Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português

Março 2023


1. Concorrência

  • Controlo ex post de operações de concentração que não preenchem os limiares de notificação com fundamento em abuso de posição dominante;
  • Tribunal constitucional pronuncia-se quanto à validade da apreensão de correio eletrónico em sede de procedimento contraordenacional por infração do Direito da Concorrência.

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2. Direito Digital

  • Notificações de Violações de Dados Pessoais
  • Tratamento de Dados Pessoais no Contexto Laboral
  • Alterações ao Valor das Coimas e aos Requisitos da Informação Pré-Contratual nas Relações com Consumidores

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3. Financeiro

  • Alterações aos Requisitos das Políticas de Investimento e Funcionamento dos ELTIF
  • Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica - Instrumentos de Pagamento Abrangidos pela Exclusão da Rede Restrita
  • Apoios Extraordinários de Apoio às Famílias para Pagamento da Renda e da Prestação de Contratos de Crédito

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4. Fiscal

  • Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – Retenção Na Fonte sobre Dividendos Distribuídos a uma Entidade Não Residente - Desconformidade com o Direito da União Europeia
  • Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - Cláusula Geral Anti Abuso - Aplicação da Lei no Tempo

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5. Laboral

  • Transmissão de Estabelecimento – Inexistência – Serviços de Segurança Privada
  • Direito a Férias – Dias Úteis vs. Dias de Trabalho – Lay-Off

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6. Público

  • Regime Excecional e Temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos – categorias de contratos públicos de aquisição de serviços;
  • Fundos Europeus – Regime Geral de Aplicação;
  • Alteração aos Regimes Jurídicos de Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais e da Constituição e Funcionamento das Sociedades de Profissionais que estejam sujeitas a Associações Públicas Profissionais;
  • Alteração ao Mecanismo Excecional e Temporário de Ajuste dos Custos de Produção de Energia Elétrica no Mercado Ibérico de Eletricidade;
  • Taxa de Ocupação do Subsolo – Impugnação de Ato de Repercussão – Norma Imediatamente Eficaz.

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1. Concorrência

CONTROLO EX POST DE OPERAÇÕES DE CONCENTRAÇÃO QUE NÃO PREENCHEM OS LIMIARES DE NOTIFICAÇÃO COM FUNDAMENTO EM ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE

Acórdão de 16 de março de 2023 - (Processo C-449/21) - TJUE

Em 13 de outubro de 2016, a Télédiffusion France adquiriu a Itas, ambos prestadores de serviços de difusão de televisão digital terrestre. Por a operação não ter preenchido os limiares de notificação nacionais ou europeus, a concentração em causa não foi sujeita ao controlo de concentrações prévio pela autoridade da concorrência francesa (Autorité de la concurrence), nem da Comissão Europeia.

A 15 de novembro de 2017, a Towercast, um terceiro operador nesse mercado, veio apresentar junto da autoridade da concorrência francesa uma denúncia por abuso de posição dominante, a qual foi rejeitada por essa autoridade no dia 16 de janeiro de 2020.

Inconformada, a Towercast recorreu judicialmente da decisão de arquivamento da denúncia por parte da autoridade da concorrência francesa, alegando novamente o potencial abusivo dessa concentração, considerando a violação do disposto no artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que proíbe o abuso de posição dominante. Towercast invocou, neste sentido, a aplicabilidade dessa norma a condutas consubstanciadas pela implementação de operação de concentração, conforme a jurisprudência Continental Can/Comissão. Já a autoridade da concorrência francesa reitera o entendimento que havia previamente sufragado, nomeadamente de que, com a entrada em vigor do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo de concentrações de empresas (“Regulamento das Concentrações Comunitárias”), caem fora do âmbito de aplicação do artigo 102.º do TFUE e da jurisprudência Continental Can/Comissão as operações de concentrações, ainda que não notificáveis por não preenchimento dos limiares nacionais e/ou europeus.

Nesta sequência, o órgão jurisdicional nacional francês questionou o TJUE sobre a interpretação que deve ser dada ao artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento das Concentrações Comunitárias. Em concreto: se uma concentração, que (i) não alcança os limiares de notificação europeus ou nacionais e que (ii) não haja sido remetida para a Comissão Europeia, pode ainda assim ser considerada como abusiva de posição dominante, ao abrigo do artigo 102.º do TFUE.

Chamado a apreciar esta questão, veio o TJUE reafirmar a aplicabilidade do artigo 102.º do TFUE e a jurisprudência Continental Can/Comissão, frisando que, ainda que uma concentração não seja notificável, não deixa esta de poder ser abusiva. Neste conspecto, uma operação de concentração desse tipo será tida por abusiva ao abrigo do artigo 102.º do TJUE, quando se demonstre que a posição dominante assim assegurada constituiu ou tem o potencial de vir a constituir um entrave substancial à concorrência, viabilizando e legitimando, desse modo, o controlo ex post de concentrações.

Por esta via, veio o TJUE reiterar mais um mecanismo de controlo de concentrações fora do âmbito específico previsto a este efeito, alargando cada vez mais o poder das autoridades da concorrência e da Comissão Europeia para controlar as operações de concentrações.

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL PRONUNCIA-SE QUANTO À VALIDADE DA APREENSÃO DE CORREIO ELETRÓNICO EM SEDE DE PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL POR INFRAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Acórdão de 16 de março de 2023 - (Processo n.º 559/2020) - TC

Em 16 de março de 2023, o Tribunal Constitucional veio prolatar acórdão em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade quanto à possibilidade de apreender correio eletrónico por ocasião de busca e apreensão em sede de processo contraordenacional da concorrência.

Nesse recurso, foram suscitadas pelas empresas visadas três questões: a saber (i) se é permitida a busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico abertas ao abrigo da LdC; (ii) se, para a execução de tais diligências, bastaria autorização do Ministério Público; e (iii) se é permitida a realização de buscas e apreensões sem suspeita de factos concretos constitutivos de infração.

Neste contexto, o TC veio, de forma geral, confirmar a admissibilidade da ingerência na troca de correspondência eletrónica em sede de processo contraordenacional da concorrência, considerando válida a apreensão pela Autoridade da Concorrência (“AdC”) de mensagens de correio eletrónicos abertas, desde que autorizada pelo Juiz de Instrução Criminal.

