EDP/Gás de Portugal - questões jurídicas em aberto

Joaquim Caimoto Duarte.

19/08/2005 Diário Económico


Durante o corrente mês de Julho, teve lugar a única sessão para exposição de argumentos das partes no Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, no âmbito do recurso de anulação, interposto em finais de Fevereiro pela EDP, da decisão da Comissão Europeia no sentido da não aprovação da aquisição conjunta, com a italiana ENI, da empresa Gás de Portugal (GDP). Esta audiência visou complementar os argumentos anteriormente apresentados por escrito pelas partes.  

Tendo em conta a natureza urgente do processo – trata-se de um recurso relativo a uma concentração de empresas que, em homenagem aos princípios da utilidade e da oportunidade económica, exige celeridade no andamento da lide -, espera-se uma decisão já nos próximos 4 a 5 meses. 

Neste processo a demandante EDP pede a anulação da decisão da Comissão e a condenação da mesma nas despesas, aduzindo argumentos que nos propomos analisar.

A EDP invocou o vício de violação do dever de fundamentação por parte da Comissão por esta se ter baseado em informações consideradas confidenciais, e que não tinham sido fornecidas à EDP durante o processo de controlo da concentração, e por não ter sido devidamente fundamentado se o reforço da posição dominante da EDP e da GDP, nos mercados nacionais da electricidade e do gás, impediriam de forma significativa a concorrência. 

É com alguma expectativa que se espera pela decisão do Tribunal sobre estes pontos, dado que entendemos ser de difícil prova que a informação confidencial omitida à EDP seria, por si só, suficiente para que as partes pudessem contestar eficazmente os argumentos da Comissão. Por outro lado, será também difícil provar que a operação não consubstanciaria uma “alteração substancial” na configuração dos mercados relevantes da electricidade e do gás e, por isso, não seria passível de impedir de forma significativa a concorrência, não obstante o reforço da posição dominante da EDP e da GDP. 

Um outro fundamento para o recurso invocado pela EDP diz respeito ao impedimento que a Comissão Europeia terá criado ao Estado português para reestruturar o sector nacional do gás. De acordo com a Directiva comunitária em vigor sobre as regras comuns para o mercado interno do gás natural, o mercado do gás em Portugal foi considerado “emergente”, beneficiando de uma derrogação até Abril de 2007, não sendo, por isso, um mercado aberto à concorrência durante esse mesmo período. Segundo a EDP, não poderia a Comissão Europeia ter apreciado os efeitos da concentração em relação ao termo do período da derrogação, que somente se verificará passados alguns anos sobre a decisão. Existe também alguma expectativa quanto a este ponto, quanto a saber-se como irá o Tribunal decidir nesta matéria. Efectivamente, na prática da Comissão Europeia existe um padrão de “análise prospectiva” no período de dois/três anos, pese embora, em certas decisões, nomeadamente no sector energético, o período relevante para a análise prospectiva chega a ser bastante mais dilatado. 

A EDP usou também o argumento da violação do princípio da boa administração e da não observância de formalidades essenciais por parte da Comissão, afirmando que a Comissão, quando efectuou a análise de mercado, não avaliou de forma imparcial e diligente os compromissos assumidos pelas parte na operação e, por outro lado, que a Comissão não permitiu à EDP o acesso suficiente aos resultados da análise de mercado referidos. 

Atendendo a que a jurisprudência comunitária vai no sentido de que, numa operação de concentração, os compromissos apresentados pelas partes sejam disponibilizados atempadamente (idealmente, logo em sede de contactos iniciais, de acordo com as guidelines da Comissão), para possibilitar uma análise completa por parte da Comissão, pelos Estados-Membros e, quando seja o caso, por terceiros interessados, parece-nos que será difícil ao Tribunal ajuizar se tais compromissos foram alvo do merecido escrutínio por parte da Comissão, caso se constate que não foram apresentados com a antecedência exigida e com a clareza e suficiência necessárias para responder às preocupações concorrenciais suscitadas pela Comissão, dentro dos prazos apertados do procedimento. 

Note-se que, na sequela da não aprovação da operação a 9 de Dezembro do ano passado, não são só as questões enunciadas supra que estão em aberto (para além da indagação em torno do efeito útil do eventual acórdão anulatório do Tribunal de Primeira Instância).  

Com efeito, as ondas de choque da decisão da Comissão já se fizeram sentir um pouco por toda a Europa comunitária, sobretudo ao nível do sector energético. Salientamos o receio dos incumbentes locais em avançar com reestruturações projectadas. 

No plano nacional, a concorrência ao nível do mercado da electricidade aguarda pela definição do mercado geográfico relevante em termos ibéricos, por intermédio da entrada em vigor do projectado MIBEL. O entendimento avançado pela Comissão é o de que, independentemente da vontade política, se está longe de concretizar uma verdadeira inter-conexão entre os mercados espanhol e português, ao ponto de se entender existir um mercado ibérico da electricidade. Esta abordagem, diga-se, é muito criticável uma vez que a aproximação das condições de concorrência e da penetração dos agentes económicos no conjunto do mercado ibérico obriga os mesmos agentes a desenvolver estratégias integradas para este mercado.

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