Recentes “guidelines” da Autoridade da Concorrência para operações de concentração. O prejuízo da excessiva celeridade

Joaquim Caimoto Duarte.

14/02/2007 Diário Económico


No passado dia 1 de Fevereiro, a Autoridade da Concorrência (“AdC”) emitiu um conjunto de linhas orientadoras (“Orientações”) quanto às recentes alterações à Lei da Concorrência em matéria estrita de controlo de concentrações, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro (que transpôs a Directiva 2004/25/CE, de 21 de Abril, relativa às ofertas públicas de aquisição). 

Este tipo de iniciativas da AdC são de louvar, uma vez que dão às empresas a necessária segurança jurídica quanto à interpretação que a entidade reguladora seguirá no momento de aplicar a lei em sede de concentrações de empresas. 

Estas Orientações versam sobre todas as alterações à Lei da Concorrência introduzidas pelo referido diploma, definido, desde logo, o âmbito de aplicação (a todas as transacções e não somente às OPAs), esclarecendo ainda o prazo de notificação, o estabelecimento de um futuro procedimento de pré-notificação, e a redução do prazo de análise das concentrações, em sede de investigação aprofundada (Segunda Fase), passando de um total de 120 para 90 dias úteis. 

Contudo, foi certamente no aspecto mais polémico da referida revisão legislativa que se fez sentir o contributo destas Orientações: o referente à possibilidade da AdC “parar o relógio” nos processos de operações de concentração. 

Neste último aspecto, a alteração à Lei da Concorrência levantava dúvidas relevantes de interpretação, parecendo que o legislador teria limitado a AdC, no âmbito da Segunda Fase e para efeitos de requerimento de informações às empresas notificantes, a poder suspender o procedimento somente pelo período máximo de 10 dias úteis. 

A AdC, escudando-se em argumentos de interpretação sistemática e de interesse público (v.g., em prol dos administrados), veiculou nas Orientações o seu entendimento quanto ao preceito legal em causa, frisando que interpreta esta limitação como relativa unicamente ao período máximo de cada uma das suspensões que ocorram na Segunda Fase, “independentemente do número de solicitações” que a AdC entenda fazer à notificante nessa fase do procedimento. 

É óbvio que a intenção do legislador com esta alteração (e com o encurtamento para 90 dias úteis do prazo máximo de análise das operações) foi a de tornar os processos de concentração mais expeditos. Na mente de todos estão as recentes e mediáticas OPAs em que a AdC foi alvo (fácil) de críticas pela alegada morosidade dos processos. No entanto, a urgência de encurtamento dos prazos não deverá conflituar, nem diminuir a capacidade de se produzirem decisões correctas, amadurecidas e devidamente fundamentadas. 

Fazemos uma leitura favorável da interpretação da AdC, uma vez que a mesma é em prol dos administrados. A interpretação contrária - na prática, limitativa dos poderes da AdC requerer informação adicional durante a Segunda Fase do procedimento - seria não somente impraticável como prejudicial para as empresas que estivessem a passar pelo crivo da AdC numa fase, que é sempre complexa, de investigação aprofundada. 

Note-se que toda e qualquer operação de concentração que passe à Segunda Fase terá sido indiciada como contendo “entraves significativos à concorrência”. Caberá, depois, aos intervenientes nesse procedimento carrear elementos que contradigam esses indícios: à AdC, com os seus estudos e análise, caberá fundamentar cabalmente uma decisão; e à notificante, trazendo elementos que demonstrem a conformidade da operação, ou encontrado soluções/compromissos a propor à AdC.  

Com uma leitura diversa daquela produzida pela AdC (coarctando a possibilidade de se pedir informação adicional), correr-se-ia o sério risco de restarem duas saídas para as operações analisadas em Segunda Fase: a não aprovação da operação por falta de dados suficientes que consubstanciem uma decisão positiva; ou a aprovação, com fundamentação deficiente. 

Qualquer das duas alternativas será, obviamente, indesejável: a de não aprovação, por a decisão não chegar a atender cabalmente à realidade material subjacente à operação; e a segunda por acarretar um grau de exposição e incerteza insuportável para as empresas adquirentes, que ficariam à mercê de uma expectável impugnação judicial da decisão por qualquer contra-interessado. E não se considere esta hipótese como remota - recorde-se o recente caso Sony/BMG, em que o Tribunal de Primeira Instância comunitário anulou a decisão de aprovação daquela concentração pela Comissão Europeia com base na sua insuficiente fundamentação.