Com efeito, por um lado, o Tribunal não considerou aplicável o princípio da inviolabilidade da correspondência às comunicações trocadas fora do escopo privado, considerando que a Constituição, em particular o seu artigo 34.º, n.º 4, apenas veda o acesso as comunicações individuais e privadas. Neste sentido, o Tribunal considera válida a apreensão de correspondência profissional em suporte eletrónica.

Por outro lado, o Tribunal veio pronunciar-se sobre a distinção que é feita entre correspondência aberta/fechada ou lida/não lida. Segundo esta distinção, as mensagens de correio eletrónico, uma vez abertas/lidas, deixam de ser consideradas “correspondência”, deixando nesse momento, assim, de beneficiar da proteção contra a possível utilização das mesmas como prova em sede de processo contraordenacional. Neste âmbito, entende o Tribunal Constitucional que a distinção entre mensagens abertas/lidas e fechadas/não lidas é, no caso do correio eletrónico, artificial e falível - em particular porque não permite determinar com rigor se foi efetivamente lido - não tendo, portanto, o critério da leitura, relevância para a apreciação da admissibilidade da apreensão de correio eletrónico. Assim, para o Tribunal, o critério decisivo de que a mensagem chegou definitivamente ao destinatário não é a marcação da mensagem como lida, mas sim o seu arquivamento definitivo, fora da caixa de correio eletrónico virtual.

Por fim, o Tribunal veio esclarecer que, apesar de considerar válida a apreensão pela AdC de mensagens de correio eletrónico abertas, esta só é admissível mediante (i) definição das condições de que depende essa ingerência e (ii) o controlo prévio da mesma pelo Juiz de Instrução Criminal. Nestes termos, o Tribunal considera que as buscas e apreensão de correio eletrónico não podem ser ordenadas/autorizadas pelo Ministério Público - como tem vindo a ocorrer nos processos da AdC - que não cumpre com o critério de independência, que impõe a dissociação dessa entidade da condição de parte no processo. Assim, e por esta ingerência configurar uma restrição aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, é o entendimento do Tribunal Constitucional que apenas ao Juiz de Instrução Criminal caberá a competência para ordenar estas diligências, rejeitando expressamente que o Ministério Público possa autorizar este tipo de diligências.

O acórdão do TC em apreço contou com três votos de vencido, o que significa que três dos juízes não acompanharam a decisão proferida. Em particular, na sua declaração de voto, o Juiz do Tribunal Constitucional Afonso Patrão rejeita perentoriamente a admissibilidade da apreensão de correio eletrónico em sede de processo contraordenacional, pugnando a inconstitucionalidade da norma vertida no artigo 18.º da LdC. Ademais, considera o critério do arquivamento desapropriado, por ser vago e vazio. Já o Juiz do Tribunal Constitucional Lino Rodrigues Ribeiro desconsidera quer o critério da leitura da mensagem, quer o do seu arquivamento, entendendo bastar a autorização judicial para a sua apreensão ser válida.

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2. Direito Digital

NOTIFICAÇÕES DE VIOLAÇÕES DE DADOS PESSOAIS

Orientações do Comité Europeu para a Proteção de Dados sobre a notificação da violação de dados pessoais no âmbito do Regulamento Geral de Proteção de Dados, de 28 de março de 2023

O Comité Europeu para a Proteção de Dados (o “CEPD”) adotou, no dia 28 de março de 2023, a Versão 2.0 das Orientações 09/2022, sobre as notificações de violações de dados pessoais no âmbito do Regulamento Geral de Proteção de Dados (“Orientações”).

Com o objetivo de clarificar os requisitos de notificação das violações de dados pessoais em estabelecimentos localizados fora da União Europeia (“UE”), o CEPD atualiza (i) o parágrafo 73 da Secção II.C.2. das Orientações e, simultaneamente, (ii) as Orientações do Grupo de Trabalho do Artigo 29.º para a Proteção de Dados, sobre a notificação de uma violação de dados pessoais ao abrigo do RGPD, que deverão, doravante, ser interpretadas por referência às Orientações.

Neste sentido, o CEPD vem esclarecer que quando um responsável pelo tratamento não estabelecido na UE esteja sujeito aos n.ºs 2 e 3, do artigo 3.º, do RGPD, e se depare com uma violação de dados pessoais, continua vinculado às obrigações de notificação e comunicação previstas nos artigos 33.º e 34.º do RGPD, respetivamente. Deste modo, quando seja aplicável o n.º 2, do artigo 3.º do RGPD, os responsáveis pelo tratamento ou os subcontratantes deverão designar um representante na UE, de acordo com o disposto no artigo 27.º do RGPD.

Contudo, as Orientações esclarecem que a mera presença de um representante na UE não desencadeia o sistema de “balcão único” (one-stop-shop). Por este motivo, a violação deverá ser notificada a todas as autoridades de controlo dos Estados-Membros em que residam os titulares dos dados afetados pela violação. O dever de notificar está a cargo do responsável pelo tratamento.

Por último, o CEPD sublinha que, nos casos em que um subcontratante se encontre sujeito ao artigo 3.º, n.º 2, do RGPD, estará igualmente vinculado pelas obrigações que incumbem aos subcontratantes, de especial relevância neste caso, de notificar o responsável pelo tratamento de acordo com o artigo 33.º, n.º 2, do RGPD.

TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NO CONTEXTO LABORAL

Acórdão de 30 de março de 2023 (Processo C-34/21) - TJUE

O presente acórdão tem subjacente um litígio entre o Comité Principal do Pessoal Docente do Ministério da Educação e da Cultura do Hesse, Alemanha (“Comité do Pessoal Docente do Hesse”), e o Ministro da Educação e da Cultura do Hesse (“Ministro da Educação do Hesse”), a propósito da legalidade de um sistema de difusão em direto de aulas por videoconferência implementado nas escolas do Land de Hesse (Alemanha), sem que estivesse previsto o consentimento prévio dos docentes envolvidos.

De acordo com os autos submetidos ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), o Ministro da Educação do Hesse fixou, em 2020, o quadro jurídico e organizacional aplicável ao ensino escolar durante a pandemia de COVID-19, que instituiu a possibilidade de os alunos assistirem às aulas por videoconferência quando não pudessem estar presentes. No âmbito deste regime, de modo a preservar os direitos dos alunos em matéria de proteção de dados pessoais, foi estabelecido que a ligação ao serviço de videoconferência só seria autorizada com o consentimento dos próprios ou, caso fossem menores de idade, dos seus pais. Contudo, não estava previsto o consentimento dos docentes.

