Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português
24 de setembro 2025
1. Contencioso Civil e Penal
- Alteração das regras relativas à distribuição de processos
2. Concorrência
- AdC - Sanção Por Alegada Fixação de Preços - Associação Setorial
- AdC - Sanção Por Alegado Abuso de Posição Dominante No Mercado Da Distribuição E Comercialização De Bananas Da Madeira
3. Financeiro
- Alterações Regulatórias Relativas Às Centrais De Valores Mobiliárias, Contrapartes Centrais E Entidades Gestoras De Mercados, Sistemas E Serviços;
- Alterações Regulatórias No Regime Da Prevenção Do Branqueamento De Capitais E Do Financiamento Do Terrorismo;
- Reforço Dos Deveres De Informação No Setor Dos Pagamentos De Retalho;
- Créditos Bancários Não Produtivos.
4. Fiscal
- IRS – Tabelas de Retenção da Fonte
- IRS – Alterações ao Código do IRS
- Taxa agravada de IMT – Entidade Dominada ou Controlada por Entidade com Domicílio Fiscal em País, Território ou Região Sujeito a um Regime Fiscal Mais Favorável
- Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário – Declaração de Inconstitucionalidade com Força Obrigatória Geral
- Termo Inicial dos Juros Indemnizatórios em casos de Retenções na Fonte Indevidas por Desconformidade com o Direito da União Europeia
5. Laboral
- Resolução de Contrato de Trabalho (Caducidade) – Assédio – Danos Não Patrimoniais
- Constitucionalidade – Substituição de Prestador de Trabalho Ausente (Parentalidade) e Proibição de Recurso à Externalização de Serviços após Despedimento
- Constitucionalidade – Reagrupamento Familiar e Acesso a Tutela Jurisdicional Efetiva
6. Público
- Reprivatização Da TAP - Primeira Fase Do Processo de Reprivatização;
- Alterações Ao Regime Jurídico De Emissões Industriais;
- Atualização Do Regime Jurídico Da Avaliação Do Impacte E Do Licenciamento Ambiental;
- SOLENERGE - Alterações Ao Regime De Incentivos Financeiros Para Aquisição E Instalação De Sistemas Solares Fotovoltaicos Nos Açores.
1. Contencioso Civil e Penal
ALTERAÇÃO DAS REGRAS RELATIVAS À DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS
Lei n.º 56/2025, de 24 de julho (DR 141, Série I, de 24 de julho de 2025)
A Lei n.º 56/2025 aprovou diversas alterações ao Código de Processo Civil em matéria de distribuição de processos.
Uma das mudanças mais relevantes consiste na alteração aos n.ºs 3 e 4 do artigo 204.º do CPC, na medida em que a distribuição de processos deixa de ser presidida por um juiz, com a assistência obrigatória do Ministério Público e de um representante da Ordem dos Advogados.
Outra das modificações introduzidas pelo presente diploma é a inclusão dos atos de distribuição na lista excecional dos atos que são praticados nos dias em que os tribunais estão encerrados e durante o período de férias judiciais, nos termos do n.º 2 do artigo 137.º do CPC.
O artigo 661.º do CPC é também modificado, uma vez que define um período máximo de sessenta dias para a duração de faltas ou impedimentos dos relatores e juízes adjuntos, findo o qual é feita nova distribuição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º do CPC. Esta regra é apenas excecionada pelos processos com natureza urgente, nos quais a falta ou impedimento do relator ou do juiz adjunto implica a realização imediata de uma nova distribuição.
A presente Lei entra em vigor no dia 24 de outubro de 2025.
2. Concorrência
ADC APLICA COIMA À ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE PROJETISTAS E CONSULTORES POR ALEGADA PRÁTICA DE FIXAÇÃO DE PREÇOS
Decisão de 2 de julho de 2025 (Processo PRC/2024/03) - AdC
Em 2 de julho de 2025, a AdC adotou uma decisão sancionatória dirigida à Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores (“APPC”), uma associação empresarial nos setores da consultoria, estudos e projetos de engenharia, arquitetura, ambiente, economia e gestão, que conta com 153 associadas.
Nesta decisão, a AdC determinou a aplicação de uma coima de €580.000,00 à APPC, pela alegada fixação e imposição de preços, nos mercados nacionais da prestação de serviços de consultoria em arquitetura e engenharia, e serviços de consultoria em ambiente, economia e gestão.
De acordo com a AdC, a APPC teria elaborado e aprovado tabelas de honorários constantes do documento “Definição de Funções e Honorários”, nas quais, alegadamente, se fixariam valores mínimos de honorários a aplicar em Portugal por parte dos associados, na prestação dos referidos serviços, e, potencialmente também por outras empresas que atuam nos mesmos mercados.
Segundo a AdC, a alegada conduta restritiva da concorrência terá tido uma duração de aproximadamente 30 anos, considerando que as tabelas estiveram em vigor, alegadamente, entre dezembro de 1994 e 18 de dezembro de 2024.
Neste contexto, a APPC recorreu ao mecanismo de transação, através do qual abdicou do direito de contestar a sua participação e responsabilidade e colaborou com a AdC para a resolução do processo. Assim, ao abrigo do mecanismo de transação, a APPC beneficiou de uma redução de 20% no valor da coima, tendo esta sido fixada, a final, em €580.000,00[1].
ADC APLICA COIMA À GESBA POR ALEGADO ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE NA DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE BANANAS DA MADEIRA
Decisão de 13 de agosto de 2025 (Processo PRC/2025/06) - AdC
Em 13 de agosto de 2025, a AdC adotou uma decisão sancionatória dirigida à GESBA - Empresa de Gestão do Setor da Banana (“GESBA”), uma empresa pública regional responsável pela receção, qualificação, preparação para distribuição e comercialização de bananas da Madeira e responsável pela intermediação das ajudas europeias à produção neste âmbito.
