Medidas fiscais constantes da proposta de Orçamento de Estado para 2010 com impacto no sector imobiliário

Miguel Durham Agrellos, Pedro Teixeira de Sousa.

2010 Vida Imobiliária, n.º 144


O presente artigo tem por objectivo identificar e efectuar uma breve descrição das principais medidas de carácter fiscal, constantes da Proposta do Orçamento de Estado para 2010 (“OE 2010”), ligadas à actividade do sector imobiliário.

Determinação do valor de aquisição de bens imóveis nas doações isentas

No âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), propõe-se uma alteração à norma de determinação do valor de aquisição a título gratuito para efeito do cálculo de mais-valias ou menos-valias tributáveis. Assim, prevê-se que, no caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta de Imposto do Selo (aplicável nas transmissões gratuitas ao cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes), deve considerar-se como valor de aquisição o valor patrimonial tributário fixado até aos dois anos anteriores à doação.

Note-se que, actualmente, a norma prevê que no caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos há menos de dois anos, se considere valor de aquisição o valor patrimonial tributário anterior à doação.

Não obstante a deficiente redacção da letra da lei, a qual poderá induzir o intérprete em erro, entendemos que com a alteração proposta passará a considerar-se como valor de aquisição, nos casos de doação de bens imóveis que beneficiem da referida isenção de Imposto do Selo, o valor patrimonial tributário anterior à doação, independentemente da data da doação (e não apenas no caso da doação ter ocorrido nos dois anos anteriores à venda, como actualmente consta da lei). O objectivo desta proposta parece ser, pois, o de alargar o âmbito da sua aplicação enquanto medida anti-abuso.

Não constando da Proposta do OE 2010 qualquer regime transitório, e atendendo aos princípios da não retroactividade da lei fiscal e da protecção das legítimas expectativas, somos de opinião de que o regime proposto apenas deve ser aplicável às aquisições gratuitas por doação isenta de Imposto de Selo ocorridas após a sua entrada em vigor.

Isenções aplicáveis às entidades públicas empresariais responsáveis pela rede pública de escolas

É proposta uma isenção de Imposto do Selo para os actos, contratos e operações relativos a aquisições de imóveis por entidades públicas empresariais responsáveis pela rede pública de escolas, destinadas directa ou indirectamente à realização dos seus fins estatutários, bem como actos, contratos e operações em que as referidas entidades sejam intervenientes ou destinatárias e o imposto constitua seu encargo.

Propõe-se ainda que estas entidades beneficiem de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directa ou indirectamente à realização dos seus fins.

Note-se que as entidades públicas empresariais são pessoas colectivas de direito público com natureza empresarial, criadas pelo Estado através de decreto-lei, que visam a prestação de bens ou de serviços de interesse público.

De referir que estas medidas fiscais acompanham a aposta na renovação da rede pública de escolas. Neste contexto chamamos a atenção para a criação da entidade pública empresarial denominada de Parque Escolar EPE, a qual funciona sob a tutela do Ministério da Educação e se destina a gerir o parque escolar.

Actualização do valor isento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

Propõe-se que o valor até ao qual as aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação própria e permanente estão isentas de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) seja aumentado de EUR 89.700,00 para EUR 90.418,00. Tal representa uma actualização de 0,8%.

Refira-se, ainda, que igual actualização é proposta quantos aos escalões previstos para as aquisições supra referidas, bem como para a aquisição de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos que, não se destinando a habitação própria e permanente, se destinem exclusivamente a habitação. 

Tratam-se de actualizações não extraordinárias, que são efectuadas anualmente, sem impacto significativo na actividade imobiliária.

Reconhecimento de isenções

A proposta do OE 2010 prevê alterações em matéria de reconhecimento de isenções de IMI, com alguma relevância prática.

Assim, prevê-se que:

(a) no caso de prédios classificados como monumentos nacionais e prédios individualmente classificados como de interesse público ou municipal, a isenção passa a ser automática (actualmente, o reconhecimento é automático apenas no caso do prédio ter beneficiado de isenção de IMT prevista para aquisição de prédios classificados de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro; nos restantes casos, depende de reconhecimento do chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio, a requerimento do interessado);

(b) nos demais casos de isenção, a competência para o seu reconhecimento é transferida para o chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio, sendo precedida de requerimento devidamente fundamentado, a apresentar pelos sujeitos passivos, com as excepções de: (i) prédios de entidades licenciadas na Zonas Francas da Madeira e da Ilha de Santa Maria, em relação aos quais continua a ser competente o Director-Geral dos Impostos; (ii) prédios destinados às representações diplomáticas ou consulares de estados estrangeiros, relativamente aos quais é o Ministro das Finanças a entidade competente; e (iii) prédios destinados directamente à realização dos fins das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, bem como das instituições particulares de solidariedade social e pessoas colectivas a elas legalmente equiparadas (salvo no caso das misericórdias, relativamente às quais o benefício abrange quaisquer imóveis), relativamente aos quais o reconhecimento é oficioso.

É proposto, ainda, reduzir o prazo para requerer estas isenções de 90 para 60 dias, contados da verificação do facto determinante da isenção, redução que abrange, igualmente, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída utilidade turística.

Deduções ambientais

Encontra-se também prevista uma nova dedução, em sede de IRS, para despesas com equipamentos e obras de melhoria das condições de comportamento térmico de edifícios das quais resulte o seu melhor isolamento.

Trata-se de uma medida decorrente do Programa do XVIII Governo Constitucional, que fixa o compromisso de aprofundamento da reforma fiscal ambiental, e que visa propiciar a adopção das melhores soluções no âmbito da eficiência energética dos edifícios e contribuir para a redução das emissões de CO2. Esta medida surge na sequência de outras medidas e diplomas aprovados nos últimos anos no domínio da protecção do ambiente, em geral, e da eficiência energética, em particular, com especial relevo para o Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética.

Regime fiscal de apoio ao investimento

Importa, por fim, referir que é proposto prorrogar por um ano a vigência do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, o qual concede aos sujeitos passivos as seguintes vantagens: (a) deduções à colecta de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, até ao limite de 25% da mesma, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional; (b) isenção de IMI, por um período de cinco anos, relativamente aos prédios da sua propriedade que constituam investimento relevante; (c) isenção de IMT  relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante; e (d) isenção de Imposto do Selo relativamente às aquisições de prédios que constituam investimento relevante.

Recordamos que o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, agora prorrogado, está previsto no artigo 13º da Lei 10/2009, de 10 de Março, e é aplicável a sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade nos sectores agrícola, florestal, agro-industrial, energético e turístico e ainda da indústria extractiva ou transformadora, com excepção dos sectores siderúrgico, da construção naval e das fibras sintéticas.

No actual contexto do sector imobiliário e de crise nacional e internacional impunha-se a prorrogação da vigência deste regime.

Conclusão

Verifica-se que as medidas fiscais previstas na Proposta do OE 2010 com impacto no sector imobiliário assumem uma relevância limitada, não constituindo uma alteração de paradigma.

No entanto, não poderemos deixar de chamar especial atenção para (i) as alterações ao nível das regras de determinação do valor de aquisição nos casos de aquisições gratuitas de bens imóveis isentas de Imposto do Selo, (ii) a simplificação do reconhecimento de isenções de IMI e, por fim, (iii) a prorrogação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento.

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