Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português

Julho 2023


1. Direito Digital

  • Utilização de Tecnologia de Reconhecimento Facial
  • Proteção dos Dados Pessoais e Direito ao Esquecimento
  • Tratamento de Dados Pessoais – Direito de Indemnização por Danos Morais
  • Tratamento de Dados Pessoais – Direito de Acesso do Titular dos Dados

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2. Financeiro

  • Normas de Proteção do Consumidor de Serviços Financeiros
  • Modelos de Apresentação de Informação pelas Empresas de Seguros e Resseguros
  • Divulgação de Relatórios sobre a Solvência e a Situação Financeira pelas Empresas de Seguros e de Resseguros
  • Cálculo das Provisões Técnicas e dos Fundos Próprios

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3. Fiscal

  • Benefícios Fiscais - Alterações
  • Startups e Scaleups – Regime fiscal

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4. Laboral

  • Falta por Falecimento de Familiar - Dias Consecutivos - Contrato Coletivo de Trabalho
  • Concorrência entre Portarias de Extensão - instrumento mais recente

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5. Público

  • Regime Excecional de Incentivo à Extinção da Instância nos Tribunais Administrativos e Fiscais

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6. Imobiliário

  • Contrato de Arrendamento para a Habitação - Oposição à Renovação

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1. Direito Digital

UTILIZAÇÃO DE TECNOLOGIA DE RECONHECIMENTO FACIAL

Orientações do Comité Europeu para a Proteção de Dados sobre a utilização de tecnologia de reconhecimento facial pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei, de 26 de abril de 2023

A 17 de maio de 2023, o Comité Europeu para a Proteção de Dados (o “CEPD”) publicou a Versão 2.0 das Orientações 05/2022 que adotou, a 26 de abril de 2023, sobre a utilização de tecnologia de reconhecimento facial pelas autoridades responsáveis pela aplicação da lei (as “Orientações”), especialmente dirigidas aos legisladores, a nível europeu e nacional, bem como às autoridades responsáveis pela aplicação da lei, que implementem e utilizem estas tecnologias.

Assim, as Orientações têm como principal objetivo clarificar algumas das especificidades dos sistemas de reconhecimento facial e o respetivo enquadramento jurídico no contexto da atividade das referidas autoridades, em particular, considerando (i) a aplicação integrada da Diretiva (UE) 2016/860 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, e à livre circulação desses dados (a “Diretiva LED”); e (ii) a compatibilidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em especial na observância do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 52.º.

Neste sentido, o CEPD reitera que os requisitos estabelecidos na Diretiva LED devem ser cumpridos, nomeadamente os que se encontram previstos nos artigos 4.º (princípios relativos ao tratamento de dados pessoais); 8.º (licitude do tratamento); 10.º (tratamento de categorias especiais de dados pessoais); e 11.º (decisões individuais automatizadas). Acrescenta ainda que a utilização de dados biométricos, com vista a assegurar o cumprimento da lei, exige que a legislação nacional estabeleça um fundamento jurídico adequado para o tratamento desses dados, considerados dados sensíveis. Ou seja, o legislador deve autorizar a autoridade em causa a tratar dados pessoais sensíveis para uma finalidade específica, uma vez que não basta que se invoque um objetivo de interesse geral, que não justifica, por si só, a restrição de direitos fundamentais.

Em conclusão, o CEPD afirma que compreende a necessidade de as autoridades responsáveis pela aplicação da lei beneficiarem das melhores ferramentas para identificar rapidamente os autores de atos terroristas e outros crimes graves, embora dentro do estrito cumprimento do regime jurídico aplicável. Nomeadamente, o CEPD identifica certas utilizações de tecnologias de reconhecimento facial que considera representarem um risco elevado e “inaceitável” para os direitos dos titulares dos dados, apelando, por isso, à sua proibição geral: (i) a identificação biométrica à distância de pessoas que se encontrem em zonas acessíveis ao público; (ii) os sistemas de reconhecimento facial apoiados por inteligência artificial que categorizam as pessoas em grupos, com base nos seus dados biométricos, de acordo com a etnia, o género, a orientação política, sexual ou outros motivos de discriminação; (iii) a utilização do reconhecimento facial ou de tecnologias semelhantes para inferir as emoções de uma pessoa; e (iv) o tratamento de dados pessoais num contexto de aplicação da lei, com recurso a bases de dados que contenham dados pessoais recolhidos em grande escala e de forma indiscriminada.

PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS E DIREITO AO ESQUECIMENTO

Acórdão de 2 de maio de 2023 (Processo 12234/21.0T8LSB.L1-7) - TRL

No caso subjacente ao presente acórdão, AB (o “Requerente”) instaurou uma providência cautelar contra a WIKIMEDIA FOUNDATION, INC. (a “Requerida”) e contra incertos (em conjunto os “Requeridos”), para que a Requerida fosse condenada a proceder ao encerramento imediato de determinadas páginas na Wikipédia, ou outras que viessem a ser criadas, com a sua biografia, por considerar que o conteúdo destas páginas (i) atentava contra o seu bom nome, honra e imagem; (ii) constituía uma biografia não autorizada; e (iii) continha factos falsos e insinuações que ofendiam a sua reputação.

