A formação profissional no novo Código do Trabalho

Inês Arruda.

2009 Human. Recursos humanos e gestao


O regime da formação profissional, instituído pelo Código do Trabalho de 2003 (CT 2003), aparece configurado, também pelo novo Código do Trabalho (NCT), como um direito/dever dos trabalhadores concomitantemente com a respectiva obrigação a cargo dos empregadores de a proporcionar.

Os trabalhadores têm, assim, não só o direito de receber formação profissional, mas também o dever de participar, de modo diligente, nas acções de formação que lhe forem proporcionadas. O binómio “direito/dever” do trabalhador é crucial para a correcta compreensão deste regime.

Com efeito, ultrapassou-se o entendimento histórico segundo o qual a formação do cidadão termina quando o trabalho começa, sendo objecto de Recomendação do Parlamento Europeu a «aprendizagem ao longo da vida».

No âmbito de uma relação laboral, a formação profissional é - ou deveria ser - do interesse de ambas as partes: qualificação do trabalhador, por um lado, aumento da produtividade e competitividade da empresa, por outro.

Nem sempre, porém, isso sucede. Na verdade, o trabalhador melhor qualificado está mais apto para a vida profissional e é colocado no plano da concorrência. Por outro lado, excepcionando as situações em que o empregador realiza despesas avultadas na formação do trabalhador e, neste contexto, é celebrado um «pacto de permanência», o empregador não tem a garantia do retorno do investimento feito em formação profissional dos trabalhadores.

Não obstante o exposto, a verdade é que o NCT consagra, de forma expressa, o dever de o empregador “contribuir para a elevação do nível de produtividade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional”. O dever de formação profissional do empregador concretiza-se no dever de «formação contínua».

No que diz respeito à formação contínua individual, o NCT uniformiza as normas relativas ao contrato de trabalho a termo e aos contratos de trabalho sem termo, nos casos em que sejam contratados trabalhadores a termo por um período igual ou superior a três meses.

Assim, independentemente do tipo de contrato celebrado, o trabalhador terá direito a um mínimo anual de 35 horas de formação contínua certificada, sendo no caso de trabalhadores contratados a termo o número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.

Uma importante inovação introduzida pelo NCT diz respeito à inclusão nas 35 horas de formação profissional do tempo utilizado ao abrigo do regime do trabalhador estudante.

No âmbito da análise do direito individual à formação profissional, cumpre ainda referir que o NCT eliminou um artigo que estabelecia dois aspectos de importante relevância prática: (i) que o direito individual à formação profissional se vence no dia 1 de Janeiro de cada ano civil; e (ii) que no ano de contratação o trabalhador tem direito, após seis meses de duração do contrato, a formação proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano.

Ora, esta matéria ainda não foi objecto de regulamentação específica. Por isso, afigura-se-nos possível - e desejável - que estes pontos venham a constar da mesma. A verdade é que o preceito em causa foi expressamente revogado. Face ao exposto, poder-se-á questionar o quais os direitos do trabalhador em matéria de formação profissional no ano de admissão? Será proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano? A resposta afirmativa a esta questão parece colidir com o preceito do NCT que alude à regra da proporcionalidade apenas no que diz respeito aos contratos de trabalho a termo.

O conhecimento claro do momento em que se vence o direito à formação profissional assume, como veremos, extrema relevância na matéria referente ao crédito de horas de formação profissional. Note-se que o NCT comina com uma contra ordenação grave a violação da regra referente à violação do direito às 35 horas anuais de formação profissional.

À semelhança do CT 2003, o NCT esclarece que a formação profissional pode ser assegurada pelo empregador, por entidade formadora certificada ou por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ministério competente.

A área de formação profissional é determinada por acordo ou, na falta deste, pelo empregador, caso em que deve ter coincidir ou ser afim com a actividade prestada pelo trabalhador.

No plano da configuração do direito à formação contínua dos trabalhadores, o NCT mantém a regra de que a formação profissional deve abranger 10% dos trabalhadores, sendo que já não exige que sejam 10% dos trabalhadores contratados a termo, dada a uniformização de regimes acima referida.

Da leitura conjugada dos preceitos atinentes à formação profissional constantes quer do CT 2003, quer do NCT, verifica-se que o direito à formação tem uma forte dimensão de exercício colectivo, não podendo, pois, afirmar-se que a formação profissional é um direito do trabalhador individualmente considerado, sem a situar no contexto do colectivo do trabalho da empresa.

Assim, e com o propósito de compatibilizar os interesses da empresa em matéria de formação profissional com o aludido direito individual à formação profissional, o NCT prevê a possibilidade de antecipar ou diferir o plano de formação até 2 anos, sendo que o diferimento só é possível desde que o plano de formação o preveja.

Um aspecto importante alterado pelo NCT diz respeito ao regime de crédito de horas para formação contínua. O NCT esclarece, agora, que as 35 horas de formação anuais que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador. Assim se constata a derradeira importância que tem a compreensão exacta da data em que se considera vencido o direito à formação profissional.

O CT 2003 não estabelecia nenhuma regra que incitasse o trabalhador a gastar o crédito de horas à formação profissional acumulado, parecendo o interesse recair, em exclusivo, sobre o empregador que via os créditos acumularem-se na esfera jurídica do trabalhador sem qualquer limite temporal. O NCT inverte esta ideia e faz recair o ónus de gozar os créditos de horas de formação profissional sobre o trabalhador. O crédito de horas depende de iniciativa do trabalhador, que escolhe a respectiva área da formação e é responsável pelo pagamento da formação realizada ao abrigo do crédito de horas.

Neste contexto, o NCT prevê a possibilidade de ser instituído um subsídio (ou melhor, uma «ajuda de custo») para custear parte do crédito de horas utilizado. Atenção, porém, que esta “ajuda de custo” tem um limite, imposto pelo NCT, que não pode ser superior ao valor da retribuição do período do credito de horas utilizado.

Pergunta-se qual o motivo para se estabelecer este limite para uma ajuda de custo. Tanto mais que a mesma visa ajudar um custo que deveria ter sido do empregador e que não existiria não fora o incumprimento do mesmo.

Ainda com o intuito de incentivar o trabalhador a gastar os créditos à formação, o NCT prescreve que se o trabalhador não gozar os créditos à formação profissional no prazo de 3 anos, a contar da sua constituição, estes caducam, ou seja, o trabalhador deixa de ter direito aos mesmos.

Finalmente, o NCT esclarece que cessando o contrato de trabalho o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado «ou» ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação. Consideramos que expressão «ou» deveria ser substituída por «e», mas a verdade é que esta expressão não foi alterada na rectificação que foi feita ao Código do Trabalho, no passado mês de Março. Não nos parece que seja possível concluir que o legislador quis dizer o contrário daquilo que disse... «com todas as demais consequências legais» para o empregador e trabalhador.

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