Nesta decisão, a AdC determinou a aplicação de uma coima de €30.000,00 à GESBA, pela alegada imposição de condições de exclusividade aos produtores de banana da Madeira, suscetíveis de restringir a concorrência no mercado da recolha, distribuição e comercialização de banana da Madeira, na Região Autónoma da Madeira.
De acordo com a AdC, em janeiro de 2025, a GESBA terá, alegadamente, remetido aos produtores uma minuta de declaração de compromisso que os condicionaria a fornecer a esta empresa pública a totalidade da produção anual e a não comercializar fornecer os referidos produtos a outras entidades, públicas ou privadas.
A assinatura dessa declaração teria constituído condição para que os produtores pudessem receber de imediato, por via da GESBA, o adiantamento das ajudas europeias à produção, sob pena de apenas virem a receber esses fundos mais tarde, quando processados pelo IFAP. Segundo a AdC, este condicionamento no acesso às ajudas europeias, através do fornecimento exclusivo à GESBA, que esteve em vigor pelo menos desde janeiro de 2025, poderia ser suscetível de distorcer o processo concorrencial, assegurando a manutenção da posição dominante da empresa no mercado da recolha, distribuição e comercialização de bananas da Madeira e dificultando a entrada de operadores que exercessem uma pressão concorrencial efetiva.
Neste contexto, a GESBA recorreu ao mecanismo de transação, através do qual abdicou do direito de contestar a sua participação e responsabilidade e colaborou com a AdC para a resolução do processo. Assim, ao abrigo do mecanismo de transação, a coima foi fixada, a final, em €30.000,00.
3. Financeiro
ALTERAÇÕES REGULATÓRIAS RELATIVAS ÀS CENTRAIS DE VALORES MOBILIÁRIAS, CONTRAPARTES CENTRAIS E ENTIDADES GESTORAS DE MERCADOS, SISTEMAS E SERVIÇOS
Regulamento n.º 4/2025, de 16 de julho - CMVM
O Regulamento da CMVM n.º 4/2025 (“Regulamento 4/2025”), de 16 de julho, procede à alteração dos Regulamentos da CMVM n.os 5/2018, 1/2015 e 4/2007, relativos, respetivamente, (i) às centrais de valores mobiliários, (ii) às contrapartes centrais, e (iii) às entidades gestoras de mercados, sistemas e serviços.
O Regulamento visa a simplificação dos regimes de supervisão, bem como promove a eficiência administrativa a nível de envio de relatórios de informação financeira.
O Regulamento prevê várias alterações, nomeadamente:
- Deixa de ser exigida a divulgação de informação financeira relativa aos 1.º e 3.º trimestres;
- Previsão de que a informação financeira, tanto anual quanto semestral, bem como certos factos supervenientes, deve ser obrigatoriamente divulgada no site da CMVM;
- Estabelece que as entidades devem enviar relatórios financeiros anuais e semestrais via ficheiro eletrónico em formato PDF;
- As referências ao registo das regras de funcionamento das estruturas dos mercados, dos seus sistemas ou serviços foram eliminadas, tendo em conta que o Código dos Valores Mobiliários passou a prever a comunicação dessas regras à CMVM;
- Os prazos de comunicação de informações à CMVM passou a estar previsto expressamente, em detrimento do recurso a remissões;
- Inclui novos tipos de informação a serem remetidos à CMVM, atendendo às necessidades de supervisão e alinhamento com o enquadramento europeu.
Assim, o Regulamento 4/2025 moderniza e simplifica os regimes de reporte e de supervisão das Centrais de Valores Mobiliários, Contrapartes Centrais e Entidades Gestoras de Mercados, Sistemas e Serviços, bem como promove maior transparência, com divulgação centralizada e digital.
O Regulamento entrou em vigor no dia 17 de julho de 2025.
ALTERAÇÕES REGULATÓRIAS NO REGIME DA PREVENÇÃO DO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E DO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO
Regulamento n.º 5/2025, de 8 de agosto - CMVM
O Regulamento da CMVM n.º 5/2025 (“Regulamento”), de 8 de agosto, procede à alteração do Regulamento da CMVM n.º 2/2020, de 17 de março. O Regulamento visa a adaptação do quadro regulatório vigente às atuais exigências de supervisão no domínio da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, em particular no que respeita ao reporte de informação à CMVM.
O Regulamento prevê o alargamento do âmbito objetivo do reporte, sendo ampliado o conjunto de informações que as entidades obrigadas de natureza financeira devem reportar à CMVM. Este alargamento implica um maior esforço de preparação por parte das entidades, que devem adaptar os seus processos internos para cumprir as novas exigências.
Em segundo lugar, os prestadores de serviços de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo, anteriormente não sujeitos a esta obrigação, passam agora a estar obrigados a reportar à CMVM, de forma menos extensa.
Por fim, concretizam-se os prazos de reporte. O Regulamento estabelece que as entidades devem submeter as informações até ao dia 31 de março de cada ano, com referência ao período entre 31 de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior. Contudo, uma disposição transitória determina que o primeiro reporte sob este formato deverá ser efetuado até ao dia 30 de junho de 2026, com referência ao ano de 2025.
Assim, o Regulamento n.º 5/2025 representa um passo significativo no reforço da supervisão da CMVM em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.
O Regulamento entrou em vigor no dia 7 de setembro de 2025.
REFORÇO DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO NO SETOR DOS PAGAMENTOS DE RETALHO
Aviso n.º 5/2025, do Banco de Portugal (DR 151, Série II, Parte E, de 7 de agosto de 2025)
O Aviso n.º 5/2025 (o “Aviso”) surge no contexto de reforço das condições em que o Banco de Portugal (“BdP”) exerce as funções de superintendência, densificando os deveres das entidades que exercem atividade no âmbito dos sistemas de pagamentos de retalho no que respeita à comunicação da informação necessária ao BdP.
