Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português

Fevereiro 2023


1. Concorrência

  • Tribunal da Relação de Lisboa reduz coima imposta Pela AdC à MEO em €14.000.000
  • TJUE decidiu o reenvio prejudicial em matéria de alegado abuso de posição dominante da Unilever
  • CE alarga as ferramentas de whistleblowing para denúncias em concentrações e auxílios de estado

+ Mais informação

2. Direito Digital

  • Transferências internacionais de dados pessoais
  • Encarregado de proteção de dados

+ Mais informação

3. Imobiliário e Urbanismo

  • Simplificação dos licenciamento ambientais
  • Atraso na entrega do locado e utilização imprudente do mesmo

+ Mais informação

4. Financeiro

  • Divulgação de Informação Relativa a Produtos Financeiros que Investem em Atividades Económicas Sustentáveis

+ Mais informação

5. Fiscal

  • Revisão e Fixação dos Valores das Taxas do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos
  • Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Novo Modelo da Declaração Modelo 3
  • Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Tabelas de Retenção na Fonte – Região Autónoma dos Açores
  • Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis – Alterações dos escalões  – Tabelas práticas
  • Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Cláusula Geral Anti-abuso – Prazo de Caducidade

+ Mais informação

6. Laboral

  • Retribuição mínima mensal garantida – Região Autónoma da Madeira – Atualização
  • Impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho – Caducidade
  • Contrato de trabalho e exercício de funções de gerência

+ Mais informação

7. Público

  • Simplificação de licenciamentos ambientais
  • Contratação Pública - Apresentação de documentos - Admissibilidade da proposta

+ Mais informação


 

1. Concorrência

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA REDUZ COIMA IMPOSTA PELA ADC À MEO EM €14.000.000

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de fevereiro de 2023 - (Processo 18/19.0YUSTR-N.L1-PICRS)

Em 3 de dezembro de 2020, a AdC adotou uma decisão na qual sancionou a NOWO e a MEO, pela alegada coordenação de preços e repartição de mercados de serviços de comunicações móveis e fixas. A investigação da AdC teve origem no pedido de clemência apresentado pela NOWO, razão pela qual esta empresa beneficiou de uma isenção completa da coima. A MEO foi sancionada com uma coima de €84.000.000.

Segundo a AdC, a NOWO tinha se comprometido a não disponibilizar serviços móveis fora dos locais onde oferecia serviços fixos, o que teve o alegado resultado de que a NOWO se tenha abstido de concorrer com a MEO nas zonas de Lisboa e do Porto. Ainda de acordo com a AdC, a NOWO estava obrigada a não praticar preços mais baixos do que aqueles praticados em relação a produtos semelhantes nesse mercado.

Face a esta decisão, a MEO interpôs recurso para o TCRS, alegando, entre outros, a nulidade da prova usada pela AdC, bem como da decisão sancionatória e, caso o Tribunal entendesse que tais nulidades não se encontrassem verificadas, a coima fixada seria, em todo o caso, desproporcional. Contudo, em sentença datada de 4 de julho de 2022, o TCRS julgou o recurso totalmente improcedente, mantendo na íntegra a coima aplicada.

A MEO interpôs recurso da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), arguindo novamente a nulidade da decisão da AdC e, em alternativa, pedindo a redução da coima de € 84.000.000. O TRL julgou o recurso parcialmente procedente, reduzindo a coima, tendo em conta a desproporcionalidade da mesma em função dos seguintes fatores:

  1. A duração da infração é inferior a um ano;
  2. A MEO não tinha quaisquer antecedentes contraordenacionais, no que concerne a violação de normas da concorrência;
  3. Não se quantificaram as vantagens das quais a MEO terá beneficiado resultantes da infração;
  4. Não se apuraram outros alegados efeitos do ilícito além da subida de preços da NOWO em 2018.

Nesta sequência, o TRL reduziu o valor da coima para € 70.000.000.

Por fim, o acórdão do TRL contou com um voto de vencido, o que significa que um dos juízes não acompanhou a decisão proferida. Na declaração de voto, o Juiz Desembargador em questão começou por explicar que cabe ao Juiz de Instrução Criminal ordenar a apreensão de correio eletrónico e que as diligências de apreensão que não cumpram este requisito são nulas. De seguida, o Juiz Desembargador argumentou que a redução de €14.000.000 é ainda insuficiente, acrescentando aos fatores de redução da coima considerados pelo Tribunal, o facto de:

  1. A conduta ter uma capacidade limitada para afetar a concorrência efetiva no mercado nacional;
  2. O valor da coima, conforme reduzido, de €70.000.000, continuar substancialmente elevado, quando comparado com a prática decisória nacional e da UE, em casos com circunstâncias semelhantes.

TJUE DECIDIU O REENVIO PREJUDICIAL EM MATÉRIA DE ALEGADO ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE DA UNILEVER

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19 de janeiro de 2023 - (Processo C-680/20)

Em 31 de outubro de 2017, a autoridade da concorrência italiana, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, adotou uma decisão na qual sancionou a Unilever com uma coima de € 60.668.580, pela infração prevista no artigo 102.º do TFUE, por abuso da posição dominante.