Adicionalmente, o Requerente pediu ao tribunal: i) a condenação da Requerida na identificação dos editores que acrescentaram conteúdo às referidas páginas; e ii) que os Requeridos fossem condenados a absterem-se de fazer qualquer publicação ou edição às páginas, bem como de criarem novas páginas ou plataformas digitais com conteúdo sobre o Requerente. Não obstante, caso o tribunal não considerasse procedente nenhum dos pedidos anteriores, o Requerente pediu ainda que a Requerida fosse condenada a eliminar o conteúdo ofensivo descrito e indicado pelo mesmo.

Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a providência totalmente improcedente, com base no entendimento de que a questão central no caso em apreço consiste em saber como resolver o conflito entre os direitos ao bom nome e reputação, por um lado, e os direitos à liberdade de expressão e comunicação, por outro. Quanto a este ponto, considerou o tribunal de primeira instância que, para além do Recorrente ser uma figura pública, estatuto que aumenta o interesse nas informações que sobre si circulam, também não se poderia considerar que estivessem em causa quaisquer ataques pessoais desproporcionados ou gratuitos. Ao fazer um balanço sobre os interesses em causa, o tribunal de primeira instância decidiu pela prevalência do direito à liberdade de expressão.

Inconformado com a decisão, o Requerente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa (o “TRL”), por considerar, entre outros argumentos, que, (i) não se poderia reconhecer um direito de liberdade de expressão da Wikipédia, uma vez que as pessoas responsáveis pelas publicações não são passíveis de identificação e por isso escrevem a coberto do anonimato; e que (ii) em situação de conflito de direitos fundamentais, deveria prevalecer o seu direito à honra. Além disto, o Requerente invocou a sua legitimidade para exercer o direito ao esquecimento, e por conseguinte, o direito a exigir que os seus dados pessoais fossem apagados da internet, ou pelo menos, não publicados.

Neste seguimento, o TRL decidiu ampliar o enquadramento legal do caso, de modo a que o regime previsto no Regulamento Geral de Proteção de Dados (o “RGPD”) fosse tido em consideração. A este respeito, considerou o TRL que (i) as biografias das páginas da Wikipédia integram o conceito de dados pessoais; (ii) existiu um tratamento de dados pessoais (as referidas biografias foram redigidas com base na recolha, organização e disponibilização de dados pessoais do Requerente); e (iii) existe uma responsabilidade conjunta pelo tratamento, dividida entre a Requerida e os Requeridos (i.e. os criadores e editores), uma vez que a Wikipédia é um projeto de enciclopédia colaborativa.

Posto isto, o TRL apurou a licitude do tratamento dos dados pessoais do Requerente, afirmando que deve ser efetuado um teste de ponderação no sentido de determinar qual dos interesses prevalece – se o interesse legítimo do tratamento dos dados ou, pelo contrário, os direitos ou liberdades fundamentais do titular dos dados. Quanto a este ponto, embora reconhecendo que a circunstância de o Requerente ser uma figura pública determinaria desde logo maior pressão sobre a sua esfera privada, o TRL alerta para o facto de que deve distinguir-se entre o interesse público tutelável e a mera curiosidade ilegítima do público. Invocando o artigo 9.º do RGPD, que visa evitar efeitos discriminatórios contra pessoas singulares em razão, entre outras, de opiniões políticas, e cuja proibição só não se aplicaria, neste caso, se o tratamento se referisse a dados pessoais manifestamente tornados públicos pelo Requerente – o que não se verificou –, o TRL condenou este tratamento por parte da Requerida e dos Requeridos.

No mesmo sentido, o TRL decidiu que todas as informações inverídicas constantes de biografias em páginas da internet deverão ser removidas, não tendo sido provada a boa fé por parte dos colaboradores da Requerida que inseriram tais informações.

Relativamente à efetividade do direito ao esquecimento, invocado pelo Requerente, o TRL sustentou, através de um juízo de proporcionalidade, que a divulgação de factos alegadamente ocorridos, de índole criminal, e sua tramitação processual penal, não implica mais benefícios para o interesse geral do que prejuízos para o Requerente visado pelos mesmos. Conclui, assim, que não se mostra necessária a divulgação de tal informação, devendo prevalecer o direito ao esquecimento.

Não obstante, no que às informações diretamente relacionadas com a esfera pública de atuação diz respeito, o TRL considerou que os direitos do Requerente deveriam ser comprimidos em benefício do exercício da liberdade de expressão, uma vez que o conhecimento pelo público de tais matérias está indissociavelmente ligado e justificado pela assunção do estatuto de figura pública, que tem como reverso um escrutínio acrescido por parte do público em geral justificado, por exemplo, pela necessidade de saber se a atividade empresarial  desenvolvida pelo Requerente observa padrões éticos e legais idóneos.

Em suma, ao contrário do tribunal de primeira instância, o TRL decidiu em sentido favorável à procedência parcial da providência cautelar, considerando-a idónea para evitar a continuação da lesão dos direitos de personalidade do Requerente.

TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS – DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Acórdão de 4 de maio de 2023 (Processo C-300/21) - TJUE

O presente acórdão tem subjacente um pedido de decisão prejudicial cujo objeto é a interpretação do artigo 82.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD”).

Este pedido surge no âmbito de um litígio que opõe a Österreichische Post AG e UI, cidadão austríaco, a respeito de um recurso interposto por este último destinado a obter uma indemnização por danos morais que afirma ter sofrido devido ao tratamento por aquela sociedade de dados relativos às suas afinidades políticas, apesar de o mesmo não ter dado consentimento a esse tratamento.

Desde 2017, a Österreichische Post AG exerce a atividade de venda de endereços, recolhendo informações sobre as afinidades políticas da população austríaca. Os dados recolhidos permitem à Österreichische Post AG estabelecer que determinado cidadão tem um grau de afinidade com determinado partido político austríaco. Contudo, o tratamento dos dados não é comunicado a terceiros.

UI, cidadão austríaco, que não tinha consentido no tratamento dos seus dados pessoais, vem alegar que sentiu uma forte perturbação, perda de confiança e exposição devido ao facto de ter sido estabelecida uma afinidade particular entre si e um determinado partido político. Neste contexto, vem pedir aos tribunais austríacos que cesse o tratamento dos dados pessoais em questão e o pagamento da quantia de mil euros de indemnização por danos imateriais. O Tribunal Cível Regional de Viena deferiu o pedido de cessação do tratamento em causa, mas indeferiu o pedido de indemnização.

Chamado a pronunciar-se em sede de recurso, o Supremo Tribunal Austríaco, tendo dúvidas quanto ao alcance do direito de indemnização previsto no RGPD, decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”): (i) se a concessão de uma indemnização nos termos do artigo 82.º do RGPD exige, a par da violação das disposições do RGPD, que o recorrente tenha sofrido um dano ou a violação de disposições do RGPD é suficiente, por si só; (ii) para efeitos da avaliação da indemnização, existem outros requisitos do direito da União além dos princípios da efetividade e da equivalência e (iii) se é compatível com o direito da União o entendimento de que a concessão de uma indemnização por danos (imateriais) pressupõe a existência de uma consequência ou efeito da violação do direito que tenha alguma gravidade e que vá além do descontentamento causado pela violação do direito.

Na decisão proferida em 4 de maio de 2023, o TJUE começa por esclarecer que a interpretação do artigo 82.º do RGPD deve ser feita no sentido de não se considerar que toda e qualquer “violação” das disposições deste regulamento confere, por si só, o direito de indemnização ao titular dos dados, resultando da redação daquele artigo que a existência de um “dano” ou de um “prejuízo” que foi “sofrido” constitui uma das condições do direito de indemnização, tal como a existência de uma violação do RGPD e de um nexo de causalidade entre esse dano e essa violação, sendo essas três condições cumulativas.

Em seguida, vem o TJUE afirmar que subordinar a indemnização por um dano imaterial a um certo limiar de gravidade poderia prejudicar a coerência do regime instituído pelo RGPD, uma vez que a graduação desse limiar, de que dependeria, ou não, a possibilidade de obter a referida indemnização, seria suscetível de variar em função da apreciação dos juízes. Salientando, no entanto, que esta interpretação não deve ser entendida no sentido de que um titular dos dados, afetado negativamente pela violação do RGPD, esteja dispensado de demonstrar que essas consequências negativas constituem um dano imaterial, na aceção do artigo 82.º.

Em síntese, o  TJUE chega à conclusão de que o artigo 82.º n.º 1 do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que:

  1. a simples violação das disposições deste não é suficiente para conferir um direito de indemnização;
  2. se opõe a uma norma ou a uma prática nacional que subordina a indemnização de um dano imaterial, na aceção desta disposição, à condição de o dano sofrido pelo titular dos dados atingir um certo grau de gravidade; e
  3. os juízes nacionais devem aplicar as normas internas de cada Estado-Membro relativas ao alcance da indemnização pecuniária, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade do direito da União Europeia.

TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS – DIREITO DE ACESSO DO TITULAR DOS DADOS

Acórdão de 4 de maio de 2023 (Processo C-487/21) - TJUE

O presente acórdão tem subjacente um pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação do artigo 15.º do Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD”).

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe F.F à Österreichische Datenschutzbehörde (Autoridade Austríaca de Proteção de Dados), a propósito da recusa desta última de impor à CRIF GmbH (“CRIF”) uma sanção pela violação do RGPD no que diz respeito ao exercício do direito de acesso previsto no artigo 15.º daquele diploma.

A CRIF é uma agência de consultoria empresarial que presta, a pedido dos seus clientes, informações sobre a solvabilidade de terceiros. Para esse feito procedeu ao tratamento dos dados pessoais do recorrente no processo principal, tendo este último pedido à CRIF para ter acesso aos dados pessoais que lhe dizem respeito. Além disso, pediu que lhe fosse fornecido uma cópia dos documentos, nomeadamente mensagens de correio eletrónico e extratos de bases de dados que contenham, nomeadamente, os seus dados “num formato técnico de uso corrente”. Em resposta a este pedido, a CRIF enviou ao recorrente no processo principal, de forma sintética, a lista dos seus dados pessoais em fase de tratamento. 