Com efeito, o Aviso inclui no seu âmbito de aplicação entidades que operam ou processam sistemas de pagamentos de retalho, detêm schemes ou arrangements de instrumentos de pagamentos, bem como entidades que disponibilizam serviços de levantamento de numerário através de caixas automáticas.
Assim, estabelece a obrigatoriedade de notificação do início de atividade com uma antecedência mínima de 30 dias, incluindo informações como a identificação da entidade, país de origem, data de início e descrição das atividades. De notar é também a introdução do dever de reporte de incidentes de carácter severo, definidos como eventos únicos ou séries de eventos conexos não previstos que tenham ou possam ter impacto adverso na integridade, disponibilidade, confidencialidade, autenticidade e/ou continuidade dos serviços relacionados com pagamentos.
Adicionalmente, o Aviso institui a obrigação de reporte de informação estatística sobre operações e serviços de pagamento para entidades que operam sistemas de pagamentos ou disponibilizam serviços de levantamento de numerário através de caixas automáticas.
Para operacionalizar estas obrigações, foi criado um sistema de comunicação estruturado através de formulário eletrónico específico disponibilizado no sítio de Internet do BdP.
CRÉDITOS BANCÁRIOS NÃO PRODUTIVOS
Lei n.º 55-B/2025, de 22 de julho (DR 139, Suplemento, Série I, de 22 de julho de 2025)
A Lei n.º 55-B/2025, de 22 de julho (“Lei”) autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2021/2167, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021 (“Diretiva”), que harmoniza o acesso e o exercício da gestão de créditos bancários não produtivos e define os requisitos para os adquirentes de créditos, e ainda a aprovar o regime da Central de Responsabilidades de Crédito.
Neste sentido, a autorização que a Lei confere abrange a regulação da cessão de créditos e da posição contratual em contratos de crédito, a definição e regulação dos requisitos de acesso e exercício da atividade de gestão de créditos objeto de cessão, a definição do regime de supervisão da atividade dos gestores de créditos, cedentes e cessionários e a definição do regime sancionatório aplicável.
Note-se que a Diretiva assume especial relevância na medida em que harmoniza as regras aplicáveis nos Estados-Membros aos gestores de créditos e adquirentes de créditos, originados por instituições de crédito da UE, e correntemente não produtivos (“NPLs”, do inglês non-performing loans), vulgarmente designados de “mercados secundários de NPLs”. Esta harmonização tem como objetivo estabelecer um quadro regulamentar que promova a eficiência e a liquidez de tais mercados secundários na UE e reforçar a proteção dos devedores. Tal reforço é alcançado através da consagração de um princípio de neutralidade das cessões, nos termos do qual o mutuário não pode, em consequência da cessão de créditos, ficar em posição menos favorável que a resultante da relação inicialmente estabelecida com a instituição cedente.
Particularmente relevante é o regime de autorização obrigatória para gestores de créditos e ainda a possibilidade de um gestor de créditos autorizado no Estado-Membro de origem ter o direito de prestar serviços em toda a União, sujeito às restrições ou requisitos do Estado-Membro de acolhimento estabelecidos em conformidade com a Diretiva.
Além do mais, a Diretiva estabelece a exigência de que os adquirentes de créditos e gestores de créditos ajam de boa-fé, prestem informação não enganosa, respeitem a informação pessoal dos devedores e comuniquem sem constituir assédio ou coação. Por fim, após qualquer transferência de direitos de crédito não produtivo, e sempre antes da primeira cobrança, deve ser enviada comunicação ao devedor com informações detalhadas sobre a transferência.
A Lei estabelece um prazo de 120 dias para que o Governo proceda à referida transposição, tendo a mesma sido efetuada através do Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro (cujo detalhe constará da próxima edição do Boletim UM relativa ao mês de setembro).
4. Fiscal
IRS – TABELAS DE RETENÇÃO NA FONTE
Despacho n.º 8464-A/2025, de 22 de julho (DR 139, Série II, de 22 de julho de 2025)
O despacho em referência aprovou as novas tabelas de retenção na fonte do IRS aplicáveis aos rendimentos do trabalho dependente e de pensões. O diploma estabelece duas fases de aplicação: uma primeira para os rendimentos pagos ou colocados à disposição entre 1 de agosto e 30 de setembro de 2025, e uma segunda a partir de 1 de outubro de 2025.
O Despacho entrou em vigor no dia 23 de julho de 2025.
IRS – ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DO IRS
Lei n.º 55-A/2025, de 22 de julho (DR 139, Série I, de 22 de julho de 2025)
Esta lei vem alterar os limites dos escalões da tabela de IRS constante do n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, bem como as taxas aplicáveis por escalão, nos seguintes termos:
Rendimento Coletável (euro) | Taxas (percentagem) | |
Normal (A) | Média (B) | |
Até 8 059 | 12,50 | 12,50 |
De mais de 8 059 até 12 160 | 16,00 | 13,680 |
De mais de 12 160 até 17 233 | 21,50 | 15,982 |
De mais de 17 233 até 22 306 | 24,40 | 17,897 |
De mais de 22 306 até 28 400 | 31,40 | 20,794 |
De mais de 28 400 até 41 629 | 34,90 | 25,277 |
De mais de 41 629 até 44 987 | 43,10 | 26,607 |
De mais de 44 987 até 83 696 | 44,60 | 34,929 |
Superior a 83 696 | 48,00 | - |
A presente lei entrou em vigor no dia 23 de julho de 2024.
TAXA AGRAVADA DE IMT - ENTIDADE DOMINADA OU CONTROLADA POR ENTIDADE COM DOMICÍLIO FISCAL EM PAÍS, TERRITÓRIO OU REGIÃO SUJEITO A UM REGIME FISCAL MAIS FAVORÁVEL
Decisão arbitral de 29 de julho de 2025 (Processo n.º 1168/2024-T) – CAAD
O Tribunal Arbitral foi chamado a pronunciar-se sobre a legalidade da aplicação da taxa agravada de IMT de 10% a imóveis adquiridos entre 2021 e 2023 por uma entidade bancária com sede em Portugal. Aquela entidade bancária era indiretamente participada por entidades situadas em jurisdições constantes da Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, e sujeiras a um regime fiscal mais favorável.