A Unilever é uma empresa que tem por atividade o fabrico e a comercialização de produtos de grande consumo, nomeadamente gelados. Em particular, em Itália, a Unilever terá, segundo as autoridades, posição dominante no mercado da distribuição de gelados em embalagens individuais que se destinam a ser consumidos no exterior, nomeadamente em bares, cafés e clubes desportivos.

Em 2013, a empresa La Bomba, também fornecedora de gelados, denunciou a Unilever e alegou que esta havia dissuadido os operadores de estabelecimentos balneares e bares de comercializarem gelados da La Bomba. A autoridade da concorrência italiana iniciou então uma investigação visando a Unilever, tendo apurado a existência de cláusulas de exclusividade, de condições de fidelização e outras políticas comerciais por parte da Unilever, como a atribuição de descontos e comissões, consoante o volume de vendas, com potencial restritivo da concorrência.

Nesta sequência, a Unilever apresentou estudos económicos que demonstrariam que a conduta da Unilever não excluía quaisquer concorrentes tão eficientes como a Unilever. Todavia, a autoridade da concorrência italiana decidiu não analisar tais estudos, por considerar que a conjugação da existência de posição dominante no mercado com cláusulas de exclusividade seria já fundamento suficiente para concluir pela existência de um abuso de posição dominante.

A Unilever interpôs recurso desta decisão, fundamentando, essencialmente, o recurso na falta de apreciação dos referidos estudos económica e no facto de a conduta em causa ter sido implementada, junto do ponto de venda, pelos os distribuidores grossistas contratados pela da Unilever e não pelo próprio fornecedor.

Nesta sequência, o órgão jurisdicional nacional questionou o TJUE sobre: (i) os critérios para determinar se existe uma única entidade económica quando existe coordenação contratual entre operadores formalmente independentes; e (ii) a necessidade de verificar se as cláusulas de exclusividade têm como efeito excluir do mercado concorrentes igualmente eficazes, apreciando análises económicas apresentadas para efeitos de determinar a existência de um abuso de posição dominante.

O TJUE manifestou, quanto a cada uma destas questões, o seguinte entendimento e (i) os comportamentos dos distribuidores podem ser imputados ao fabricante / fornecedor ao qual possa ser atribuída uma posição dominante caso se demonstre que os comportamentos não foram adotados de maneira independente por partes destes, mas fazem parte de uma política decidida unilateralmente pelo fabricante/fornecedor, limitando-se os distribuidores a atuar como intermediários na execução desta política, que, no caso, era de imposição de cláusulas de exclusividade; e (ii) as autoridades deveriam determinar  a capacidade de exclusão das cláusulas de exclusividade, no que concerne, em particular, a exclusão do mercado os concorrentes que fossem tão eficientes como a empresa visada pela investigação, à luz de todas as circunstâncias pertinentes, nomeadamente através da análise dos estudos económicos apresentados.

CE ALARGA AS FERRAMENTAS DE WHISTLEBLOWING PARA DENÚNCIAS EM CONCENTRAÇÕES E AUXÍLIOS DE ESTADO

Comunicado da Comissão Europeia de 9 de janeiro de 2023

Em 2017 a CE disponibilizou uma plataforma de Whistleblowing, onde qualquer pessoa singular ou empresa que considerasse ter informação relevante sobre uma prática restritiva da concorrência, poderia denunciá-la ou comunicá-la à CE.

Com este mecanismo, a CE procura assegurar o anonimato do denunciante e a confidencialidade da informação prestada, com o intuito de incentivar tais denúncias. Com este propósito, a CE procura obter a aprovação dos denunciantes antes de usar a informação prestada por eles como prova, tanto na nota de ilicitude (i.e. a acusação) como na decisão, pedindo aos denunciantes para confirmar, retificar e assinar as transcrições relativas à denúncia, quando estas existem.

Segundo a CE, foram submetidas cerca de 100 mensagens por ano através desta plataforma de Whistleblowing, em média, considerando ainda que a qualidade do conteúdo das mensagens terá melhorado, o que poderá ter como causa a crescente consciencialização e literacia jusconcorrencial.

Até então, este canal de denúncia servia para denunciar apenas práticas restritivas, tais como fixações de preços, acordos de repartição de mercados e concertações de propostas em concursos públicos.

Contudo, em janeiro de 2023, a CE anunciou que esta ferramenta será estendida para a denúncia em temas de concentrações e auxílios de estado.

Assim, a CE procura obter, através desta plataforma de Whistleblowing, ajuda para identificar infrações de Gun-Jumping e atribuições indevidas de auxílios de estado, visto que a plataforma passará a receber reportes de informações relativas a qualquer prática anticoncorrencial.

 ^ índice

2. Direito Digital

TRANSFERÊNCIAS INTERNACIONAIS DE DADOS PESSOAIS

Orientações do Comité Europeu para a Proteção de Dados sobre a interação entre o artigo 3.º e o capítulo V do RGPD, de 14 de fevereiro de 2023

O Comité Europeu para a Proteção de Dados (o “CEPD”) adotou, no dia 14 de fevereiro de 2023, as Orientações 05/2021, sobre a interação entre o artigo 3.º e o capítulo V do RGPD (“Orientações”).

Com o objetivo de ajudar os responsáveis pelo tratamento e os subcontratantes na União Europeia (“UE”) a identificar se determinada operação de tratamento configura uma transferência internacional, assim como de uniformizar o conceito de “transferências internacionais”, as Orientações clarificam a interação entre o âmbito de aplicação territorial do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (o “RGPD”), previsto no artigo 3.º, e as disposições relativas às transferências internacionais constantes do capítulo V (artigos 44.º a 50.º).

