Mútuo acordo no âmbito do novo regime de protecção no desemprego

Inês Arruda.

Dineiro & Management, 15/12/2006


No passado dia 3 de Novembro foi publicada a tão anunciada revisão do regime jurídico de protecção no desemprego. De entre as inovações nele previstas, destaca-se a tão temida - quer por parte dos trabalhadores quer por parte dos empregadores - revisão dos termos em que a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo dá origem às prestações de desemprego.

A falta de rigor da anterior legislação sobre as situações em que o mútuo acordo era qualificado como “desemprego involuntário” para efeitos de subsídio de desemprego, aliado à inexistência na legislação portuguesa do chamado “despedimento livre”, contribuiu, definitivamente, para a utilização abusiva deste regime.

É sabido que no âmbito de uma negociação para cessação do contrato, o acesso do trabalhador ao subsídio de desemprego é (quase) sempre condição essencial para o sucesso do acordo. As demais das vezes o mútuo acordo encobre um “despedimento negociado” com direito a prestações de desemprego!

Consciente do abuso, o novo diploma refere, expressamente, no preâmbulo, que não deve ser o sistema de protecção social a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas.

Define-se agora, com bastante rigor, as condições em que a cessação de contrato de trabalho por acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, garante o acesso ao trabalhador ao subsídio de desemprego.

Mantendo a possibilidade de as cessações de contrato de trabalho por acordo -fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou extinção de posto de trabalho - serem consideradas como despedimento involuntário, o novo diploma estabelece apertados limites para a sua utilização.

Assim, prevê que nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, apenas sejam consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores, inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio.

Nas empresas que empreguem mais do que 250 trabalhadores, serão consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores, inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com limite máximo de 80 trabalhadores, em cada triénio.

Estes limites são aferidos por referência aos últimos três anos e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério do mais favorável.

Assim, numa empresa que tenha 400 trabalhadores em Dezembro de 2006, são consideradas, até Novembro de 2009, as cessações de contrato de trabalho até 80 trabalhadores. Porém, se a empresa tiver 300 trabalhadores, são consideradas apenas, naquele triénio, as cessações de contratos de trabalho até 62 trabalhadores, pois este critério é mais favorável do que a aplicação dos 20% do quadro de pessoal.

Não foi estabelecida qualquer tipo de excepção para os casos em que a entidade patronal tenha, efectivamente, iniciado um processo de despedimento colectivo e as negociações ocorram no âmbito do mesmo. Assim, o empregador ver-se-á obrigado a levar até final o processo de despedimento colectivo - observando todas as burocracias inerentes e os prazos aí estabelecidos - sempre que o mesmo envolver um número superior aos limites previstos na nova legislação. Relembre-se, a este propósito, que grande parte dos processos de despedimento colectivo terminam por acordo entre a entidade patronal e os trabalhadores (a entidade patronal prefere pagar antecipadamente uma indemnização acima da legalmente prevista do que ter que suportar os custos inerentes a um processo de despedimento colectivo, normalmente associados à morosidade do mesmo).

O diploma obriga, ainda, o empregador a declarar ao trabalhador que não ultrapassou os limites acima descritos. Se tal declaração não corresponder à realidade o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.

Esta medida, vem, sem dúvida, tornar ainda mais rígido o sistema laboral português, até aqui suavizado por esta “brecha” deixada pelo sistema da Segurança Social, que, valha a verdade, tem vindo a suportar, heroicamente, o peso da inflexibilidade da lei laboral portuguesa. Aguardemos pelos resultados!

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