O tribunal decidiu que o artigo 17.º, n.º 4, alínea b) do Código do IMT deve ser enquadrado como uma norma anti abuso, não basta a mera verificação de controlo por entidade sediada em paraíso fiscal, sendo necessário demonstrar uma finalidade de elisão fiscal.
Tratando-se de imóveis diretamente integrados na esfera patrimonial de uma entidade bancária no exercício da sua atividade normal, o tribunal concluiu que não se verificava instrumentalização para fins de elisão fiscal. A titularidade dos imóveis por aquela entidade não podia ser considerada como veículo para evasão fiscal, não se verificando os pressupostos das alterações legislativas de 2021, que visaram especificamente combater entidades-veículo criadas para esse fim.
O tribunal arbitral concluiu que a aplicação da taxa agravada exige não apenas controlo formal por paraíso fiscal, mas também a finalidade abusiva demonstrada: “[pelo] facto de o controlo do Requerente poder estar, hipoteticamente, num paraíso fiscal, como o de qualquer outra empresa de dimensão nacional com património imobiliário significativo – vg, a TAP, a GALP, a EDP, … – (e quaisquer que fossem os degraus da cadeia de controlo que culminasse em tal paraíso fiscal) não permite conceber a sua titularidade dos imóveis como instrumental para fins de elisão fiscal. E, não podendo dar-lhes expressão, não faz qualquer sentido tentar aplicar-lhe uma norma cuja teleologia lhe é totalmente alheia” e, em consequência, ordenou a anulação das liquidações adicionais de IMT e a restituição das quantias pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.
REGIME QUE CRIA O ADICIONAL DE SOLIDARIEDADE SOBRE O SETOR BANCÁRIO – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
Acórdão n.º 478/2025, de 10 de julho de 2025 - (DR 130, Série I, de 10 de julho de 2025, Processo n.º 899/24) - TC
O Acórdão em referência do Tribunal Constitucional (“TC”), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º n.º 2, 2.º e 3.º alínea a), do Regime que criou o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB” ou “Adicional”), contido no anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
O ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras. São, entre outros, sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito com sede em Portugal, as filiais de instituições de crédito estrangeiras com sede principal e efetiva em Portugal e ainda as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, sendo que o Adicional incide sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, deduzido de elementos específicos como fundos próprios e depósitos garantidos.
Confirmando um entendimento já perfilhado em decisões anteriores, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13.º, e do princípio da capacidade contributiva, ínsito nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, todos da CRP.
O TC fundamenta a sua decisão relativamente ao juízo de censura jurídico-constitucional das referidas normas, sustentando que contra ela não valem, designadamente, argumentos fundados nas vantagens decorrentes da isenção de IVA aplicável ao setor financeiro, na qualificação do tributo como imposto sobre o consumo ou na presunção de que os elementos do passivo são aptos a revelar a capacidade contributiva, seja porque se trata de factos tributários já cobertos pela Contribuição sobre o Setor Bancário, seja porque o fundamento em que o legislador fez assentar o tributo é outro.
TERMO INICIAL DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS EM CASOS DE RETENÇÕES NA FONTE INDEVIDAS - DESCONFORMIDADE COM O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Acórdão n.º 8/2025, de 9 de julho (DR 130, Série I, de 9 de julho de 2025, Processo 78/22.6BALSB) - STA
O Acórdão do STA de 28 de maio de 2025 uniformizou jurisprudência relativamente ao termo inicial dos juros indemnizatórios em casos de retenções na fonte indevidas por desconformidade com o Direito da UE, no sentido de que: "Perante a desaplicação de norma legal com fundamento na sua desconformidade com o Direito da União Europeia, e perante a inerente anulação das retenções na fonte indevidas, por decisão judicial transitada em julgado, a consequente obrigação da AT de reconstituição da situação ex ante impõe, não apenas a restituição dos montantes indevidamente pagos a título de imposto retido, mas também o pagamento de juros indemnizatórios, computados desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, do meio impugnatório administrativo intentado contra as retenções na fonte indevidas até à data do processamento da respectiva nota de crédito".
Na situação em análise, estava em causa a desaplicação de norma legal, por decisão judicial transitada em julgado, em virtude de ilegalidade/desconformidade com o direito da UE da norma do artigo 22.º/1, do EBF, quando interpretada no sentido de ser aplicável apenas aos organismos de investimento coletivo, residentes em território nacional, em detrimento de idênticas entidades com sede noutros Estados membros da UE, que se encontram na mesma situação.
O STA afirmou que constituía jurisprudência assente do STA a fixada no Acórdão do Pleno da Contencioso Tributário, de 29 de junho de 2022 (processo 093/21.7BALSB), que: “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, n.os.1 e 3, da L.G.T”, tendo aderido a esta posição e tendo uniformizado jurisprudência precisamente deste sentido.
Para justificar a sua posição, o tribunal argumentou que, por um lado, a impugnação judicial das retenções na fonte em causa está sujeita à reclamação administrativa necessária ao abrigo do artigo 132.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT e, por outro lado, o direito a juros indemnizatórios não depende apenas da prova do prejuízo do contribuinte mas também da atuação pública ilegal imputável à AT sendo que, no entendimento daquele tribunal superior: “Tal nexo de imputabilidade em relação à Administração Fiscal apenas se verifica quando ocorre o indeferimento do meio administrativo impugnatório das retenções na fonte em apreço”.
Em face do exposto, o STA concedeu provimento parcial ao recurso de uniformização de jurisprudência apresentado, e ordenou a anulação do segmento relevante da decisão arbitral que foi objeto de escrutínio e que havia determinado que o termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios era a data do trânsito em julgado da decisão arbitral em vez da data do indeferimento da reclamação graciosa.