O referido capítulo V regula as transferências de dados pessoais para países terceiros ou organizações internacionais, assegurando um elevado nível de proteção dos dados pessoais. No entanto, o RGPD não define o conceito legal de “transferência de dados pessoais para países terceiros ou organizações internacionais”, o que contribui para a existência de um determinado grau de incerteza quanto ao escopo de aplicação das obrigações que decorrem deste regime jurídico.

Neste sentido, as Orientações estabelecem três requisitos cumulativos para a qualificação de um tratamento como “transferência”, exigindo que: (i) o exportador dos dados, que poderá ser um responsável pelo tratamento ou um subcontratante, esteja sujeito ao RGPD relativamente ao tratamento em causa; (ii) o exportador transmita ou divulgue os dados pessoais ao importador, que poderá igualmente ser um responsável pelo tratamento, de um subcontratante, responsável conjunto pelo tratamento ou subcontratante; e que (iii) o importador esteja localizado num país terceiro, independentemente do tratamento em causa já estar sujeito ao RGPD ao abrigo do artigo 3.º, ou de se tratar de organização internacional.

Por conseguinte, é importante sublinhar que os exportadores de dados que não estejam estabelecidos dentro da UE também poderão estar sujeitos ao RGPD, sempre que a sua atividade for abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.º do RGPD (por exemplo, quando a atividade de tratamento esteja relacionada com a oferta de bens ou serviços a esses titulares de dados na UE). De notar, contudo, que o CEPD considera que a recolha de dados diretamente junto dos titulares de dados na UE, por sua própria iniciativa, não constitui uma “transferência”. As Orientações pretendem ainda assegurar que o nível de proteção das pessoas singulares garantido pelo RGPD não é prejudicado quando os dados pessoais deixam de ser tratados no âmbito do quadro legislativo do Espaço Económico Europeu (“EEE”). A este respeito, o CEPD reforça o entendimento de que a análise para determinar se o RGPD é aplicável deverá sempre basear-se na atividade de tratamento determinada, e não na entidade/empresa em causa.

Finalmente, as Orientações sublinham a importância do cumprimento do RGPD nas hipóteses em que, mesmo não se estando perante uma “transferência” ao abrigo do capítulo V, se aplique o RGPD por força do disposto no artigo 3.º. De modo ilustrativo, o CEPD descreve a hipótese em que um trabalhador de uma empresa polaca viaje para um país terceiro e aceda a dados pessoais de forma remota, através do seu computador, para fins profissionais. Neste caso, não estamos perante uma transferência nos termos e para os efeitos do capítulo V, uma vez que este trabalhador não é considerado um responsável pelo tratamento mas sim um trabalhador da empresa, baseada na Polónia, que atua enquanto responsável pelo tratamento daqueles dados – neste caso, a transmissão dos dados é efetuada dentro da mesma entidade e não entre entidades distintas. Por esse motivo, aplicar-se-á o RGPD mas já não o capítulo V. Diferentemente, se este trabalhador, enquanto tal, disponibilizasse esses dados a outra entidade (independentemente de esta ser um responsável pelo tratamento ou um subcontratante), esta atividade seria qualificada como uma “transferência internacional” entre a entidade empregadora e a entidade destinatária desses dados, passando a estar sujeita aos requisitos estabelecidos no capítulo V do RGPD.

ENCARREGADO DE PROTEÇÃO DE DADOS

Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 9 de fevereiro de 2023 (Processo C-453/21)

No caso subjacente ao presente acórdão, o Encarregado de Proteção de Dados (“EPD”) da empresa X-FAB Dresden GmbH & Co. KG (“X-FAB”), trabalhador da mesma desde 1993, exercia funções de presidente da comissão de trabalhadores nessa sociedade, e a função de vice-presidente da comissão central de trabalhadores de três sociedades do grupo a que pertence a X-FAB. Em 2015 o mesmo trabalhador foi também designado, separadamente por cada uma destas entidades, EPD (i) da X-FAB; (ii) da sociedade-mãe do grupo societário a que pertence a X-FAB; bem como (iii) das filiais desta última sediadas na Alemanha. Posteriormente, em 2017 e 2018, todas estas entidades destituíram o trabalhador das suas funções de EPD, com efeitos imediatos. Para o efeito, invocavam o risco de conflito de interesses entre a posição de EPD e as restantes funções que desempenhava. O trabalhador, por seu turno, pretende manter o estatuto de EPD na X-FAB.

Neste seguimento, tanto o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso julgaram procedente a ação, o que despoletou o recurso da empresa para o Supremo Tribunal do Trabalho Federal da Alemanha (o “STTFA”). Este último tribunal, por sua vez, submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (o “TJUE”) determinadas questões prejudiciais, com o intuito de esclarecer o âmbito de aplicação do artigo 38.º do Regulamento Geral de Proteção de Dados (o “RGPD”) e a sua conjugação com as disposições de direito nacional sobre esta matéria, em concreto: (i) a questão de saber se o artigo 38.º, n.º 3, segunda parte, se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que prevê que um EPD que é um trabalhador da empesa, só possa ser destituído por um motivo grave, mesmo que a destituição não esteja relacionada com o exercício das funções desse EPD; e (ii) em que condições pode ser constatada a existência de um conflito de interesses, na aceção do artigo 38.º, n.º 6 do RGPD.

