O Novo Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações Imobiliárias
Através do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, o Governo procedeu à introdução na legislação do IVA de um conjunto de alterações que, segundo o próprio Governo, têm como principal objectivo combater as situações de fraude, evasão e abuso que se têm verificado na realização de operações imobiliárias. Com tal objectivo, o referido diploma revê de forma substancial o regime de renúncia à isenção do IVA aplicável às operações imobiliárias, ou seja, às operações de compra, venda e arrendamento de imóveis.
Com o presente artigo visamos, em primeiro lugar, apresentar as principais alterações introduzidas em matéria de renúncia à isenção do IVA, cuja entrada em vigor ocorreu no passado dia 30 de Janeiro. Contudo, não podemos deixar de aproveitar a oportunidade para identificar algumas das várias dúvidas que uma primeira análise do novo regime suscita, e cujo esclarecimento deverá ser rapidamente efectuado pela Administração Fiscal.
Com efeito, se o objectivo do Governo, tal como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, é combater a fraude, evasão e abuso fiscais, mantendo contudo a possibilidade de desoneração do imposto por parte dos operadores económicos em actividades tributadas em IVA, podemos afirmar que, sendo aquele combate necessário e legítimo, é desde já uma certeza que em muitos casos a pretendida desoneração não se mantém.
As principais alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 21/2007 nesta matéria são as seguintes:
(a) O imóvel deve ser um prédio urbano ou uma fracção autónoma deste, ou ainda, no caso de transmissão, um terreno para construção (veda-se assim, por exemplo, o arrendamento, incluindo a locação financeira, de terrenos para construção).
(b) A transacção em causa deve dizer respeito à totalidade do imóvel ou fracção autónoma (já não sendo possível que se refira apenas a uma parte dos mesmos).
(c) O imóvel deve ser usado pelo adquirente/arrendatário para exercer actividades que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA incorrido.
(d) Tratando-se de um arrendamento, o valor da renda anual deve ser igual ou superior a 1/15 do valor de aquisição ou de construção do imóvel.
(e) A renúncia à isenção de IVA só é permitida quando esteja em causa:
- A primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção, quando o IVA nela suportado tenha sido deduzido ou ainda possa ser deduzido, no todo ou em parte; ou
- A primeira transmissão ou locação do imóvel após ter sido objecto de grandes obras de transformação ou renovação de que tenham resultado um aumento superior a 50% do respectivo valor patrimonial tributável para efeitos do Imposto Municipal sobre Imóveis, quando ainda seja possível proceder à dedução, no todo ou em parte, do IVA incorrido nessas obras; ou
- Uma transmissão ou locação do imóvel subsequente a uma operação efectuada com renúncia à isenção de IVA, quando esteja a decorrer o prazo de regularização do IVA suportado nas despesas de construção ou aquisição do imóvel.
(f) Tanto o vendedor/senhorio como o comprador/inquilino devem realizar actividades que lhes confiram o direito a deduzir o IVA suportado ou, caso exerçam também actividades que não lhes confiram o direito à dedução do IVA suportado, o conjunto das operações que conferem direito à dedução deve ser superior a 80% do seu volume anual de negócios (esta percentagem é determinada com base no montante das operações realizadas no ano anterior, independentemente do critério que o sujeito passivo utilize para o exercício do direito à dedução). Este requisito não é aplicável aos sujeitos passivos cuja actividade consista, com carácter de habitualidade, na construção, reconstrução ou aquisição de imóveis para venda ou para locação.
(g) O vendedor/senhorio e o comprador/inquilino devem dispor de contabilidade organizada nos termos dos Códigos do IRS ou do IRC.
(h) A isenção de IVA aplicável aos contratos de subarrendamento não é renunciável.
(i) O IVA devido na transmissão de imóveis deve ser liquidado pelo adquirente (e já não pelo vendedor) no período de tributação no qual tenha lugar a renúncia à isenção (considerando-se que a renúncia só opera no momento da celebração do contrato de compra e venda).
Em face desta regra, caso o adquirente tenha direito a deduzir o IVA suportado na aquisição do imóvel, dado que tal dedução também deverá ser efectuada no período de tributação no qual tenha lugar a renúncia à isenção, o adquirente liquidará e deduzirá o IVA relativo à aquisição do imóvel na mesma declaração periódica, pelo que não terá que proceder ao respectivo pagamento (evita-se assim o encargo financeiro antes suportado pelo adquirente com referência ao período de tempo que mediava entre a cobrança do IVA ao adquirente pelo alienante e a recuperação de tal IVA pelo primeiro, por via da respectiva dedução ou reembolso).