5. Laboral
RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO (CADUCIDADE) – ASSÉDIO – DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Acórdão de 10 de julho de 2025 (Processo n.º 1157/24.0T8PRT.P1)
No caso em apreço, a trabalhadora (“Autora”) intentou uma ação declarativa contra a sua entidade empregadora (“Ré”), pedindo que fosse declarada válida e legal a resolução do contrato de trabalho com justa causa por si operada, e que a Ré fosse condenada no pagamento de uma indemnização por danos morais e de créditos laborais.
Para tanto, a Autora invocou que, após solicitar à Ré o reconhecimento do estatuto de trabalhadora-estudante, viu as suas funções de atendimento ao público (num estabelecimento comercial de panificação e pastelaria) serem alteradas para funções de limpeza; foi humilhada e repreendida diversas vezes pelo responsável da Ré perante os colegas de trabalho; foi proibida de beber e comer no estabelecimento; viu o seu horário ser alterado sem respeito pelo horário em que teria aulas; entre outros motivos. A Autora veio a resolver o contrato de trabalho, através de carta dirigida à Ré, com base nessa factualidade.
Na decisão de 1.ª Instância, o Tribunal considerou que a resolução operada pela Autora era ilícita, porque quando a Ré tomou conhecimento da carta de resolução, o direito da Autora a resolver o contrato já tinha caducado, pelo que não lhe assistia qualquer direito a uma indemnização fundada na justa causa de resolução. Ainda assim, atentos os factos dados como provados, o Tribunal condenou a Ré no pagamento de uma indemnização por danos morais, decorrentes da conduta de assédio praticada contra a Autora.
A Ré interpôs recurso desta decisão, tendo o Tribunal da Relação do Porto (“TRP”) decidido favoravelmente à empregadora, revogando a sentença.
No aresto, o TRP começa por assinalar que, uma vez que a Autora não tinha recorrido da decisão de caducidade, a questão da ilicitude da resolução do contrato de trabalho estava definitivamente julgada.
Por sua vez, todos os factos que constituíam a causa de pedir da ação – isto é, os relacionados com a conduta assediante da Ré – eram os mesmos que tinham sido invocados pela Autora na carta de resolução do contrato (incluindo os relativos a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da atuação da Ré) e pelos quais a Autora poderia ter sido indemnizada, nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, caso a justa causa de resolução tivesse sido reconhecida.
Por conseguinte, o Tribunal concluiu que, caducado o direito de resolver o contrato de trabalho com base em determinados factos e não tendo a autora direito à indemnização decorrente da resolução, não lhe poderia ser reconhecido um direito a indemnização autónoma por danos morais com base nos mesmos factos. O TRP sublinhou, ainda, a circunstância de a Autora não ter formulado qualquer pedido subsidiário quanto a uma indemnização por danos morais, na eventualidade de a legalidade da resolução do contrato não ser reconhecida, como veio a suceder.
CONSTITUCIONALIDADE – SUBSTITUIÇÃO DE PRESTADOR DE TRABALHO AUSENTE (PARENTALIDADE) E PROIBIÇÃO DE RECURSO À EXTERNALIZAÇÃO DE SERVIÇOS APÓS DESPEDIMENTO
Acórdão n.º 555/2025 - TC
A Provedora de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional (“TC”) a fiscalização abstrata sucessiva e a consequente declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 10.º, n.º 3, e 338.º-A, n.os 1 e 2, ambos do Código do Trabalho (“CT”), na redação introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que alterou o CT e legislação conexa, por considerar que as mesmas implicariam uma restrição desproporcional à liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Como veremos abaixo em detalhe, o TC declarou que as normas fiscalizadas não são inconstitucionais. Contudo, a decisão não foi unânime, tendo o acórdão merecido três votos vencidos (um dos quais parcial, i.e., apenas quanto ao artigo 338.º-A do CT).
Substituição do prestador de trabalho em caso de ausência relacionada com o gozo de direitos de parentalidade (artigo 10.º, n.º 3, do CT)
A primeira norma sujeita à apreciação do TC (o artigo 10.º, n.º 3, do CT), insere-se na regulamentação das denominadas “situações equiparadas”, i.e., aquelas em que um prestador de trabalho (trabalhador independente) exerce a sua atividade sem subordinação jurídica, mas encontra-se numa situação de dependência económica face ao beneficiário da prestação.
Em concreto, o artigo 10, n.º 3, do CT autoriza o prestador de trabalho a assegurar temporariamente a sua atividade através de terceiros, em caso de nascimento, adoção ou assistência a filho ou neto, amamentação e aleitação, interrupção voluntária ou risco clínico durante a gravidez, durante o período das respetivas licenças ou dispensas.
Na sua análise, o TC concluiu que a norma não colide com o princípio da livre iniciativa económica privada, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, da CRP, que assiste ao beneficiário da atividade e que se vê privado de intervir na escolha do substituto do prestador originário, designadamente, porque (i) a possibilidade de substituição do prestador não é estranha à natureza do contrato (de prestação de serviços); (ii) o prestador originário não se encontra verdadeiramente integrado na estrutura empresarial do beneficiário da atividade; (iii) a substituição é temporária e apenas permitida em circunstâncias muito específicas, estando sempre salvaguardada a seleção original do prestador pelo beneficiário; (iv) o preceito tem como objetivo proteger determinadas formas de prestação de trabalho mais precárias, numa lógica de “equiparação” ao contrato de trabalho, pelo que dessa equiparação não deve resultar um prejuízo para o prestador.
Acrescenta, ainda, que mesmo que se estivesse perante uma colisão de direitos fundamentais – i.e., o direito de iniciativa privada em contraponto com o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes (incluindo a conciliação da vida familiar e profissional), o direito à saúde, o direito à proteção da família –, a norma passaria o teste de proporcionalidade do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, sendo adequada, necessária e proporcional aos fins imediatos a que se destina (a proteção do vínculo contratual em caso de exercício de direitos de parentalidade pelo prestador).