Na decisão proferida em 9 de fevereiro de 2023, o TJUE começa por esclarecer que quanto ao n.º 3 do artigo 38.º do RGPD (i) o EPD deve ser protegido de toda e qualquer decisão pela qual seja destituído, da qual resulte uma desvantagem ou que constitua uma sanção; (ii) esta disposição visa ser aplicada às relações entre um EPD e um responsável pelo tratamento ou um subcontratante, independentemente da natureza da relação laboral subjacente; e que (iii) o objetivo é o de proibir a destituição de um EPD por uma causa que corresponda ao exercício das suas funções, descritas detalhadamente no artigo 39.º, n.º 1, do RGPD. Assim, o TJUE esclarece, quanto a esta questão, que a consagração deste artigo encontra justificação na preservação da independência funcional do EPD, embora ressalvando as hipóteses em que o EPD deixe de reunir as qualidades profissionais que lhe são exigidas. Neste sentido, o TJUE conclui que, qualquer legislação nacional que impeça a destituição do EPD num caso em que este já não reúna as condições para desempenhar as suas funções, compromete a realização do objetivo para o qual a figura do EPD foi instituída. Por outras palavras, cada Estado-Membro pode prever disposições específicas mais protetoras em matéria de destituição do EPD, desde que essa proteção acrescida não comprometa a realização específica dos objetivos do RGPD, o que sucederia caso não fosse permitido destituir um EPD que já não tivesse as qualidades profissionais exigidas para exercer as suas funções em conformidade.

Relativamente ao n.º 6 do artigo 38.º do RGPD, o TJUE sublinha, em primeiro lugar, que o RGPD não estabelece uma incompatibilidade de princípio entre o exercício de funções de EPD e o exercício de outras funções junto do responsável pelo tratamento ou do subcontratante. Acrescenta o TJUE que, o que não deverá ser permitido, é que seja confiada ao EPD a execução de outras funções que prejudiquem ou possam prejudicar o exercício daquelas que desempenha enquanto EPD. Ademais, não podem ser confiadas a um EPD funções que o levem a determinar as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais junto do responsável pelo tratamento ou do seu subcontratante, uma vez que o controlo destes elementos deve ser efetuado com independência. Assim, o TJUE conclui que a apreciação da existência de um conflito de interesses é casuística e se afere com base numa apreciação das circunstâncias pertinentes, nomeadamente “da estrutura organizacional do responsável pelo tratamento e à luz de toda a regulamentação aplicável, incluindo as eventuais políticas destes últimos.”.

^ índice

3. Imobiliário e Urbanismo

SIMPLIFICAÇÃO DOS LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro (DR 30, Série I, de 10 de janeiro de 2023)

O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro(“DL 11/2023”), tem como objetivo a simplificação dos licenciamentos ambientais no quadro do SIMPLEX, visando reforçar a competitividade de Portugal e a sua atratividade para o investimento nacional e estrangeiro, bem como acelerar a concretização das transformações necessárias num contexto de crise energética.

Entre outras alterações, o DL 11/2023 aprova um conjunto significativo de alterações em matéria de Avaliação de Impacte Ambiental (“AIA”) nomeadamente:

  1. Redução dos projetos que devem ser sujeitos a procedimentos de AIA;
  2. Criação do procedimento de análise ambiental de corredores;
  3. Clarificação do conteúdo da Declaração de Impacte Ambiental (“DIA”) favorável condicionada e da decisão de conformidade ambiental do projeto de execução (“DECAPE”);
  4. Eliminação de procedimentos adicionais após obtenção de DIA favorável ou favorável condicionada; e
  5. Aumento do prazo de emissão da DIA.

Para um conhecimento mais aprofundado da presente matéria sugerimos que consulte a próxima edição da revista da Actualidad Jurídica da Uría Menéndez Proença de Carvalho.

ATRASO NA ENTREGA DO LOCADO E UTILIZAÇÃO IMPRUDENTE DO MESMO

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de fevereiro de 2023 (Processo 525/21.4T8PRG.G1)

No acórdão em questão, o Tribunal da Relação de Guimarães (“TRG”) foi chamado a pronunciar-se, entre outras questões, sobre se (i) o contrato de arrendamento tinha sido modificado por uma alteração anormal das circunstâncias, (ii) se era devida indemnização pelo atraso na restituição do locado e (iii) se deveriam ser condenados os réus, enquanto arrendatários e avalistas, pelas deteriorações do imóvel à data da entrega do locado.

A questão em juízo convocava a análise de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais no qual ficou provado que os réus não restituíram o locado (i) na data em que cessou o contrato de arrendamento e (ii) no estado em que o locado se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento, tendo, complementarmente, os réus alegado que o contrato tinha sido modificado por alteração anormal das circunstâncias por força da pandemia COVID-19 e da obrigação de encerramento forçado do local arrendado.