Considerando que o CRIF lhe devia ter enviado uma cópia de todos os documentos contendo os seus dados, como dados provenientes de e-mails e extratos bancários, o requerente no processo principal apresentou uma queixa à Österreichische Datenschutzbehörde. A autoridade rejeitou a queixa, argumentando que o CRIF não infringiu de forma alguma o direito de acesso do requerente no processo principal aos seus dados pessoais.

O Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), no julgamento da ação interposta pelo requerente no processo principal e contra a decisão da autoridade de proteção de dados pessoais, submete ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) um conjunto de questões prejudiciais relativas ao alcance do artigo 15.º n.º 3 do RGPD, em particular se este artigo deve ser interpretado no sentido de que o direito de obter uma cópia dos dados pessoais em fase de tratamento implica que seja entregue ao titular dos dados, não só uma cópia desses dados, mas também uma cópia de extratos de documentos ou de documentos completos ou ainda de extratos de bases de dados que contenham, nomeadamente, os referidos dados.

A este respeito, na decisão proferida em 4 de maio de 2023, o TJUE considera que, nos termos do artigo 15.º n.º 3 do RGPD, o titular deve receber uma reprodução fiel e inteligível de todos os seus dados.

Neste contexto, o Tribunal realiza uma interpretação literal, sistemática e teleológica do primeiro período do artigo 15, nº 3, do RGPD, que prevê o direito do titular dos dados de obter uma cópia dos seus dados pessoais em processo. Embora referindo que não existe uma definição do termo “cópia”, vem explicar que se deve ter em consideração o significado usual desse termo, ou seja, que se deve tratar de uma reprodução ou transcrição fiel. Salienta que este direito pressupõe o direito de obter a cópia de extratos de documentos ou de documentos completos ou ainda de extratos de bases de dados que contenham, nomeadamente, os referidos dados, se o fornecimento dessa cópia for indispensável para permitir ao titular dos dados exercer efetivamente os direitos que lhe são conferidos pelo RGPD, sendo de sublinhar que devem ser tidos em conta, a este respeito, os direitos e liberdades de terceiros. 

Acresce que o Tribunal a respeito do conceito de “informação” que consta do terceiro período do n.º3 do artigo 15.º do RGPD, vem esclarecer que deve ser interpretado no sentido de referir-se exclusivamente aos dados pessoais cuja cópia o responsável pelo tratamento deve fornecer em conformidade com o primeiro período desse número.

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2. Financeiro

NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR DE SERVIÇOS FINANCEIROS

Lei n.º 24/2023, de 29 de maio (DR 103, Série I, de 29 de maio de 2023)

A Lei n.º 24/2023, de 24 de maio (a “Lei”) aprovou um conjunto de novas normas de proteção do consumidor de serviços financeiros alterando, para tal, os Decretos-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro, 74-A/2017, de 23 de junho, 80-A/2022, de 25 de novembro, e 27-C/2000, de 10 de março, e ainda a Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro.

Fundamentalmente, a Lei vem impor limitações aos montantes que as instituições de crédito podem cobrar aos seus clientes e ao modo como o podem fazer. São exemplos destas medidas de proteção dos consumidores, nomeadamente, (i) a proibição de cobrança de comissões nos procedimentos de habilitação de herdeiros que, com a entrada em vigor da Lei, não poderão ser superiores a 10 % do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) no âmbito de processos de habilitação de herdeiros por óbito de um titular de conta de depósito à ordem ou (ii) a cobrança de comissões, por alteração da titularidade de conta de depósito à ordem, em situações como (mas não limitadas a) divórcio, separação judicial de pessoas e bens, dissolução da união de facto ou falecimento de um dos cônjuges, remoção de titulares de conta de depósito à ordem, quando estes sejam os representantes legais de outro titular que tenha atingido a maioridade e inserção ou remoção de titulares de conta de depósito à ordem em que um dos titulares seja menor, maior acompanhado ou se encontre insolvente, quando esses titulares sejam representantes legais do titular nas referidas situações.

As instituições de crédito ficam igualmente proibidas de cobrar comissões pela emissão de fotocópias de documentos da instituição que respeitem ao consumidor e pela emissão de segunda via de extratos bancários ou outros documentos. Também no âmbito do depósito de moedas, as instituições de crédito não podem cobrar comissões superiores a 2% do valor da operação e qualquer comissão cobrada pelo serviço de envio de fundos para contas de moeda eletrónica não pode ser superior à comissão cobrada pelo serviço de transferência. Ainda, no caso de incumprimento, num mesmo mês, do pagamento de prestações relativas a contratos de crédito distintos, mas garantidos por uma mesma garantia, as instituições de crédito apenas podem cobrar a comissão associada ao incumprimento que ocorrer em primeiro lugar.