Por sua vez, os Juízes que se posicionaram contra esta decisão, sustentaram os seus votos no entendimento de que (i) a faculdade de substituição do prestador se afigura desproporcional, na medida em que não admite a oposição do beneficiário da atividade; (ii) a norma é excessivamente ampla, ao abranger todos os prestadores economicamente dependentes, sem que haja uma avaliação da sua real necessidade de proteção; (iii) a norma peca, ainda, por excesso ao não distinguir entre tipos de atividades (fungíveis e infungíveis); (iv) poderiam ter sido adotadas, pelo legislador, alternativas menos gravosas, como a possibilidade de suspensão do contrato, ou de substituição do prestador com consentimento do beneficiário da atividade.
Proibição de Recurso à Externalização de Serviços após Despedimento (artigo 338.º-A do CT)
Por sua vez, a segunda norma sob escrutínio, o artigo 338.º-A do CT, determina no n.º 1 que “não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato cessou nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho”, constituindo contraordenação muito grave a violação deste comando legal, nos termos do n.º 2.
O TC também afasta o juízo de inconstitucionalidade deste preceito legal, pois apesar de considerar que o ali previsto comprime o direito à liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 1, da CRP), considera tal restrição proporcional para a salvaguarda do direito fundamental à segurança no emprego (artigo 53.º da CRP) que se visa com os mesmos.
O TC assinala que não é todo e qualquer recurso à externalização de serviços que é vedado à empresa, mas apenas aquele que ocorre num curto espaço de tempo (12 meses) após o despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, o que pode constituir um “indicador de um recurso ilícito ou imponderado” ao despedimento, com vista à redução de custos da empresa associados à manutenção dos contratos dos trabalhadores despedidos, e potencialmente subtraído ao escrutínio judicial.
Assim, para o TC, o n.º 1 da norma em apreço destina-se a evitar a instrumentalização do despedimento como meio para alcançar a terceirização e o n.º 2 imprime coercibilidade à proibição.
O TC considera as medidas adequadas ao fim a que se destinam, uma vez que cumprem o efeito dissuasório junto dos empregadores, e não as considera excessivas porquanto a restrição se encontra balizada no tempo (o período de 12 meses subsequente ao despedimento).
Já os Juízes que votaram contra a decisão consideram que a norma é desproporcional e inconstitucional por restringir excessivamente a liberdade de empresa. Neste contexto, entendem, em suma, que (i) a norma não é apta a impedir despedimentos fraudulentos com vista à externalização dos serviços, uma vez que a externalização não é fundamento de ilicitude e os prazos de impugnação dos despedimentos são inferiores aos 12 meses de proibição; (ii) não são acauteladas situações de externalização imediatamente anteriores ao despedimento; e, ainda, (iii) a norma é excessiva ao não distinguir entre tipos de empresas e de atividades, cuja externalização poderá revelar-se legítima, até como garantia de solvência da própria empresa e proteção de outros postos de trabalho nela existentes.
CONSTITUCIONALIDADE – REAGRUPAMENTO FAMILIAR E ACESSO A TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Acórdão de 22 de agosto de 2025 (Processo n.º 785/2025) - TC
O Acórdão do Tribunal Constitucional (“TC”) pronuncia-se sobre a constitucionalidade de várias normas do Decreto n.º 6/XVII da Assembleia da República (o “Decreto”), que altera a Lei n.º 23/2007 sobre o regime jurídico de estrangeiros, na sequência do pedido de fiscalização preventiva apresentado pelo Presidente da República.
O Acórdão veio a declarar cinco normas inconstitucionais, pese embora com alguns votos vencidos, das quais destacamos as seguintes:
Alterações ao Direito de Reagrupamento familiar
Nos termos do artigo 98.º, n.os 1 e 3, na redação que foi sujeita à apreciação do TC, o cidadão com autorização de residência válida passaria a ter direito ao reagrupamento familiar com os membros da família menores de idade, que tivessem entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrassem, e que com aquele coabitassem e dele dependessem (n.º 1). Já quanto aos outros membros da família (como cônjuges ou filhos maiores que daquele dependam), o direito ao reagrupamento apenas existiria decorridos dois anos de residência válida e legal, em Portugal, do titular da autorização (n.º 3).
O regime acima referido não seria de aplicar, nos termos do n.º 2, ao cidadão titular de autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada, cultural, ou para atividade de investimento, bem como o titular de “cartão azul UE” (que habilita o exercício de atividade altamente qualificada), que mantém o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam (i.e. independentemente do tempo de residência daquele em território nacional).
O TC concluiu pela inconstitucionalidade dos n.º 1 e 3 do artigo 98.º por restringirem desproporcionadamente diversos direitos fundamentais, nomeadamente os constantes dos artigos 36.º, n.os 1 e 6 (direito à constituição da família e à convivência familiar), 67.º, n.º 1 (proteção da família), 68.º, n.º 1 (proteção da maternidade e paternidade), 69.º, n.º 1 (proteção da infância), 71.º, n.º 2 (proteção das pessoas com deficiência), 72.º, n.º 1 (proteção na terceira idade), todos da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
No entanto, declarou que o n.º 2 não se encontra ferido de inconstitucionalidade, entendendo que a opção do legislador visa atrair pessoas em determinadas circunstâncias, e que não decorre do mesmo uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP.
Prazo de Decisão do Reagrupamento Familiar
Na sua atual redação, o artigo 105.º prevê que o prazo para decisão do pedido de reagrupamento familiar se encontra fixado em três meses, prorrogável por mais três em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido.