Neste sentido, o Comité do Pessoal Docente do Hesse interpôs recurso para o Tribunal Administrativo de Wiesbaden, Alemanha (“Tribunal Administrativo de Wiesbaden”), queixando-se do facto de a difusão em direto das aulas por videoconferência não estar sujeita ao requisito do consentimento dos docentes. O Tribunal Administrativo de Wiesbaden indicou que, de acordo com a vontade do legislador do Land de Hesse, a regulamentação nacional aplicável ao caso concreto pertence à categoria das “normas mais específicas” que os Estados-Membros podem estabelecer, de acordo com o disposto no artigo 88.º, n.º 1, do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD”).

No entanto, o Tribunal Administrativo de Wiesbaden, perante determinadas dúvidas quanto à compatibilidade desta regulamentação com os requisitos previstos no artigo 88.°, n.º 2, do RGPD, submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) as seguintes questões prejudiciais: (i) se o artigo 88.º do RGPD deve ser interpretado no sentido de que, para poder ser qualificada como norma mais específica na aceção do n.º 1 do mesmo artigo, uma disposição legal deve preencher os requisitos indicados n.º 2 do referido artigo; e (ii) se uma norma nacional que manifestamente não satisfaz os requisitos indicados no artigo 88.º, n.º 2, do RGPD, pode continuar a ser aplicável.

Na decisão proferida em 30 de março de 2023, o TJUE começa por esclarecer que os Estados-Membros têm a faculdade, e não a obrigação, de adotar tais normas e que, exercendo essa faculdade, devem utilizar a sua margem de apreciação nas condições e limites previstos no RGPD. Para o efeito, deve ser tido em conta o contexto em que o RGPD se insere e os seus objetivos e finalidades. Assim, as normas visadas por esta disposição devem ter um conteúdo normativo próprio, na medida em que consistem na defesa dos direitos e as liberdades dos trabalhadores no que respeita ao tratamento dos seus dados pessoais no contexto laboral. Com efeito, não se podem limitar a reiterar as disposições do RGPD e devem incluir medidas adequadas e específicas para salvaguardar a dignidade, os interesses legítimos e os direitos fundamentais do titular dos dados, com especial relevo para (i) a transparência do tratamento de dados; (ii) a transferência de dados pessoais num grupo empresarial ou num grupo de empresas envolvidas numa atividade económica conjunta; e para (iii) os sistemas de controlo no local de trabalho. Conclui o TJUE, relativamente à primeira questão, que para poder ser qualificada como “norma mais específica”, na aceção do n.º 1 do artigo 88.º do RGPD, uma disposição legal deve preencher os requisitos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.

Posteriormente, o TJUE indica quais as consequências que devem ser retiradas da constatação de que as condições e os limites previstos nos n.ºs 1 e 2, do artigo 88.º, do RGPD, são incompatíveis com as disposições nacionais em causa. Sobre este assunto, o TJUE salienta que estas disposições nacionais, que subordinam o tratamento dos dados pessoais dos trabalhadores à condição de esse tratamento ser necessário para determinadas finalidades ligadas à execução de uma relação de trabalho, parecem reiterar a condição geral de licitude do tratamento já enunciada no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do RGPD, sem acrescentar uma norma mais específica na aceção do artigo 88.°, n.º 1, do RGPD. Assim, tais disposições não têm um conteúdo normativo próprio do domínio regulamentado e distinto das normas gerais do RGPD. Acrescenta o TJUE que, caso o Tribunal Administrativo de Wiesbaden conclua que estas disposições nacionais violam o artigo 88.º do RGPD, deve impedir a sua aplicação, a menos que estas disposições constituam uma base jurídica referida no artigo 6.º, n.º 3 do RGPD.

Neste sentido, o TJUE salienta que podem ser aplicadas a um tratamento de dados pessoais, como o que está em causa no processo principal, outras disposições do RGPD, segundo as quais o tratamento de dados pessoais é lícito quando for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento está sujeito ou ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento (artigo 6.º, n.º 1, alíneas c) e e), respetivamente).

Em síntese, quando o órgão jurisdicional de reenvio chega à conclusão de que as disposições nacionais relativas ao tratamento de dados pessoais no contexto laboral não respeitam as condições e os limites previstos no artigo 88.°, n.ºs 1 e 2, do RGPD, deve ainda verificar se as referidas disposições constituem uma base jurídica para o tratamento, prevista noutro artigo do RGPD, que respeite as exigências previstas nesse regulamento. Se tal for o caso, a aplicação dessas disposições nacionais não deve ser afastada.

ALTERAÇÕES AO VALOR DAS COIMAS E AOS REQUISITOS DA INFORMAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL NAS RELAÇÕES COM CONSUMIDORES

Lei n.º 10/2023, de 3 de março (DR 45, Série I, de 3 de março de 2023)

A Lei n.º 10/2023, de 3 de março (“Lei 10/2023”) vem completar a transposição da Diretiva (UE) 2019/2161, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, que altera a Diretiva 93/13/CEE, do Conselho e as Diretivas 98/6/CE, 2005/29/CE e 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, a fim de assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores, e, nesse sentido, alterar o valor máximo das coimas e os seus respetivos critérios de aplicação para as contraordenações previstas nos seguintes diplomas: (i) Regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro); (ii) Regime jurídico de apresentação de preços de venda ao consumidor na venda a retalho (Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março); (iii) Regime jurídico das práticas comerciais com redução de preço nas vendas a retalho (Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março); (iv) Regime jurídico das práticas comerciais desleais (Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março); e (v) Regime jurídico dos contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial (Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro).

Por último, este diploma introduz ainda uma alteração ao nível da informação pré-contratual a disponibilizar aos consumidores em casos de contratação à distância, passando a prever que no âmbito da identidade do fornecedor de bens ou do prestador de serviços, além do nome e do endereço físico onde se encontra estabelecido, também o número de telefone e o endereço de correio eletrónico passem a ser elementos obrigatórios que permitam uma comunicação rápida e eficaz por parte do consumidor.