Quanto à questão da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, importa, num momento anterior, clarificar que a mesma tinha sido requerida pelos réus, por força da pandemia COVID-19 que obrigou à suspensão da sua atividade, e no contexto da falta de pagamento das rendas relativas ao meses de fevereiro, março e abril de 2021. A este respeito, o TRG aderiu ao argumento da 1.ª instância tendo concluído que (i) a modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias apenas pode ser invocada se o contrato se mantiver em vigor (o que não ocorreu no caso em apreço, que foi denunciado a 9 de fevereiro de 2021, com efeitos a 30 de abril de 2021) e (ii) que o regime especial aprovado no contexto da pandemia afastou o regime geral previsto no artigo 437.º do CC, impedindo a resolução ou a modificação dos contratos em virtude da pandemia – considerada em si uma situação de alteração anormal das circunstâncias.

O TRG concluiu que a entrega do locado tinha prazo certo, o qual se deveria considerar como a data na qual a cessação do mesmo produziria efeitos - que, como referido acima, seria o dia 30 de abril de 2021. Nestes termos, e tendo ficado provado que a entrega do locado apenas ocorreu no dia 25 de maio de 2021 sem que tenha sido para tal concedida uma autorização do autor, enquanto senhorio, foram os réus condenados ao pagamento da quantia de € 5.111,44 nos termos previstos do artigo 1045.º, n.º 1 do Código Civil.

Por último, e debruçando-se o TRG sobre a questão do pagamento de uma indemnização pelo uso indevido do locado, veio este último decidir em sentido contrário à 1.ª instância tendo considerado que os danos e deteriorações existente à data da entrega do locado não poderiam ser considerados como decorrentes de um uso normal e prudente do imóvel. Concluiu o TRG que a existência de objetos partidos, ausências de rodapés ou de fios soltos nas instalações elétricas (entre outros) na data de restituição do locado, deveriam qualificar-se como danos decorrentes da falta de cuidado no seu manuseamento, ou da sua reparação atempada por parte do respetivo utilizador. Como tal, e não tendo os réus ilidido a presunção de culpa contratual relativamente à verificação dos danos, o TRG considerou serem devidos danos de reparação no valor de € 13.939,00.

^ índice

4. Financeiro

DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO RELATIVA A PRODUTOS FINANCEIROS QUE INVESTEM EM ATIVIDADES ECONÓMICAS SUSTENTÁVEIS

Regulamento Delegado (UE) 2023/363 de 31 de outubro de 2022 (JOUE L 50, de 17 de fevereiro de 2023)

O Regulamento Delegado (UE) n.º 2023/363 de 31 de outubro (“Regulamento 2023/363”) altera e retifica as normas técnicas de regulamentação anteriormente estabelecidas no Regulamento Delegado (UE) 2022/1288 da Comissão (“Regulamento 2022/1288”) relativamente ao conteúdo e apresentação de informação sobre produtos financeiros que investem em atividades económicas sustentáveis do ponto de vista ambiental em documentos pré-contratuais e relatórios periódicos, a par do Regulamento (UE) 2019/2088, que já versava sobre divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros.

O Regulamento 2022/1288 estabeleceu aspetos pormenorizados do modo como esta informação deve ser divulgada no que diz respeito ao princípio de “não prejudicar significativamente”. Especifica igualmente o teor, metodologias e apresentação de informação relacionada com indicadores de sustentabilidade, impactos negativos para a sustentabilidade, informações relacionadas com a promoção de características ambientais ou sociais e com objetivos de investimento sustentável a divulgar nos documentos pré-contratuais, nos sítios Web e nos relatórios periódicos.

Complementarmente com o Regulamento Delegado (UE) 2022/1214 da Comissão, adotado a 9 de março de 2022, que incide nos setores do gás fóssil e energia nuclear, o Regulamento 2023/363 introduz, pois, um conjunto de alterações ao Regulamento 2022/1288, propostas pelas Autoridades Europeias de Supervisão, a respeito das informações supra mencionadas e de informações sobre a exposição dos produtos financeiros a investimentos em atividades relacionadas com o gás fóssil e a energia.

Estas alterações são essenciais para os intervenientes nos mercados financeiros e os investidores identificarem atividades relacionadas com o gás fóssil e a energia nuclear, que sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental. O novo modelo de divulgação destas informações introduzido pelo Regulamento 2023/363 visa, portanto, intensificar a transparência e a comparabilidade de informações disponibilizadas aos investidores. Nesse sentido, podem ser encontrados diversos novos modelos de divulgação pré-contratual para produtos financeiros anexos ao Regulamento 2023/363.

^ índice

5. Fiscal

REVISÃO E FIXAÇÃO DOS VALORES DAS TAXAS DO IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS E ENERGÉTICOS

Portaria n.º 38-C/2023, de 03 de fevereiro (DR 25, Série I, de 3 de fevereiro de 2023)

A referida Portaria procede, designadamente, à revisão e fixação dos valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos aplicáveis, no continente, à gasolina sem chumbo e ao gasóleo rodoviário.

IRS – NOVO MODELO DE DECLARAÇÃO MODELO 3

Portaria n.º 47/2023, de 15 de fevereiro (DR 33, Série I, de 15 de fevereiro de 2023)

A mencionada portaria aprova os modelos de impressos da Declaração Modelo 3 de IRS e respetivas instruções de preenchimento.

