem eventualmente permitir a obtenção de um resultado semelhante ou pelo menos aproximado ao desse instituto jurídico, ainda que implique a regulação exaustiva dos contratos que lhe sirvam de suporte e um planeamento fiscal cuidadoso na sua execução.

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