Finalmente, são ainda estabelecidas limitações à cobrança de comissões da seguinte espécie: (i) nos 14 dias seguintes ao termo de um contrato de crédito, o credor emite e envia ao consumidor o respetivo distrate, não podendo cobrar comissões por esse ato; (ii) o credor não pode imputar ao consumidor a despesa adicional em que incorra caso opte por emitir o documento para cancelamento da hipoteca através de forma distinta da prevista no Código de Registo Predial; (iii) o mutuante só pode cobrar uma única comissão pela análise e decisão relativa à concessão de crédito (sem prejuízo da cobrança de comissões ou despesas adicionais pela avaliação do imóvel); (iv) as transferências intrabancárias, as transferências efetuadas através de caixas automáticos, 48 transferências interbancárias, por cada ano civil, efetuadas através de homebanking ou de aplicações próprias, 5 transferências, por cada mês, com o limite de 30 euros por operação, realizadas através de aplicações de pagamento operadas por terceiros, quando, anualmente, no seu conjunto, representem valor superior ao equivalente a 1 % do valor do indexante dos apoios sociais.

Por último, a Lei consagra uma proibição de repercussão nos consumidores, através de comissões ou outros encargos, dos eventuais encargos ou cessação de receitas decorrentes das alterações previstas na presente lei. O incumprimento desta norma é punida com coima nos montantes estabelecidos nos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, sendo a fiscalização, a instrução dos processos de contraordenação e a aplicação das respetivas coimas da competência do Banco de Portugal.

MODELOS DE APRESENTAÇÃO DE INFORMAÇÃO PELAS EMPRESAS DE SEGUROS E RESSEGUROS

Regulamento de Execução (UE) 2023/894 da Comissão, de 4 de abril de 2023

O Regulamento de Execução (UE) 2023/894 da Comissão de 4 de abril de 2023 (o “Regulamento”) estabelece normas técnicas de execução relativas à aplicação da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita aos modelos para a apresentação pelas empresas de seguros e de resseguros às suas autoridades de supervisão das informações necessárias para efeitos de supervisão e revoga o Regulamento de Execução (UE) 2015/2450.

De modo a assegurar que os requisitos de comunicação de informações (aspeto essencial para o exercício dos poderes de supervisão) se mantêm atualizados e refletem os riscos emergentes e a evolução das práticas, o presente Regulamento procede a uma revisão substancial dos modelos de comunicação de informações previstos no Regulamento de Execução (UE) 2015/2450.

De resto, o Regulamento assinala que as atividades transfronteiriças, embora não sejam intrinsecamente mais arriscadas, acrescentam outro nível de complexidade e, nesse sentido uma supervisão eficaz pressupõe que todos os tomadores do seguro e beneficiários sejam tratados da mesma maneira, independentemente da sua nacionalidade ou local de residência. Assim, a fim de facilitar a realização deste objetivo, os modelos transfronteiriços até então em vigor são substituídos por novos modelos de comunicação de informações que consolidam o requisito de informação, passando a englobar as informações sobre prémios, sinistros e despesas, tanto por localização da subscrição do seguro como pela localização do risco.

Mostrou-se também necessário estabelecer um requisito legal mínimo no que diz respeito à extensão das informações sobre os riscos relacionados com as alterações climáticas a comunicar às autoridades de supervisão, pelo que o Regulamento estabelece que as empresas de seguros e de resseguros devem fornecer às autoridades de supervisão uma visão global da respetiva quota-parte de investimentos expostos à transição relacionada com as alterações climáticas e ao risco físico.

Ao nível dos produtos do Ramo Não Vida, verificou-se alguma falta de detalhe relativamente à informação disponibilizada aos consumidores, que se reflete na proteção dos tomadores do seguro. Por conseguinte, as autoridades de supervisão devem dispor de informações claras ao nível das categorias de produtos. Com essa finalidade, o Regulamento introduz um novo modelo de análise das obrigações do Ramo Não Vida para a comunicação de informações por ramo de atividade, com poucas exceções comunicadas por categoria de produtos.

Considerando também os crescentes riscos de cibersegurança a que as empresas de seguros e resseguros cada vez mais estão expostas, o Regulamento inclui um novo modelo de comunicação de informações sobre a subscrição do risco de cibersegurança, de modo a que as autoridades de supervisão possam ter em conta tais riscos.

Dado ainda que as empresas de seguros e de resseguros cativas apresentam um perfil de risco específico que deve ser tido em conta na definição dos requisitos de comunicação de informações, estas devem, por conseguinte, poder beneficiar de mecanismos específicos de comunicação de informações baseados no risco, tal como dispõe o Regulamento.

Finalmente, de modo a que os requisitos de comunicação de informações não sejam ser excessivamente onerosos para as empresas de seguros e de resseguros, o Regulamento especifica a forma como os requisitos de comunicação de informações se aplicam de forma proporcional, sem comprometer a qualidade dos dados a fornecer pelas empresas de seguros e de resseguros.