IRS – TABELAS DE RETENÇÃO NA FONTE – REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

Despacho n.º 1899-A/2023, de 7 de fevereiro (DR 27, Série II, 1.º Suplemento, de 7 de fevereiro de 2023)

O Despacho em referência aprova as tabelas de retenção na fonte sobre rendimentos do trabalho dependente e pensões auferidas por titulares residentes na Região Autónoma dos Açores para vigorarem durante o primeiro semestre do ano de 2023.

IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE AS TRANSMISSÕES ONEROSAS DE IMÓVEIS – ALTERAÇÕES AOS ESCALÕES - TABELAS PRÁTICAS

Ofício n.º 40120 de 16 de fevereiro de 2023

O Ofício da AT em referência vem, na sequência das alterações aos escalões do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) introduzidas pela Lei  do Orçamento do Estado para 2023, comunicar as tabelas práticas de cálculo do IMT a vigorar no Continente e nas Regiões Autónomas a partir de 1 de janeiro de 2023.

IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES – CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO - PRAZO DE CADUCIDADE

Decisão arbitral de 8 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 44/2022-T) Centro de Arbitragem Administrativa

No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes sustentaram a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) contestados invocando, em primeiro lugar, a caducidade do direito à liquidação e, em segundo lugar, a não verificação dos pressupostos da aplicação da cláusula geral anti-abuso.

Num primeiro momento, o Tribunal procedeu à identificação do facto tributário determinante para efeitos da contagem do termo inicial da aplicação da cláusula geral anti-abuso, concluindo que “(...) corresponde a cada um dos atos «finais» por via dos quais se consuma a obtenção das vantagens fiscais que não seriam devidas não fosse a utilização da «estrutura ou esquema elisivo»  na medida em que considerou que as “step by step transactions”,  como a operação em análise naqueles autos, configuram um “facto complexo de formação sucessiva que abrange todo o conjunto de atos que alegadamente foram praticados pelos Requerentes, ainda que em momentos temporais distintos e distantes, com o fim último de obtenção de vantagens fiscais”.  Assim, decidiu o Tribunal Arbitral que “o facto relevante para a contagem do prazo de caducidade corresponde a cada um dos pagamentos feitos por conta do reembolso do mencionado crédito e que concretizam a obtenção da vantagem fiscal”.

Em suma, decidiu o Tribunal que na aplicação da cláusula geral anti-abuso, as “step by step transactions” devem ser consideradas como uma única conduta, que se completa com a obtenção do ganho fiscal visado, pelo que é esse o termo inicial do prazo de caducidade do direito à liquidação.

O Tribunal concluiu ainda pela aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT a uma operação, como a que foi objeto de análise, de “(...) venda de ações de uma sociedade a uma outra sociedade que integra o mesmo grupo, e que são ambas maioritariamente detidas pelo alienante, que é desprovida de substância económica e que serviu para a formação de uma dívida por conta da qual foram feitos pagamentos ao invés de distribuições de dividendos diretamente aos sócios”, tendo julgado improcedente o pedido arbitral apresentado.

^ índice

6. Laboral

RETRIBUIÇÃO MÍNIMA MENSAL GARANTIDA – REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA – ATUALIZAÇÃO

Decreto Legislativo Regional n.º 11/2023/M, de 14 de fevereiro (DR 32, Série I, de 14 de fevereiro de 2023)

Com efeitos a 1 de janeiro de 2023, o presente Decreto Legislativo Regional procede à atualização da retribuição mínima mensal garantida na Região Autónoma da Madeira, aumentando-a de € 723 para € 785.

CADUCIDADE DE CONTRATO DE TRABALHO – IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA E DEFINITIVA – NULIDADE

Acórdão de 1 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 26441/21.1T8LSB.L1-4) – TRL

No processo em apreço, a trabalhadora (Autora) peticionava, entre outros, o reconhecimentoda nulidade da caducidade do seu contrato de trabalho feita operar pela empregadora (Ré) e, consequentemente, a ilicitude do despedimento a que fora sujeita.

Desde 2016, e por determinação de atestado médico, a Autora tinha deixado de poder realizar a essencialidade das suas funções de Auxiliar de Serviços Gerais. Nesse contexto, em 2021, a Ré fez cessar o contrato de trabalho da Autora, invocando que, por motivos de doença natural, a Autora teria ficado impossibilitada, de forma superveniente, definitiva e absoluta, de prestar a sua atividade profissional, o que constitui causa de caducidade do contrato nos termos do artigo 343.º, al. b), do Código do Trabalho. A entidade empregadora alegava, ainda, a inexistência de outro posto de trabalho compatível com o estado de saúde da trabalhadora.

A sentença de primeira instância julgou a ação improcedente quanto aos pedidos aqui em análise, tendo em conta que, devido ao estado de saúde da Autora, as tarefas que esta poderia realizar não ocupariam substancialmente oito horas de trabalho diário. Por outro lado, não tendo a incapacidade da Autora resultado de acidente de trabalho, mas de causa natural, a Ré não estava obrigada a assegurar a ocupação de funções e condições de trabalho compatíveis com o seu estado de saúde.