Já na redação sujeita à apreciação do TC, constante do n.º 1 do artigo 105.º, o prazo seria elevado para nove meses, sendo prorrogável por igual período (de nove meses) em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido. Paralelamente, é revogado o atual n.º 3 do artigo 105.º, que determina que, na ausência de decisão no prazo de seis meses, se considera haver deferimento tácito do pedido.
O TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 105.º quando conjugado com o prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 98.º, acima referido. Com efeito, considera o Tribunal que o prazo potencial total de espera, de três anos e meio – dois anos como pressuposto do direito de reagrupamento familiar (artigo 98, n.º 3), acrescidos do prazo de nove meses de tramitação administrativa, que pode ser prorrogado por mais nove meses, num total de 18 meses –, constitui uma restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental à unidade familiar, violando, ainda, os princípios constitucionais de proteção da família e do superior interesse da criança.
Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva
Por fim, o artigo 87.º-B, n.º 2, passaria a exigir, para o recurso à intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, que a atuação ou omissão da AIMA comprometesse de modo “comprovadamente grave, direto e irreversível”, em tempo útil, o exercício de direitos, liberdades e garantias pessoais.
Este preceito foi considerado inconstitucional por evidenciar uma restrição “assinalável” do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, violando os artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 268.º, n.º 4 da CRP.
Na sequência do Acórdão, o Presidente da República vetou o Decreto e devolveu-o à Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da CRP.
6. Público
REPRIVATIZAÇÃO DA TAP - PRIMEIRA FASE DO PROCESSO DE REPRIVATIZAÇÃO
Decreto-Lei n.º 92/2025, de 14 de agosto (DR 156, Série I, de 14 de agosto de 2025)
O Decreto-Lei n.º 92/2025, de 14 de agosto (“DL 92/2025”) aprovou o processo da primeira fase da reprivatização do capital social da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (“TAP”), mediante o qual se pretende a entrada de um ou mais investidores privados na companhia aérea nacional.
O DL 92/2025 prevê que a reprivatização da TAP poderá ascender a 49,9% do seu capital social e compreenderá as seguintes operações:
- Venda direta de referência de ações representativas de até 44,9% do capital social da TAP, eventualmente acompanhadas de operações de alteração da sua estrutura de capital (“Venda Direta de Referência”); e ainda,
- Oferta destinada aos trabalhadores da TAP e aos trabalhadores de outras empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo de um lote de ações representativas de até 5% do capital social da TAP (“Oferta Destinada a Trabalhadores”).
Caso a Oferta Destinada a Trabalhadores não seja adquirida na sua totalidade, o remanescente será igualmente adquirido pelo(s) adjudicatário(s) da Venda Direta de Referência.
A Venda Direta de Referência terá lugar após negociação particular e consiste na alienação de um ou mais lotes indivisíveis de ações representativas do capital social da TAP, a um ou mais investidores, nacionais ou estrangeiros, individualmente ou em agrupamento, que cumpram os requisitos de participação e cuja proposta vinculativa seja adjudicada.
São requisitos de participação no processo de Venda Direta de Referência, entre outros que venham a ser considerados adequados:
- Idoneidade;
- Capacidade financeira;
- Detenção da qualidade de operador aéreo devidamente certificado, que preencham os requisitos de conhecimento e experiência técnica e de gestão no setor do transporte aéreo; assim como,
- Dimensão, aferida com base no respetivo volume de negócios.
Por sua vez, serão critérios de seleção das propostas apresentadas, designadamente: (i) o conteúdo da proposta financeira (a qual deve incluir o valor apresentado para aquisição das ações objeto da Venda Direta de Referência); (ii) o conteúdo da proposta técnica (onde deve constar um plano industrial e um projeto estratégico, nomeadamente quanto à localização da sede e do estabelecimento principal da TAP); e (iii) a assunção de compromissos em matéria laboral.
Todos os atos realizados em execução do DL 92/2025, incluindo os atos relativos à alienação e subscrição de ações, resoluções do Conselho de Ministros e demais instrumentos jurídicos que o venham desenvolver estão sujeitos a um regime de isenção de taxas e emolumentos.
O presente diploma entrou em vigor a 18 de agosto de 2025.
ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DE EMISSÕES INDUSTRIAIS
Decreto-Lei n.º 89/2025, de 12 de agosto (DR 154, Série I, de 12 de agosto de 2025)
O Decreto-Lei n.º 89/2025, de 12 de agosto (“DL 89/2025” ou “Diploma”), veio alterar o regime jurídico das emissões industriais em Portugal, completando a transposição da Diretiva (UE) 2010/75/UE, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição. Esta alteração surge na sequência de um processo de infração instaurado pela Comissão Europeia, devido à transposição incompleta da diretiva para a legislação nacional.
O Diploma introduz várias alterações relevantes, nomeadamente, em relação ao licenciamento e à respetiva revisão de licenças, instaurando a obrigatoriedade de revisão das licenças ambientais a cada sete anos, podendo essa revisão resultar na manutenção, alteração ou revogação da licença. Ademais, o operador é responsável por apresentar o pedido de revisão até seis meses antes do termo do prazo, sob pena de suspensão ou caducidade da licença.
O DL 89/2025 reforça ainda o dever de comunicação imediata, por via eletrónica, à autoridade competente em caso de acidente ou incidente com impacto ambiental significativo (i.e. requer-se que a informação seja prestada de imediato e já não no prazo máximo de 48 horas), e atualiza os requisitos técnicos e procedimentais para o licenciamento, monitorização, amostragem e análise das emissões, alinhando-os com as normas europeias e internacionais.
Neste contexto, o Diploma estabelece ainda procedimentos para informar outros Estados-Membros da União Europeia quando as atividades possam ter impacto ambiental transfronteiriço, garantindo a participação do público desses países nos processos de decisão.
No que diz respeito à monitorização e inspeções, o Diploma define regras mais rigorosas, incluindo a realização de inspeções ambientais não rotineiras em caso de queixas graves, acidentes ou infrações.