DIVULGAÇÃO DE RELATÓRIOS SOBRE A SOLVÊNCIA E A SITUAÇÃO FINANCEIRA PELAS EMPRESAS DE SEGUROS E DE RESSEGUROS

Regulamento de Execução (UE) 2023/895 da Comissão, de 4 de Abril de 2023

O Regulamento de Execução (UE) 2023/895 da Comissão, de 4 de Abril de 2023(o “Regulamento”) estabelece normas técnicas de execução para a aplicação da Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita aos procedimentos, formatos e modelos para a divulgação pelas empresas de seguros e de resseguros do seu relatório sobre a solvência e a situação financeira e revoga o Regulamento de Execução (UE) 2015/2452 (o “Regulamento Revogado”).

A divulgação de informações é uma condição prévia fundamental para a proteção dos tomadores do seguro. É, portanto, essencial que o alinhamento entre os requisitos de comunicação e de divulgação promova essa proteção, bem como a supervisão baseada nos riscos. Nesse sentido, as alterações às informações transfronteiriças e a outros domínios no contexto das atualizações dos requisitos de comunicação de informações devem também refletir-se nos requisitos de divulgação, tal como estabelece o presente Regulamento.

De modo a melhorar a qualidade, a comparabilidade e a legibilidade das informações divulgadas, os modelos contidos no Regulamento Revogado relativos ao requisito de capital de solvência foram agora atualizados. Para as empresas de seguros e de resseguros que utilizam modelos internos parciais ou totais para calcular os seus requisitos de capital de solvência, tal atualização deve conter de forma mais abrangente os benefícios da diversificação entre módulos de risco separados.

Os requisitos de divulgação não devem ser excessivamente onerosos para as empresas de seguros e de resseguros. Para o efeito, o Regulamento especifica a forma como os requisitos de divulgação se aplicam de forma proporcionada, sem comprometer a qualidade dos dados a fornecer pela empresa de seguros e de resseguros. Ainda, a fim de assegurar que os requisitos de divulgação continuam a ser pertinentes e fornecem informações de elevada qualidade aos tomadores de seguros e a outras partes interessadas, o Regulamento introduz uma revisão substancial dos modelos de divulgação contidos no Regulamento Revogado.

CÁLCULO DAS PROVISÕES TÉCNICAS E DOS FUNDOS PRÓPRIOS

Regulamento de Execução (UE) 2023/967 da Comissão, de 16 de Maio de 2023

O Regulamento de Execução (UE) 2023/967 da Comissão, de 16 de maio de 2023 (o “Regulamento”), estabelece as informações técnicas para o cálculo das provisões técnicas e dos fundos próprios de base para efeitos de relato com uma data de referência compreendida entre 31 de março de 2023 e 29 de junho de 2023, em conformidade com a Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício.

A fim de garantir condições uniformes de cálculo das provisões técnicas e dos fundos próprios de base pelas empresas de seguros e de resseguros para efeitos da Diretiva 2009/138/CE, o presente Regulamento estabelece para cada data de referência informações técnicas sobre as estruturas pertinentes das taxas de juro sem risco para os diferentes prazos e os spreads fundamentais para o cálculo do ajustamento compensatório e do ajustamento à volatilidade.

As empresas de seguros e de resseguros devem utilizar as informações técnicas, que se baseiam em dados de mercado relacionados com o final do último mês que precede a primeira data de referência à qual se aplica o presente regulamento. É ainda necessário que as empresas de seguros e de resseguros utilizem as mesmas informações técnicas para o cálculo das provisões técnicas e dos fundos próprios de base, independentemente da data em que efetuam o relato às autoridades competentes.

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3. Fiscal

BENEFÍCIOS FISCAIS - ALTERAÇÕES

Lei n.º 20/2023, de 17 de maio (DR 95, Série I, de 17 de maio 2023)

A Lei n.º 20/2023, de 17 de maio 2023 (“Lei n.º 20/2023”) vem alterar o regime de vários benefícios fiscais, nomeadamente, constantes do Código do Imposto sobre Veículos (“CISV”), da Lei n.º 21/2021, de 20 de abril (“Lei 21/2021”), do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), o Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), o Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”) e o Código dos Impostos Especiais de Consumo (“CIEC”).

Deste modo, quanto ao CISV, a presente lei vem alterar os artigos 7.º e 9.º, passando a aplicar as taxas de imposto previstas no regime aí estabelecido às autocaravanas e, mais ainda, vem revogar o n.º 2 do artigo 8.º do mesmo código, que estabelecia um regime especial relativamente aos veículos fabricados antes de 1970.

Por sua vez, veio a lei alterar o artigo 8.º da Lei n.º 21/2021, que altera o EBF, o CIS, o Código Fiscal do Investimento (“CFI”), o CISV e o Código do Imposto Único de Circulação e cria uma medida extraordinária de contagem de prazos no âmbito do IRC.

Já no que diz respeito ao CIRC, altera o artigo 50.º-A - relativo aos rendimentos de direitos de autor e de direitos de propriedade industrial na determinação do lucro tributável - bem como o artigo 92.º - quanto ao regime de incentivo à valorização salarial, o benefício fiscal à criação líquida de postos de trabalho e aos donativos de bens alimentares efetuados ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não governamentais sem fins lucrativos.