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3. Financeiro

ALTERAÇÕES AOS REQUISITOS DAS POLÍTICAS DE INVESTIMENTO E FUNCIONAMENTO DOS ELTIF

Regulamento (UE) 2023/606 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2023 (JO C 80, 20.3.2023, p. 1–23)

O Regulamento (UE) 2023/606 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2023, (o “Regulamento”) veio alterar o Regulamento (UE) 2015/760 no que respeita aos requisitos relativos às políticas de investimento e às condições de funcionamento dos fundos europeus de investimento a longo prazo e ao âmbito dos ativos de investimentos elegíveis, aos requisitos de composição e diversificação da carteira e à contração de empréstimos em numerário e outras regras dos fundos.

O presente Regulamento surge da intenção europeia de fomentar o desenvolvimento do segmento dos Fundos Europeus de Investimento a Longo Prazo (“ELTIF”) na União, pretendendo reexaminar este regime de modo a assegurar uma maior capitalização dirigida a estes investimentos que permitem, consequentemente, projetos de longo prazo na economia real da União. A par deste, releva também o intuito de facilitar a mobilização e canalização deste capital para a economia real, em particular incentivando a promoção de investimentos que consolidem o Pacto Ecológico Europeu. Na senda deste incentivo ecológico, observa-se a inclusão expressa das obrigações verdes europeias na lista de ativos de investimento elegíveis.

Das inúmeras alterações materiais e não materiais visadas neste Regulamento, cumpre destacar as seguintes:

  1. Obrigação de informação adicional dos ELTIF, de modo a tornar mais completo e atualizado o registo central púbico, passando este a exigir, nomeadamente, a identificação dos Estados-Membros em que o ELTIF é comercializado, o identificador de entidade jurídica, o número de identificação internacional de títulos, entre outros;
  2. Supressão do requisito de exigência de valor mínimo dos ativos reais individuais, numa tentativa de contribuir para uma maior diversificação das carteiras e estímulo à eficácia dos investimentos em ativos reais pelos ELTIF;
  3. Permissão da classificação das instituições financeiras inovadoras recentemente autorizadas como empresas elegíveis através da abertura de exceções à proibição de instituições financeiras como empresas elegíveis para a carteira;
  4. Alterações nas regras relativas à contração de empréstimos em numerário por parte dos ELTIF, aumentando a percentagem para 50% do valor líquido dos ativos do ELTIF, quando estes podem ser comercializados junto de investidores não profissionais, de modo a permitir uma maior flexibilidade aos gestores dos ELTIF na obtenção de capital; e
  5. Eliminação do requisito de investimento monetário inicial de EUR 10.000,00 por parte dos investidores não profissionais e do limite de 10% do investimento agregado, de modo a facilitar o acesso a estes produtos por parte desta categoria de investidores.

Não obstante o elenco supra, as alterações que o presente Regulamento abarca não se extinguem nestas, revelando-se este um mecanismo regulatório de incentivo ao investimento sustentável europeu a longo prazo cujas medidas serão alvo de reexame pela Comissão em 2026 e 2030 (requisitos de sustentabilidade e requisitos gerais, respetivamente), de modo a analisar o impacto prático que as mesmas conseguiram gerar.

O Regulamento é aplicável a partir de 10 de janeiro de 2024. Não obstante, considera-se que os ELTIF autorizados em conformidade com o Regulamento (UE) 2015/760 até àquela data cumprem os requisitos estabelecidos no Regulamento até 11 de janeiro de 2029.

REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELETRÓNICA - INSTRUMENTOS DE PAGAMENTO ABRANGIDOS PELA EXCLUSÃO DA REDE RESTRITA

Aviso n.º 3/2023 do Banco de Portugal (DR 52, Série II, de 14 de março de 2023)

O Aviso n.º 3/2023 do Banco de Portugal, de 14 de março (“Aviso 3/2023”) (i) define as condições necessárias para assegurar o cumprimento das previsões normativas aplicáveis aos instrumentos de pagamento específicos que só podem ser utilizados de forma limitada, tal como especificado no artigo 3.º, alínea k), da Diretiva (UE) 2015/2366 relativa aos serviços de pagamento no mercado interno que estão excluídos do âmbito de aplicação da referida diretiva, nomeadamente, os instrumentos que apenas permitem a aquisição de bens ou serviços nas instalações do emitente (ou diretamente ligados a este por um acordo comercial) e os instrumentos que apenas podem ser utilizados para adquirir uma especifica gama de bens ou serviços, tendo como destinatários os respetivos emitentes destes instrumentos de pagamento (“Emitente”), e (ii) estabelece os respetivos modelos de comunicação, no âmbito do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, aprovado em anexo ao DL n.º 91/2028, de 12 de novembro (“RJSPME”).

Deste modo, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade competente designada para efeitos de fiscalização do cumprimento do RJSPME vem, através do Aviso 3/2023, e em linha com as Orientações da Autoridade Bancária Europeia publicadas no dia 24 de fevereiro de 2022 sobre a matéria vertida no primeiro parágrafo, determinar o seguinte:

  • Dever de comunicação do Emitente para com o Banco de Portugal, quando o valor global das operações de pagamento executadas nos 12 meses anteriores exceda € 1.000.000 (um milhão de euros), especificando qual das exclusões a que se referem as subalíneas i) e ii) da alínea k) do n.º 1 do artigo 5.º do RJSPME, se considera sujeito o exercício dessa atividade;
  • Dever de comunicação adicional sempre que ocorra ou se perspetive a ocorrência de uma alteração substancial de qualquer informação relacionada com o(s) mesmo(s) instrumento(s) de pagamento específico(s) fornecida na comunicação supra, ou se mostre verificada qualquer das circunstâncias elencadas no artigo 6.º do Aviso 3/2023;

Estas comunicações podem ser realizadas para o e-mail comunicacao.rederestrita@bportugal ou mediante comunicação escrita para o departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal.

O Aviso 3/2023 entrou em vigor no dia 15 março de 2023.

APOIOS EXTRAORDINÁRIOS DE APOIO ÀS FAMÍLIAS PARA PAGAMENTO DA RENDA E DA PRESTAÇÃO DE CONTRATOS DE CRÉDITO

Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março (DR 58, Série I, de 22 de março de 2023)

O Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março (“Decreto-Lei”) procede à criação de apoios extraordinários e temporários às famílias, criando, inter alia, medidas de apoio aos mutuários de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, sob a forma de bonificação temporária de juros quando o indexante ultrapasse um determinado limiar, a fim de mitigar o seu impacto.