Interposto recurso de apelação pela Autora, o TRL veio confirmar a situação de impossibilidade superveniente e definitiva da trabalhadora, tendo, no entanto, afastado o respetivo carácter absoluto, afirmando que se trataria apenas de uma situação de incapacidade relativa de prestar trabalho. Para tal, refere que a Ré não logrou provar que a Autora tivesse incumprido as suas funções e o dever de prestar trabalho; já quanto à ocupação do horário de trabalho, o TRL concluiu que não só não se encontrava determinado o tempo necessário para a realização das tarefas da Autora, como também não poderia a Ré invocar a externalização de serviços de limpeza como forma de esvaziar as funções da Autora, tendo em conta que essa externalização apenas tinha ocorrido em 2018 e o estado de saúde da Autora já se verificava desde 2016.

Nesta esteira, o TRL concluiu pela procedência parcial do Recurso, revogando a sentença da primeira instância, e determinando a nulidade da caducidade do contrato e a ilicitude do despedimento da Autora.

CONTRATO DE TRABALHO E FUNÇÕES DE GERÊNCIA CADUCIDADE DO VÍNCULO LABORAL

Acórdão de 27 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 2529/21.8T8MTS.P1) – TRP

No caso sob análise, o trabalhador (Autor) e a entidade empregadora (Ré – sociedade por quotas) celebraram um contrato de trabalho a 1 de fevereiro de 1988. Em dezembro de 2003, o Autor adquiriu uma quota no capital social da Ré, tendo sido nomeado, na mesma data, gerente remunerado desta. Em virtude deste cargo, o Autor deixou de prestar as funções que vinha desempenhando.

Em setembro de 2019, por motivo de doença, o Autor apresentou baixa médica para o trabalho. Dois meses mais tarde, renunciou à gerência da Ré e cedeu as quotas que detinha sobre a mesma. Nessa sequência, em dezembro, o Autor interpelou a Ré para pagamento dos créditos laborais vencidos e não pagos, ao que esta respondeu constatando, simplesmente, que o vínculo laboral já havia cessado e que inexistiam quaisquer dívidas pendentes.

Nesta senda, o Autor veio sustentar judicialmente, em suma, que:

  1. manteve o estatuto de trabalhador da Ré, uma vez que o Contrato de Trabalho se suspendeu até à data em que renunciou à gerência, em linha com o disposto no artigo 398.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) – que determina a suspensão dos contratos de trabalho dos administradores das sociedades anónimas durante o mandato –, que no seu entender é aplicável analogicamente às sociedades por quotas;
  2. a partir da renúncia à gerência, o contrato de trabalho retomou a sua normal execução, embora tenha ficado novamente suspenso em virtude da baixa médica; e que
  3. foi ilicitamente despedido, por efeito da comunicação da Ré que invocava a inexistência de contrato de trabalho.

A sentença julgou a ação totalmente improcedente, tendo o TRP confirmado a decisão (ainda que fundamentados não totalmente coincidentes).

Na sua análise, o TRP debruçou-se sobre a compatibilidade de funções de trabalhador e gerente nas sociedades por quotas, tendo concluído pela não aplicação analógica do artigo 398.º do CSC a este tipo de sociedades comerciais por considerar que, nestas, a realidade prática permite a cumulação de funções de trabalhador e sócio-gerente, desde que seja possível demonstrar indícios relevantes de subordinação jurídica, o que não provou no caso.

Com efeito, provou-se que o Autor dava ordens, instruções e orientações aos trabalhadores, processava os salários, marcava as férias dos trabalhadores, contactava entidades terceiras e celebrava acordos em representação da Ré. Por conseguinte, o TRP concluiu que o Autor passou efetivamente a exercer as funções de gerente, tornando impossível a compatibilização dessas funções com as de trabalhador, por confusão, nos termos do artigo 868.º do Código Civil, o que determinou a caducidade do vínculo laboral.

 ^ índice

7. Público

SIMPLIFICAÇÃO DE LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro (DR 30, Série I, de 10 de Fevereiro de 2023)

O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro(“Decreto-Lei 11/2023”), tem como objetivo a simplificação dos licenciamentos ambientais no quadro do SIMPLEX, visando reforçar a competitividade de Portugal e a sua atratividade para o investimento nacional e estrangeiro, bem como acelerar a concretização das transformações necessárias num contexto de crise energética.

Destacamos, de seguida e de forma resumida, as principais medidas e alterações que resultam deste diploma:

  1. Eliminação da necessidade de renovação da licença ambiental e a dispensa da licença ambiental para instalações do setor químico sem escala industrial;
  2. Substituição da licença de resíduos por um parecer vinculativo no âmbito do Sistema da Indústria Responsável (SIR);
  3. Revisão do regime de transmissão de títulos de recursos hídricos e simplificação do respetivo regime, distinguindo-se entre casos de transmissão por comunicação prévia e casos de transmissão através de autorização da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.;
  4. Simplificação do regime jurídico relativo à utilização de recursos hídricos, prevendo-se, designadamente, a emissão de um título único quando sejam apresentados vários pedidos de atribuição de autorização e/ou licença para utilização de recursos hídricos;
  5. Simplificação do regime jurídico de produção de água para reutilização com a consagração de um regime de comunicação prévia com prazo.
  6. Criação do Reporte Ambiental Único;
  7. Implementação de medidas de caráter transversal para a atividade administrativa, com especial destaque para a redução, em geral, de prazos procedimentais e a criação de um mecanismo de certificação de deferimentos tácitos e de comunicação prévia com prazo sem pronúncia da entidade competente, entre outras medidas.