No que diz respeito ao EBF, a Lei n.º 20/2023 vem alterar os artigos 3.º, 28.º, 39.º-A e 43.º-D e, quanto ao CIVA altera a verba 2.3 da lista ii anexa ao referido diploma.

Por fim, quanto ao CIEC, altera o artigo 93.º e revoga a alínea j) do n.º 1 do artigo 89.º e os n.ºs 2 e 4 do artigo 93.º desse diploma.

A presente lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, i.e. 18 de maio 2023, eproduziu efeitos a partir de 1 de julho de 2023, sem prejuízo das seguintes especificidades: (a) a alteração ao artigo 50.º-A do CIRC, nos termos do artigo 4.º da presente lei, produz efeitos desde a data de entrada em vigor da Lei 12/2022, de 27 de junho, i.e. 28 de junho de 2022; (b) a prorrogação do artigo 58.º do EBF, nos termos do artigo 10.º, produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022; (c) a prorrogação do artigo 62.º-A do EBF, nos termos do artigo 10.º, produz efeitos desde 1 de janeiro de 2023; (d) a alteração à alínea e) do n.º 2 do artigo 7.º e ao n.º 3 do artigo 9.º do CISV, na redação dada pelo artigo 2.º da presente lei, produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024.

STARTUPS E SCALEUPS – Regime fiscal

Lei n.º 21/2023, de 25 de maio (DR 101, Série I, de 25 de maio de 2023)

A Lei n.º 21/2023, de 25 de maio de 2023 vem estabelecer o regime aplicável às startups e scaleups, introduzindo alterações ao CIRS, ao EBF e ao CFI.

Deste modo, o diploma em referência define os conceitos legais de startup, scaleup, business angels e estabelece o procedimento de reconhecimento, manutenção e cessação do estatuto de startup ou scaleup.

Por conseguinte, tal regime levou a alterações (i) ao artigo 72.º do CIRS, relativo à tributação à taxa autónoma de 28%; (ii) ao artigo 43.º-C do EBF, relativo ao incentivo fiscal à aquisição de participações sociais de startups; e (iii) aos artigos 37.º, 37.º -A e 38.º do CFI, relativos ao sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial.

A presente lei produz efeitos desde 1 de janeiro de 2023, sem prejuízo das seguintes especificidades: (a) o regime aplicável às startups e scaleups produz efeitos 180 dias após a data da sua publicação, i.e. 25 de maio de 2023; (b) as alterações ao artigo 43.º-C do Estatuto dos Benefícios Fiscais aplicam-se igualmente a planos aprovados até 31 de dezembro de 2022, desde que atribuídos por entidades que, no prazo de 12 meses após a entrada em vigor da presente lei, sejam reconhecidas como startup, ou, possam demonstrar que na data da aprovação do plano eram qualificadas como startup; e (c) as alterações ao CFI produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2024.

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4. Laboral

FALTA POR FALECIMENTO E FAMILIAR - DIAS CONSECUTIVOS - CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO

Acórdão de 17 de maio de 2023 (DR 95/2023, Série I de 17 de maio de 2023)

No processo em análise, uma Empresa intentou uma ação especial de interpretação do contrato coletivo de trabalho (“CCT”) aplicável às suas relações laborais contra os respetivos outorgantes (i.e., a associação de empregadores (a Associação dos Industrias Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portuga - AIMMAP, e o Sindicato Nacional da Indústria e Energia - SINDEL), pedindo que fosse proferida decisão no sentido de que a menção a “dias consecutivos” na cláusula 82.ª do CCT, relativa a falta por falecimento de familiar, não pode ser interpretada como referindo-se apenas “dias úteis” ou a “dias de trabalho”, mas antes a dias consecutivos de calendário. Em primeira instância, o Tribunal acolheu esta interpretação.

Inconformado, o Sindicato interpôs recurso de apelação para o TRP, cuja decisão – com um voto de vencido – o julgou procedente, determinando que a expressão “dias consecutivos” deveria ser entendida por referência ao conceito de falta previsto no artigo 248.º do Código do Trabalho e, consequentemente, dizer respeito apenas a dias consecutivos de falta ao trabalho e não a dias consecutivos de calendário.

Na sequência desta decisão, Empresa e AE interpuseram recurso de revista para o STJ, que revogou o acórdão do TRP por considerar – a partir do elemento literal da norma – que se os outorgantes do CCT tivessem querido dar à expressão “dias consecutivos” outro significado que não o de dias de calendário, tê-lo-iam feito, como fizeram, aliás, noutras cláusulas do CCT, nas quais se utilizam, para diferentes situações, as expressões “dias úteis”, “dias seguidos” e “dias úteis consecutivos”.