Estas medidas podem aplicar-se quando preenchidos determinados requisitos relacionados, designadamente, com os (i) montantes de crédito inicialmente contratados; (ii) tipos de taxas de juro contratadas; e (iii) rendimentos anuais auferidos pelos mutuários (cfr. artigos 13.º a 16.º do Decreto-Lei).

Das diversas medidas estabelecidas pelo presente Decreto-Lei, destacam-se as seguintes:

  • Bonificação temporária de juros aplicável quando o indexante do contrato de crédito for igual ou superior a 3 %, dependendo o seu valor dos rendimentos dos mutuários (medida que vigorará até 31 de dezembro de 2023, sem prejuízo de eventual prorrogação);
  • Não incidência de IRS, nem de contribuições para a segurança social, sobre os montantes do apoio previstos no presente Decreto-Lei;
  • Dever do mutuante permitir ao mutuário a possibilidade de optar por uma modalidade de taxa de juro variável, fixa ou mista nos contrato de crédito que se destinem à aquisição ou construção de habitação própria permanente.

Os apoios extraordinários criados pelo Decreto-Lei aplicam-se a obrigações emergentes de contratos celebrados até 15 de março de 2023.

O Decreto-Lei entrou em vigor no dia 23 março de 2023.

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4. Fiscal

IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS – RETENÇÃO NA FONTE SOBRE DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS A UMA ENTIDADE NÃO RESIDENTE  –  DESCONFORMIDADE COM O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA

Acórdão de 8 de março de 2023 (Processo n.º 03022/19.4BELRS) - STA

No acórdão em análise, a questão fundamental que foi submetida ao escrutínio do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) foi a de saber se é ilegal uma liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) efetuada através de retenção na fonte quando a mesma incide sobre dividendos distribuídos por empresas residentes em Portugal e auferidos por uma entidade não residente (no caso, por uma empresa com sede em Espanha), sem estabelecimento estável em território português, e detentora de 5% do capital social da empresa residente em Portugal. Em particular, estava em causa determinar se existiu ou não discriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes em Portugal e, em consequência, violação do princípio de Direito da União Europeia (“UE”) de liberdade de circulação de capitais, na sua vertente de princípio de não discriminação entre residentes e não residentes.

No caso em apreço, as retenções na fonte efetuadas à entidade não residente assumiram a natureza de retenção a título definitivo ao abrigo do artigo 94.º, n.º 3, alínea b,) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“Código do IRC”), nos termos da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha (“CDT Portugal-Espanha”), cujo artigo 10.º, n.º 2, alínea b), estabelece que a taxa de retenção na fonte não pode exceder 15% do montante bruto dos dividendos. Caso tais retenções na fonte tivessem sido efetuadas a entidades residentes, as mesmas teriam a natureza de pagamento por conta e, por conseguinte, em caso distribuição de dividendos, as entidades residentes nas mesmas circunstâncias da entidade residente em análise no processo poderiam, aquando da entrega da declaração periódica de rendimentos (Declaração Modelo 22 do IRC), deduzir ao imposto total, apurado a final nessa declaração, os pagamentos por conta (artigo 104.º do Código do IRC).

Considerando a referida diferença de tratamento, o STA analisou se a mesma seria, eventualmente, suscetível de ser neutralizada pela aplicação da CDT Portugal-Espanha.

Nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT Portugal-Espanha, a dedução do imposto suportado no estrangeiro é limitada à fração do próprio IRC correspondente aos rendimentos obtidos no estrangeiro. Assim, considerando que a sociedade não residente espanhola detinha na sociedade residente, em 2017, uma participação representativa de 5% do capital social, e que esta última se encontrava sujeita em Portugal a IRC e que desenvolvia em Portugal uma atividade empresarial, nos termos do disposto no artigo 21.º da “Ley 27/2014, de 27 de noviembre, del Impuesto sobre Sociedades”, os rendimentos provenientes dos dividendos pagos pela sociedade residente portuguesa à sociedade espanhola encontravam-se isentos de tributação, em sede de IRC, em Espanha, estando, assim, a sociedade espanhola impedida de recuperar o imposto suportado em Portugal. Em face do exposto, concluiu o Tribunal que a CDT Portugal-Espanha não permitia neutralizar os efeitos da diferença de tratamento em causa.

O STA concluiu, assim, tendo por base o princípio do primado do Direito da UE e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE, que “os tratamentos desiguais permitidos pela alínea a) do n.º 1 do art. 58.º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo e (ii) que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral” e que, por conseguinte: “(...) é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação”.

IRS – CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO – APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

Decisão Arbitral de 14 de fevereiro de 2023 (Processo n.º 23/2022-T) Centro de Arbitragem Administrativa

No processo arbitral em análise, o Tribunal Arbitral foi chamado a pronunciar-se sobre a ilegalidade de uma decisão de indeferimento expresso de uma reclamação graciosa e de atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (“IRS”) e respetivos juros compensatórios emitidos por referência aos anos de imposto de 2016, 2017 e 2018 com recurso à aplicação da cláusula geral anti abuso por não se mostrarem os pressupostos legais constantes do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”).

Os requerentes naquele processo suscitaram ainda uma questão da aplicação da lei no tempo porquanto, “[n]ão obstante o relatório final de inspeção se reportar ao n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na redação da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, a Unidade dos Grandes Contribuintes vem erroneamente e em manifesta contradição com o próprio relatório final de inspeção - defender a aplicação, ao caso em análise, dos n.ºs 2 e seguintes do artigo 38.º da LGT, na redação da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio".

O Tribunal apreciou a referida questão de aplicação da lei no tempo e decidiu que: “[o] artigo 38.º da LGT é “uma norma que tem por função o desenvolvimento de normas de incidência tributária", razão pela qual, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 12.º da LGT, a redação dada à referida norma pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, apenas será aplicável para o futuro”. Ora, considerando que a nova redação da referida norma implica uma redução das garantias do contribuinte, desde logo quanto às exigências do ónus da prova da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), concluiu o tribunal arbitral que: “(...) seria sempre de aplicar o artigo 38.º, n.º 2, da LGT na redação vigente à data dos factos, por aplicação do artigo 12.º, n.º 3, da LGT, quando determina que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos”. Acrescentou ainda aquele tribunal arbitral que o artigo 12.º, n.º 3, da LGT: “(...) ao salvaguardar as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos tem ainda amparo constitucional no princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, preceito que proíbe não só impostos retroativos, mas também qualquer outra norma fiscal retroativa desfavorável que “é sempre constitucionalmente ilícita”.

