Breves notas sobre o regime jurídico da rede nacional de plataformas logísticas
2008 Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, n.º V
Enquadramento
O bom funcionamento de um Centro Comercial depende da existência de uma gestão profissional comum que se responsabilize não só pela disponibilização de serviços colectivos, mas também pelo funcionamento integrado e harmónico das diversas unidades comerciais ou de prestação de serviços que o compõem.
Neste contexto, os denominados contratos de utilização de loja em Centro Comercial (“Contratos de Utilização”), que constituem o elemento disciplinador essencial das relações entre promotor/ entidade exploradora do Centro Comercial (“Promotor”) e utilizadores dos espaços (“Lojistas”), revestem importância fundamental.
Regime Jurídico
Os Contratos de Utilização são qualificados maioritariamente pela doutrina e pela jurisprudência portuguesas como contratos atípicos - isto é, não correspondentes a nenhum dos tipos contratuais regulados por lei - que são celebrados ao abrigo do princípio da liberdade contratual. A disponibilização de espaços em Centros Comerciais não obedece, assim, na presente data, a um regime jurídico específico.
Atendendo à natureza das relações que se estabelecem entre Promotor e Lojistas, estes contratos apresentam, de facto, características díspares de outros regulados por lei (como é o caso do arrendamento para comércio) e exigem a adopção de soluções específicas e diversas daquelas que disciplinam outras relações contratuais. Note-se, no entanto, que se encontra em preparação um regime jurídico aplicável aos Contratos de Utilização, o que poderá trazer alterações significativas quanto à actual liberdade contratual das partes na celebração destes contratos.
Desta forma, a prática de mercado desenvolveu um elenco exaustivo de estipulações contratuais que, regra geral, estão presentes na generalidade dos Contratos de Utilização celebrados em Portugal e que constituem uma importante ferramenta de gestão do Centro Comercial. Refira-se que as relações contratuais entre Promotor e Lojistas são também disciplinadas por outros instrumentos, que em regra constituem anexos dos Contratos de Utilização. É o caso do Regulamento Interno do Centro Comercial, do Regulamento de Condomínio ou dos Estatutos da Associação de Lojistas.
Cláusulas Contratuais
As cláusulas dos Contratos de Utilização servem o propósito fundamental de potenciar o bom funcionamento integrado do Centro Comercial e das suas lojas. Neste âmbito, destacam-se as cláusulas que impõem ao Lojista as obrigações de exercer a sua actividade durante todo o período de funcionamento do Centro Comercial e de cumprir as regras do Regulamento Interno, bem como a cláusula que define de forma rigorosa as actividades que podem ser desenvolvidas nos espaços cedidos.
Numa outra perspectiva, a estipulação de um prazo certo de duração do contrato, sem possibilidade de cessação antecipada por qualquer das partes, e a previsão da faculdade do Promotor ceder a sua posição contratual, mostram-se essenciais para a boa gestão do Centro Comercial.
No que toca à previsão da remuneração mensal a pagar pelo Lojista, em regra esta é o resultado da soma de duas parcelas, uma fixa e uma variável. A parcela variável da remuneração é calculada mensalmente por aplicação de uma determinada percentagem sobre o valor da facturação bruta mensal da loja, sendo deduzido o valor da parcela fixa ao montante daí resultante. Assim, apenas será devido o pagamento da parcela variável se o valor correspondente à percentagem da facturação mensal determinada no Contrato de Utilização exceder o valor da remuneração fixa.
Neste domínio verifica-se recentemente um cuidado acrescido dos contraentes quanto à estipulação de regimes de remuneração que se afigurem atractivos para o Lojista e que permitam a este suportar períodos de previsível maior dificuldade (por exemplo, reduzindo a remuneração mensal nos primeiros anos do contrato). Por outro lado, os Promotores preocupam-se em estabelecer regras que permitam o controlo rigoroso da facturação mensal do Lojista.
De notar, também, que o funcionamento do Centro Comercial e das respectivas lojas pode depender da obtenção de diferentes tipos de autorização (por exemplo, (i) autorização de utilização do prédio no qual o Centro Comercial está instalado, (ii) autorização específica para o exercício de determinada actividade a desenvolver na loja ou (iii) autorização comercial para instalação do Centro Comercial ou da loja em função da respectiva dimensão). Os Contratos de Utilização disciplinam as obrigações das partes no que toca à obtenção das autorizações necessárias - geralmente responsabilizando cada parte pela obtenção das respectivas autorizações - e as consequências da sua não obtenção.
Conclusão
Em síntese, os Contratos de Utilização constituem um dos principais instrumentos contratuais de gestão dos Centros Comerciais portugueses e de disciplina do relacionamento entre os seus principais actores, propiciando o adequado funcionamento do Centro Comercial e, simultaneamente, das unidades comerciais e de prestação de serviços que o integram.