O Decreto-Lei 11/2023 entrou em vigor, em geral, a 1 de março de 2023, exceto no que se refere às seguintes alterações que apenas entrarão em vigor em 1 de janeiro de 2024:

  1. Implementação do Reporte Ambiental Único; e
  2. Instituição do mecanismo de certificação de deferimentos tácitos e de comunicação prévia com prazo sem pronúncia da entidade competente, criado pelo aditamento do artigo 28.º-B ao Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, na sua versão atual.

As alterações estabelecidas pelo Decreto-Lei 11/2023 aplicam-se a procedimentos administrativos em curso.

Para um conhecimento mais aprofundado da presente matéria sugerimos que consulte o próximo número (61) da revista da Actualidad Jurídica da Uría Menéndez-Proença de Carvalho.

CONTRATAÇÃO PÚBLICA - APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS - ADMISSIBILIDADE DA PROPOSTA

Acórdão de 9 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 025/21.2BEPRT) - Supremo Tribunal Administrativo,

O acórdão em apreço versa sobre uma ação de contencioso pré-contratual de impugnação do ato de exclusão de uma proposta num âmbito de um concurso público para a aquisição de serviços, interposta por uma concorrente (“Autora”) contra a Fundação do Desporto (“Entidade Demandada”).

Na presente ação, a Autora peticionou o seguinte: (i) a anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a adjudicação da proposta da contrainteressada; (ii) a condenação da Entidade Demandada a aprovar novo programa de procedimento e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento do concurso público; e, por último, (iii) a fixação de um prazo de 20 dias para o cumprimento das referidas determinações.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (“TAF de Leiria”) julgou a ação improcedente e absolveu a Entidade Demandada do pedido. Na sequência desta decisão, a Autora e a contrainteressada interpuseram ambas recurso da sentença do TAF de Leiria, que negou provimento aos recursos apresentados. Inconformada com a decisão, a contrainteressada interpôs recurso jurisdicional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”).

Neste contexto, o STA decidiu sobre a questão de saber se um concorrente, no âmbito de um concurso público, apresenta um terceiro (empresa auxiliar) a cujas capacidades técnicas pretende recorrer para a execução de parte do serviço, está ou não obrigado a apresentar, juntamente com a proposta, os documentos de habilitação desse subcontratado e a respetiva declaração de compromisso do subcontratado que se vincula à execução daquela parte do serviço.

Na fundamentação do acórdão em apreço, o STA veio relembrar a decisão proferida por aquele tribunal, em 18 de Novembro de 2021, no âmbito do Processo n.º 0452/20.2BEALM, na qual decidiu que a entidade adjudicante não pode exigir requisitos que não constam da lei – mormente, do Código dos Contratos Públicos (“CCP”) –, nem do programa de concurso. Nos termos daquela decisão, se nada resultar em contrário do programa de concurso, quer a habilitação do subcontratado, quer a declaração de compromisso face à execução da prestação, apenas podem ser exigidos após a adjudicação, nos termos do n.º 2, do artigo 2.º da Portaria n.º 327/2017 e das alíneas a) e c), do n.º 2, do artigo 77.º e dos artigos 81.º, 92.º e 93.º do CCP.

Não obstante, o STA veio ressalvar que o artigo 63.º da Diretiva 2014/24 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 (“Diretiva”) parece impor uma regra diferente, na medida em que considera que o recurso por parte do operador económico às capacidades técnicas de outra entidade, independentemente do procedimento em causa, impõe àquele que prove junto da entidade adjudicante de que irá dispor dos recursos necessários para o efeito.

Adicionalmente, o STA destacou o acórdão RAD do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), de 3 de junho de 2021, exarado no processo C-210/20, que, convocando o princípio da proporcionalidade, destaca que a apresentação dos elementos respeitantes aos subcontratados conjuntamente com a proposta inicial consubstancia um afloramento dos princípios de igualdade de tratamento e da transparência, essenciais à correta operacionalidade da concorrência na avaliação das propostas.

Perante as dúvidas de conformidade entre o direito nacional e o direito comunitário, o STA decidiu suspender a instância e formular a seguinte questão prejudicial ao TJUE: “[é] conforme com o direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.º da Diretiva 2014/24/EU, a solução do direito nacional segundo a qual, nos procedimentos de concurso público em que haja recurso às capacidades de outras entidades para executar a prestação, quer os documentos de habilitação do subcontratado, quer a apresentação de uma declaração de compromisso deste, apenas têm de ser exigidas após a adjudicação?”.

Neste sentido, o TJUE veio esclarecer que o artigo 63.º da Diretiva, quando lido em conjugação com o artigo 59.º e o considerando 84 da Diretiva, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um operador económico que pretenda recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público apenas deve transmitir os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso desta última após a adjudicação do contrato em causa.

Deste modo, o STA decidiu que a alínea a), do n.º 2 do artigo 70.º do CCP tem de ser interpretado em conformidade com o artigo 63.º da Diretiva e que, nesse sentido, é de excluir uma proposta em que o operador económico pretende recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público e não apresenta, conjuntamente com a proposta, os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso da mesma.

Pelo exposto, o STA decidiu negar provimento ao recurso e manter o acórdão recorrido.

^ índice

ABREVIATURAS

CONTACTOS