Por outro lado, considerou ainda aquele tribunal arbitral que “ainda que assim se não entendesse (...) nenhum dos autores que até agora escreveu sobre a nova redação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT deixou de assinalar que continua a caber à AT o ónus de provar os pressupostos de aplicação da CGAA, havendo até divergência sobre se com a mesma ou até mais assinalável intensidade”.

O tribunal arbitral julgou, assim, totalmente procedente o pedido arbitral apresentado e ordenou a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa e das liquidações de IRS, tendo ainda reconhecido o direito das requerentes neste processo a juros indemnizatórios sobre o valor do imposto indevidamente pago.

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5. Laboral

TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO – INEXISTÊNCIA – SERVIÇOS DE SEGURANÇA PRIVADA

Acórdão de 3 de março de 2023 (Processo n.º 445/19.2T8VLG.P1.S1) – STJ

Na ação em apreço, o trabalhador (“Autor”) peticionava, na sequência da adjudicação, por uma terceira entidade, dos serviços de vigilância e segurança privada - até então prestados pela sua empregadora (“Antiga Prestadora”) - a uma nova empresa (“Nova Prestadora”), o reconhecimento da existência de uma transmissão de estabelecimento entre estas duas empresas, e que, consequentemente, se condenasse a Nova Prestadora (i) a reconhecer a sua sub-rogação legal na posição de empregadora no contrato de trabalho do Autor, bem como (ii) a reintegrar o Autor ao seu serviço. Subsidiariamente, peticionava o Autor que, no evento de se entender que tal transmissão de estabelecimento não teria ocorrido, se condenassea Antiga Prestadora na reintegração do trabalhador nos seus quadros. Com efeito, desde a data da adjudicação, nenhuma das duas entidades havia dado qualquer trabalho ao Autor.

O Tribunal de 1.ª Instância considerou que tinha ocorrido uma transmissão de unidade económica, em razão da continuidade do tipo de serviços e manutenção dos meios/recursos utilizados pela Nova Prestadora (i.e., alarme, computador, circuito interno de televisão), ainda que esta entidade apenas tenha admitido ao seu serviço um dos quatro trabalhadores da Antiga Prestadora que, como o Autor, vinham prestando os serviços de segurança no âmbito da anterior adjudicação. Nessa medida, condenou a Nova Prestadora nos pedidos (i) e (ii) acima indicados.

A Nova Prestadora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto revogado a decisão de 1.ª Instância e condenado a Antiga Prestadora a reintegrar o Autor ao seu serviço, porquanto entendeu que os serviços de vigilância e segurança privada aos quais o Autor estava afeto não constituíam uma unidade económica autónoma, capaz de preservar a sua identidade após a adjudicação dos serviços à Nova Prestadora, uma vez que esta última não teria admitido o universo de trabalhadores afetos aos serviços, com exceção de um.

Não resignada, a Antiga Prestadora interpôs recurso de revista e, neste âmbito, veio o STJ a suspender a instância e suscitar junto do TJUE três questões prejudiciais. Neste contexto, o TJUE esclareceu que, nos casos em que a atividade repousa essencialmente na mão-de-obra (como é exemplo paradigmático a atividade de segurança privada), a identidade não se mantém – não havendo transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efetivos, em termos de número e competências, o que sucedeu in casu,em que apenas um dos quatro trabalhadores (sem competências ou conhecimentos específicos) foi transmitido e em que não foram transferidos quaisquer bens incorpóreos (i.e., know-how).

Seguindo a orientação do TJUE, o STJ negou o recurso de revista, mantendo a decisão do TRP.

DIREITO A FÉRIAS – DIAS ÚTEIS VS. DIAS DE TRABALHO – LAY-OFF

Acórdão de 8 de março de 2023 (Processo n.º 20790/20.3T8LSB.L1.S1) – STJ

No presente caso, um sindicato (“Sindicato”), em representação dos seus afiliados, intentou uma ação judicial contra uma empresa (“”), com fundamento na violação do direito ao gozo de férias dos trabalhadores durante o período de suspensão ou redução do contrato de trabalho decorrente da aplicação do regime de lay-off extraordinário adotado durante o período pandémico (vulgo “lay-off simplificado”).

Com especial relevo, o Sindicato peticionava (entre outros) que, face ao teor da cláusula 41.ª, n.º 8, do Acordo de Empresa aplicável às relações jurídicas em causa (“AE”), segundo a qual se determinava que “uma vez fixado o período de férias, com data de início e data de fim durante o qual o trabalhador estará de férias, será feita a contagem definitiva dos dias úteis, sendo apenas considerados úteis os dias em que pelo horário aplicável o trabalhador estaria ao serviço”, não deveriam ser contabilizados como dias de férias aqueles em que, por força da implementação do lay-off simplificado, o trabalhador não iria prestar trabalho, tendo o Tribunal de 1º Instância dado deferimento a este pedido. Por sua vez, em sede de recurso de apelação interposto pela Ré quanto a este segmento decisório, o TRL decidiu em sentido contrário ao do Tribunal de 1.ª Instância.

Nesta esteira, o Sindicato interpôs recurso de revista para o STJ, que determinou a improcedência do mesmo. Em suma, o STJ concluiu que deveriam ser considerados como dias úteis – para efeitos da contabilização dos 22 dias úteis de férias – todos os dias da semana, de segunda a sexta-feira, com exceção dos feriados, e não apenas os dias em que os trabalhadores prestariam trabalho durante a vigência do lay-off (tal como parece resultar da cláusula 41.ª, n.º 8, do AE).

De outro modo, promover-se-ia um tratamento desigual entre os trabalhadores que, em resultado do regime de lay-off, trabalhassem menos de cinco dias por semana e aqueles que, embora estivessem também sujeitos a este regime, trabalhassem o mesmo número de horas que os primeiros, mas repartido por todos os dias da semana e, ainda, os que trabalhadores que não tivessem sido abrangidos pelo lay-off. No limite, o direito a férias dos trabalhadores que, no contexto do lay-off, não prestassem atividade em todos os dias da semana, prolongar-se-ia indefinidamente. Esta conclusão é suportada pela doutrina existente quanto às situações em que os trabalhadores não tenham dois dias de descanso semanal – o que sucede, por exemplo, com os trabalhadores a tempo parcial que prestem a sua atividade em menos do que cinco dias da semana –, que foi aqui acolhida pelo STJ.