Quanto ao conteúdo das licenças, o DL 89/2025 especifica ainda as informações obrigatórias das licenças de exploração, especialmente para operações de incineração e coincineração de resíduos perigosos, detalhando requisitos técnicos e de monitorização.
Em termos de disposições transitórias, o Diploma estabelece que as licenças ambientais emitidas ou alteradas há mais de seis anos devem ser revistas no prazo de seis meses após a entrada em vigor do diploma, enquanto as licenças mais recentes passam a seguir o novo procedimento de revisão periódica.
O presente diploma entrou em vigor a 13 de agosto de 2025.
ATUALIZAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA AVALIAÇÃO DO IMPACTE E DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Decreto Legislativo Regional n.º 20/2025/A, de 29 de julho (DR 144, Série I, de 29 de julho de 2025)
O Decreto Legislativo Regional n.º 20/2025/A, de 29 de julho (“DLR 20/2025/A” ou “Diploma”), procedeu à atualização do regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental na Região Autónoma dos Açores, homogeneizando as regras da ordem jurídica regional com a legislação comunitária na matéria.
Este Diploma veio estabelecer o novo regime jurídico da avaliação de impacte e do licenciamento ambiental na Região Autónoma dos Açores, atualizando e adaptando as diretivas europeias e a legislação nacional à realidade regional.
Quanto ao seu objeto, o DLR 20/2025/A aplica-se à avaliação dos efeitos ambientais de determinados planos, programas e projetos públicos e privados, bem como ao licenciamento ambiental de instalações e atividades potencialmente poluidoras.
Em relação à avaliação ambiental de planos e programas, o Diploma determinou a obrigação de realização de avaliação ambiental de planos e programas para setores como agricultura, energia, indústria, transportes, resíduos, águas, turismo e ordenamento do território, sempre que estes enquadrem projetos futuros com impacto significativo no ambiente ou afetem áreas sensíveis.
No que concerne à avaliação de impacte ambiental (“AIA”), esta é exigida para projetos públicos e privados suscetíveis de provocar efeitos significativos no ambiente, conforme tipologias e limiares definidos em anexos ao diploma, incluindo consulta pública e pareceres de entidades competentes.
Por seu turno, fica estabelecido que o licenciamento ambiental é obrigatório para instalações abrangidas pelo regime de Prevenção e Controlo Integrados da Poluição (“PCIP”), sendo condição prévia à exploração e fixando medidas de prevenção, limites de emissão, monitorização e gestão de resíduos.
O Diploma institui ainda o Registo de Emissões e Transferências de Poluentes (“PRTR”), obrigando os operadores a comunicar e registar as suas emissões, facilitando o acesso público à informação ambiental.
As principais entidades intervenientes nestes procedimentos são a autoridade ambiental, responsável pela coordenação dos procedimentos, a entidade licenciadora, que emite as licenças ou autorizações, e a comissão de avaliação, nomeada para cada procedimento de AIA.
Ademais, o DLR 20/2025/A veio reforçar a participação pública, garantindo o acesso à informação, a consulta pública obrigatória e a divulgação dos documentos e decisões relevantes nos portais oficiais e locais públicos.
Por fim, estão previstos mecanismos de fiscalização, inspeção e aplicação de sanções em caso de incumprimento, bem como o direito de impugnação administrativa e judicial das decisões tomadas no âmbito dos procedimentos ambientais.
A título de disposições transitórias, o Diploma mantém válidas as decisões e licenças emitidas ao abrigo de regimes anteriores até ao termo dos respetivos prazos e revoga o diploma anterior (Decreto Legislativo Regional n.º 30/2010/A).
O presente diploma entrou em vigor a 1 de agosto de 2025.
SOLENERGE - ALTERAÇÕES AO REGIME DE INCENTIVOS FINANCEIROS PARA AQUISIÇÃO E INSTALAÇÃO DE SISTEMAS SOLARES FOTOVOLTAICOS NOS AÇORES
Decreto Regulamentar Regional n.º 21/2025/A, de 25 de julho (DR 142, Série I, de 25 de julho de 2025)
O Decreto Regulamentar Regional n.º 21/2025/A, de 25 de julho (“Decreto Regulamentar Regional 21/2025/A”) alterou o Decreto Regulamentar Regional n.º 17/2022/A, de 8 de setembro, que regulamenta a atribuição de incentivos financeiros para aquisição e instalação de sistemas solares fotovoltaicos na Região Autónoma dos Açores, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (“PRR”), designado por “SOLENERGE”.
O Decreto Regulamentar Regional 21/2025/A introduziu, essencialmente, as seguintes alterações no SOLENERGE:
- reforçou o SOLENERGE com uma dotação orçamental adicional de € 41.000.000,00 (a acrescer aos € 19.000.000,00 previstos originariamente);
- visou a contratualização de 27 MW de potência adicional, em adição à inicial meta de aumentar a potência contratada em 11.2 MW nos Açores;
- passou a admitir a solicitação de esclarecimentos e/ou documentação adicional pela entidade gestora;
- duplicou o prazo - para dez dias úteis - para submissão do termo de aceitação pelo candidato após parecer da entidade gestora acerca da admissibilidade da candidatura e respetivo valor do incentivo;
- diminuiu para quatro meses o prazo para apresentação, pelo candidato, da documentação exigida pela entidade gestora na sequência de parecer relativo à admissibilidade da candidatura apresentada, sem prejuízo de prorrogação fundamentada do mesmo;
- reduziu o período para execução da instalação de seis para quatro meses.
As alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar Regional 21/2025/A aplicam-se aos processos de candidatura pendentes à data da sua entrada em vigor.
O presente diploma entrou em vigor em 26 de julho de 2025.
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[1] Segundo a decisão da AdC, antes da redução de 20%, o montante base da coima corresponderia a 0,045% do volume de negócios agregado de 147 das associadas na APPC, no ano de 2023.