O STJ acrescentou, ainda e com especial ênfase, que uma interpretação diversa da acolhida determinaria uma manifesta discriminação entre os trabalhadores abrangidos pelo CCT, na medida em que beneficiaria aqueles que gozassem o seu descanso aos fins-de-semana (face aos que gozam o seu descanso em dias úteis) ou aqueles que apenas trabalhassem a tempo parcial ou em regime de horário concentrado (face aos que trabalham cinco ou seis dias por semana).

CONCORRÊNCIA ENTRE PORTARIAS DE EXTENSÃO - INSTRUMENTO MAIS RECENTE

Acórdão de 10 de maio de 2023 (Processo n.º 2051/21.2T8LRA.C1.S1) – STJ

O Acórdão em apreço foi proferido no contexto de uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento intentada por uma trabalhadora (“Autora”) contra uma empresa (“”), até então sua empregadora, e debruça-se essencialmente sobre a questão da determinação do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (“IRCT”) concretamente aplicável à relação laboral entre ambas, num contexto em que haveria dois IRCT potencialmente aplicáveis às partes.

As diferentes instâncias ofereceram soluções distintas para a determinação do contrato coletivo de trabalho (“CCT”) aplicável à relação de trabalho entre a Autora e a Ré: por um lado, em sede de 1.ª instância, o Tribunal entendeu que a escolha do CCT aplicável competia à Autora, ao abrigo do disposto no artigo 497.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Por sua vez, em sede de recurso de apelação, o TRL, rejeitou a possibilidade de escolha do CCT aplicável por parte da Autora com base naquele normativo, por os IRCT ali em causa terem sido objeto de portaria de extensão, as quais concorrem entre si. Nesse contexto, o TRL pugnou no sentido de a aferição da convenção coletiva aplicável ser determinada pela aplicação da mais recente portaria de extensão, por ser o que resulta da aplicação das regras constantes dos artigos 483.º, n.º 2, e 482., n.º 2 e 4, ambos do Código do Trabalho.

Neste particular, por “mais recente” portaria de extensão, o TRL veio a determinar que se deve entender a portaria de extensão mais recentea cada momento da relação de trabalho.

Finalmente, concordando que não estaria em causa a possibilidade de escolha do IRCT pela trabalhadora nos termos do artigo 497.º do Código do Trabalho, mas afastando-se da interpretação do TRL, o STJ concluiu que, para efeitos de aferição do CCT aplicável, deveria ser considerada a portaria de extensão mais recente à data de celebração do contrato de trabalho entre a Autora e a Ré (uma vez que é nessa data que se define o CCT aplicável à relação laboral) e que outra solução poderia levar à instabilidade quanto ao regime coletivo aplicável àquela relação.

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5. Público

REGIME EXCECIONAL DE INCENTIVO À EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS

Decreto-Lei n.º 30/2023, de 5 de maio (DR 87, Série I, de 5 de maio de 2023)

O Decreto-Lei n.º 30/2023, de 5 de maio (“Decreto-Lei 30/2023”), vem estabelecer um regime excecional de incentivo à extinção da instância nos tribunais administrativos e fiscais, mediante confissão, desistência, transação ou acordo, aplicável até 14 de setembro de 2026.

Os processos que corram termos na jurisdição administrativa e fiscal e que terminem mediante confissão, desistência, transação ou acordo estão dispensados do pagamento de 25% do montante de taxas de justiça, através de reembolso a ser requerido por requerimento no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão do tribunal.

O presente diploma entrou em vigor no dia 6 de maio de 2023.

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6. Imobiliário

CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA A HABITAÇÃO - OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO

Acórdão de 4 de maio de 2023 (Processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1) - TRP

No acórdão de 4 de maio de 2023 do TRP, discute-se essencialmente a interpretação a dar ao artigo 1096.º n.º1 do Código Civil, que estabelece que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (...)”.

Mais concretamente, coloca-se a questão de saber se a expressão “salvo estipulação em sentido contrário” deve ser interpretada no sentido de apenas se reportar à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato ou se se reporta inclusivamente à possibilidade de as partes, não se opondo à renovação, poderem estabelecer um período inferior aos três anos.

Por outras palavras, não há dúvidas de que as partes podem afastar o regime da renovação automática. O que está em causa é compreender se o legislador pretendeu consagrar, quanto ao prazo de renovação, um regime imperativo.

A questão é controversa na jurisprudência, tendo surgido com a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro (“Lei 13/2019”) que, entre outras alterações, alterou o referido artigo 1096.º do Código Civil - até à entrada em vigor da Lei 13/2019, não havia dúvidas de que as partes podiam estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações.

O tribunal, no caso sub judice, vem decidir que, no que diz respeito ao prazo de renovação, estamos perante um regime de imperativo, com base nos seguintes fundamentos: (i) “ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação”; e (ii) da conjugação do artigo 1096.º com o artigo 1097.º n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, parece resultar que o legislador pretendeu que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos.

Para maiores desenvolvimentos, remete-se para o Foro de Actualidad Jurídica Uría Menéndez, 61, marzo 2023, pp. 148-155, onde o tema foi analisado a propósito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de janeiro de 2023, que sustentou (apesar de forma pouco clara) no sentido de que o prazo de renovação de três anos tem natureza supletiva.

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