Conclui, ainda, o STJ que uma solução diferente da adotada desvirtuaria o objetivo do lay-off de garantir a solvabilidade económica às empresas mantendo os postos de trabalho e subverteria a finalidade visada pelo direito a férias de recuperação física e psicológica dos trabalhadores.

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6. Público

REGIME EXCECIONAL E TEMPORÁRIO NO ÂMBITO DO AUMENTO DOS PREÇOS COM IMPACTO EM CONTRATOS PÚBLICOS - CATEGORIAS DE CONTRATOS PÚBLICOS DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS

Portaria n.º 74-A/2023, de 7 de março (DR 47, Série I, de 7 de Março de 2023)

A Portaria n.º 74-A/2023 (“Portaria 74-A/2023”) vem regulamentar o Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20 de maio (“Decreto-Lei 36/2022”), o qual estabeleceu um regime excecional e temporário de revisão de preços e de adjudicação de contratos públicos.

O regime de revisão de preços consagrado pelo Decreto-Lei 36/2022 foi aprovado em resposta ao aumento abrupto do custo com matérias-primas, materiais e mão-de-obra e equipamentos de apoio com impacto em contratos públicos, tendo sido especialmente concebido para os contratos de empreitadas de obras públicas.

Não obstante, o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 36/2022 prevê que este regime se aplique, com as necessárias adaptações, a outras categorias de contratos, como contratos de aquisição de bens e contratos de aquisição de serviços. Para esta última categoria, contudo, o Decreto-Lei 36/2022 estabeleceu que apenas seria aplicável a certas categorias de contratos de aquisição de serviços, devendo estas categorias ser definidas, posteriormente, mediante portaria.

Assim, a presente Portaria 74-A/2023 vem responder ao desiderato do legislador, estabelecendo as categorias de contratos de aquisição de serviços às quais é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei 36/2022.

Assim, a Portaria 74-A/2023 estabelece, no seu Anexo, que o regime do Decreto-Lei 36/2022 é aplicável às seguintes categorias de contratos de aquisição de serviços:

  1. Coordenação da segurança e saúde no âmbito de empreitadas;
  2. Exploração de refeitório;
  3. Fiscalização de empreitadas;
  4. Fornecimento de energia;
  5. Fornecimento de refeições;
  6. Gestão de resíduos, lamas e outros subprodutos;
  7. Recolha de águas residuais;
  8. Recolha e tratamento de resíduos urbanos e resíduos perigosos;
  9. Serviços relativos a águas residuais, resíduos, limpeza e ambiente;
  10. Transporte de água por autotanque; e
  11. Transporte de pessoas e bens.

O presente diploma entrou em vigor em 8 de março de 2023.

FUNDOS EUROPEUS - REGIME GERAL DE APLICAÇÃO

Decreto-Lei n.º 20-A/2023, de 22 de março (DR 58, Série I, de 22 de março de 2023)

O Decreto-Lei n.º 20-A/2023, de 22 de março (“Decreto-Lei 20-A/2023”), veio estabelecer o regime geral de aplicação do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, do Fundo Social Europeu Mais, do Fundo de Coesão, do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e do Fundo para Uma Transição Justa, bem como do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (“Fundos”) para o período de 2021-2027.

Este diploma veio implementar o regime geral de aplicação do Portugal 2030 e dos respetivos Fundos, designadamente no que respeita à regulamentação aplicável aos programas financiados por Fundos europeus, aos requisitos associados à sua elegibilidade, às obrigações dos beneficiários e às modalidades de apoio e formas de financiamento destes fundos.

Adicionalmente, o Decreto-Lei 20-A/2023 veio estabelecer as obrigações gerais aplicáveis a todas as entidades envolvidas na implementação dos Fundos europeus, bem como veio implementar regras de orientação de resultados na aplicação dos mesmos.

O presente diploma entrou em vigor no dia 23 de março de 2023.

ALTERAÇÃO AOS REGIMES JURÍDICOS DE CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS E DA CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS SOCIEDADES DE PROFISSIONAIS QUE ESTEJAM SUJEITAS A ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS

Lei n.º 12/2023, de 28 de março (DR 62, Série I, de 28 de Março de 2023)

A Lei n.º 12/2023, de 28 de Março (“Lei 12/2023”) procedeu à alteração de duas leis:

  1. Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais; e
  2. Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais.

Esta alteração legislativa surge no sentido de uma maior abertura das associações públicas profissionais, fruto de uma crescente pressão da Comissão Europeia e da OCDE, de há alguns anos a esta parte, para reduzir os obstáculos no acesso às profissões reguladas por essas associações.

Nesse sentido, a Assembleia da República aprovou a Lei 12/2023 e o Presidente da República, após um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade em que o Tribunal Constitucional se pronunciou pela não inconstitucionalidade das normas constantes do diploma, promulgou-a em 20 de março de 2023.

A Lei 12/2023 introduz alterações em três vetores: (i) alteração do programa de estágio; (ii) alteração do funcionamento e composição das associações públicas profissionais; e (iii) introdução das sociedades multidisciplinares. Destacamos, em particular, as seguintes alterações:

  • Os estágios profissionais passam a ser obrigatoriamente pagos e com uma duração máxima de 12 meses, a contar da data da inscrição até à sua integração como membro efetivo da associação, ou, excecionalmente, de 18 meses;
  • Criação obrigatória de um provedor dos destinatários dos serviços, que deve ser uma pessoa externa à associação pública profissional;
  • Criação obrigatória de um órgão de supervisão, que zela pela legalidade da atividade exercida pelos órgãos da associação e exerce poderes de controlo e regulação da profissão, sendo composto por representantes da profissão (40%), por membros oriundos da academia da área que habilita o acesso à profissão em causa na respetiva associação pública profissional e não inscritos nessa mesma associação (40%) e os restantes membros cooptados entre entidades externos à associação e que sejam personalidades de reconhecido mérito (20%);
  • Criação obrigatória de um órgão disciplinar, que deve integrar personalidades de reconhecido mérito com conhecimento e experiência relevantes para a respetiva atividade e que não sejam membros da associação pública profissional;
  • Introdução de limitações à eleição para os órgãos dirigentes das associações públicas profissionais, não podendo, nomeadamente, ser eleitos para os órgãos das associações públicas profissionais os associados que integrem órgãos sociais de sindicatos ou associações patronais e prevendo-se como incompatível com o exercício de funções em órgãos das associações públicas profissionais o exercício de funções dirigentes na administração pública.
  • Permissão da constituição de sociedades multidisciplinares de profissionais inscritos em diversas associações públicas profissionais ou de profissionais inscritos ou não inscritos em associações públicas profissionais.

O presente diploma entra em vigor em 27 de abril de 2023, mas apenas produz efeitos 90 dias após a sua publicação (i.e., em 26 de junho de 2023). Ademais, o Governo tem o prazo de 120 dias após a entrada em vigor da presente lei para apresentar uma proposta de lei de alteração dos estatutos das associações públicas profissionais já criadas e demais legislação aplicável ao exercício da profissão, após ouvir cada associação pública profissional.

ALTERAÇÃO AO MECANISMO EXCECIONAL E TEMPORÁRIO DE AJUSTE DOS CUSTOS DE PRODUÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO MERCADO IBÉRICO DE ELETRICIDADE

Decreto-Lei n.º 21-B/2023, de 30 de março (DR 64, Série I, de 30 de Março de 2023)

O Decreto-Lei n.º 21-B/2023, de 30 de março (“Decreto-Lei 21-B/2023”), veio alterar o mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade (“MIBEL”) (“Mecanismo”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio (“Decreto-Lei 33/2022”).

Este Mecanismo veio fixar um preço de referência mitigado para o gás natural consumido na produção de energia elétrica transacionada no MIBEL.

Perante a perspetiva da manutenção do atual cenário geopolítico e económico, e com a cessação de efeitos do Decreto-Lei 33/2022 a 14 de maio de 2023, o Decreto-Lei 21-B/2023 vem prorrogar os efeitos do Mecanismo até 31 de dezembro de 2023, bem como acrescentar novas regras de reporte.

O presente diploma entra em vigor em 31 de março de 2023.

TAXA DE OCUPAÇÃO DE SUBSOLO – Impugnação de ato de repercussão – Norma imediatamente eficaz

Acórdão de 8 de Março de 2023 (Processo n.º 0267/21.0BEALM) – STA

O acórdão em apreço versa sobre uma ação de impugnação do ato de repercussão da taxa de ocupação de subsolo (“TOS”).

Na presente ação, a Autora, consumidora final de gás natural, instaurou a ação contra a comercializadora de gás natural, peticionando a anulação do ato de repercussão da TOS, praticado pela comercializadora de gás natural.

Em concreto, entendeu a Autora que, a partir da LOE de 2017, a repercussão da TOS no consumidor final passou a estar expressamente proibida pelo n.º 3 do artigo 85.º Lei do Orçamento do Estado para 2017, aprovada pela Lei n.º 41/2016, de 28 de dezembro (“LOE 2017”). Assim, sendo, no entender da Autora, esta norma diretamente constitutiva de direitos na esfera do particular, o ato da comercializadoras de gás natural que repercutiu a TOS na fatura de gás natural da Autora seria inválido.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou a ação improcedente e absolveu a Entidade Demandada do pedido, porquanto decidiu que a norma em apreço – o n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 – não era apta a produzir efeitos imediatos, visto que se encontrava dependente da mediação de outras normas para produzir os respetivos efeitos jurídicos. Inconformada com a decisão, a Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”).

Neste contexto, a principal questão que se colocava ao STA era a de saber se a norma contida no n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 era imediatamente eficaz e constitutiva de direitos e se, em consequência, a partir da aprovação desta norma, as comercializadoras passaram a estar proibidos de repercutir a TOS nas faturas dos consumidores finais.

O STA, antes de atender a esta questão, apreciou a constitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 por entender que se poderia tratar de um “cavaleiro orçamental”, visto que não teria qualquer relação com o objeto de uma Lei do Orçamento do Estado, que são questões de natureza financeira ou orçamental, e por tender a vigorar para lá da vigência de uma Lei do Orçamento do Estado. O STA referiu, quanto a este ponto, que embora não exista consenso na doutrina sobre a melhor solução oferecida pelo ordenamento jurídico, ao nível da jurisprudência constitucional, o entendimento tradicional e maioritário vai no sentido da sua validade desde que se verifique uma conexão mínima entre o “cavaleiro orçamental” e a Lei do Orçamento do Estado, conexão esta que o STA considerou que se se verificava no caso concreto.

De seguida, quanto à questão da eficácia imediata da norma, o STA considerou que a norma em apreço tem que ser interpretada como uma proibição expressa e incondicional de repercussão da TOS nos consumidores, a partir da entrada em vigor da LOE 2017, sem necessidade de ser regulamentada para produzir os seus respetivos efeitos jurídico. Com efeito, o STA argumentou, para este efeito, que (i) a norma em apreço era apta a regular de forma direta e imediata a realidade nela contemplada, pois a linguagem utilizada pelo legislador era clara, direta e incondicional; e (ii) nem na norma em causa, nem em qualquer outra norma da mesma lei, se fazia depender a proibição consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da LEO 2017 de quaisquer regulamentações, estudos ou alterações legais.

Neste sentido, o STA decidiu que o ato de repercussão da TOS impugnado era ilegal, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017, pelo que era anulável.

Por conseguinte, o STA decidiu ainda que, além da devolução do montante pago a título de TOS, a Recorrente também teria direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). Efetivamente, tendo o STA decidido que o ato de repercussão da TOS era ilegal e que desse ato ilegal resultou o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não teve dúvidas em afirmar que se verificavam os requisitos de atribuição de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

A questão que se colocava era, então, a de saber se a recorrida, enquanto pessoa coletiva de direito privado (sociedade anónima), poderia considerar-se abrangida pelo artigo 43.º da LGT. A este respeito, o STA considerou que o Estado, ao ter concedido legalmente à sociedade comercializadora de gás natural a possibilidade de repercutir um tributo, a investira de um poder tributário perante os seus clientes, o que configurava ainda uma competência tributária, ainda que de segundo grau.

Neste sentido, o STA entendeu que não se verificava qualquer obstáculo em reconhecer à Recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe fora exigido e pago e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4% desde a data em que o pagamento indevido havia sido realizado.

Pelo exposto, o STA revogou a decisão recorrida e julgou procedente a impugnação apresentada, anulando o ato de repercussão da TOS e condenando a sociedade recorrida a devolver à Recorrente o montante pago a título de TOS, acrescido de juros indemnizatórios.

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