(j) No caso de haver adiantamentos do preço ou da renda, o IVA devido sobre esses adiantamentos só deve ser liquidado quando seja celebrado o respectivo contrato de transmissão ou arrendamento e já não no momento em que o certificado de renúncia seja emitido pelas Autoridades Fiscais.
(k) Em certas situações, se a transmissão ou locação em apreço for realizada entre entidades relacionadas, o valor tributável é o “valor normal” das operações, ou seja, o respectivo valor de mercado que, tratando-se de uma transmissão, não deve ser inferior ao valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
(l) O IVA incorrido na construção de imóveis pelos contribuintes que realizam regularmente a actividade de construção de imóveis para venda ou arrendamento pode ser deduzido dentro de um período de oito anos (em vez do período normal de quatro anos), sempre que a referida construção tenha durado mais de quatro anos.
(m) O certificado de renúncia à isenção do IVA deve ser pedido por via electrónica, devendo o adquirente ou locatário do imóvel confirmar, pela mesma via, os elementos fornecidos pelo vendedor/senhorio. Uma vez emitido, o certificado é válido pelo período de seis meses.
Quanto às dúvidas suscitadas pelo novo regime, destacamos, a título de exemplo, as seguintes:
(a) De acordo com o regime estabelecido pelo Decreto-Lei 21/2007, para que possa haver lugar à renúncia à isenção do IVA, o contrato deve dizer respeito à totalidade do imóvel. Em face desta regra, dever-se-á concluir não ser possível renunciar à isenção do IVA sempre que esteja em causa a alienação de uma quota indivisa de um imóvel? E se estiver em causa a venda simultânea de várias quotas indivisas do imóvel a entidades distintas, sempre que a soma das quotas indivisas a alienar perfaça 100%, é possível renunciar à isenção do IVA aplicável a tal venda?
(b) Para que possa haver lugar à renúncia à isenção do IVA, o imóvel em causa deve ser afecto pelo adquirente/arrendatário ao exercício de actividades que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA incorrido (este requisito já estava previsto no artigo 12.º do Código do IVA, ainda que de forma menos explicita). Em face deste requisito, deve entender-se que, sempre que o imóvel se destine a ser arrendado ou revendido pelo adquirente, apenas se poderá renunciar à isenção relativamente à venda do imóvel se o adquirente renunciar simultaneamente à isenção aplicável ao contrato de arrendamento ou revenda que pretende vir a celebrar com referência ao imóvel (o que apenas será possível se, à data da aquisição do imóvel, o adquirente já tiver um arrendatário ou um novo adquirente para o imóvel)? Ou, pelo contrário, será possível renunciar à isenção do IVA aplicável à venda do imóvel desde que o adquirente indique pretender renunciar à isenção do IVA aplicável ao contrato de arrendamento ou revenda que vier a celebrar no futuro?
(c) Tendo em conta que a renúncia à isenção do IVA apenas poderá ser obtida se o vendedor/senhorio e o comprador/inquilino dispuserem de contabilidade organizada nos termos dos Códigos do IRS ou do IRC, está vedada tal renúncia sempre que um de tais intervenientes seja uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal (dado que tal entidade não estará obrigada a ter contabilidade organizada nos termos dos Códigos do IRS ou do IRC)?
(d) A regra relativa ao valor mínimo da renda anual deve verificar-se apenas na data da celebração do contrato? O que sucede no caso de transmissão de um imóvel inicialmente arrendado com renúncia à isenção do IVA, em que a referida regra não se cumpre após a transmissão?
Em face das alterações supra referidas e das dúvidas apontadas, tendo em conta os novos requisitos agora impostos, importa chamar a atenção para o facto de que tais restrições impedem a desejada neutralidade do IVA para os operadores económicos em actividades tributadas neste imposto, e comprometem de forma relevante o investimento nacional e, sobretudo, estrangeiro em operações imobiliárias em Portugal.
É um dado adquirido, por exemplo, que a exigência de que o valor da renda anual seja igual ou superior a 1/15 do valor de aquisição ou de construção do imóvel não se verifica em muitos projectos imobiliários das zonas prime de Lisboa, áreas onde o investimento estrangeiro é especialmente relevante (tal regra pressupõe um yeld superior a 6,66).
Em conclusão, o combate à fraude e evasão fiscais é essencial mas não pode ser efectuado de forma a prejudicar o investimento e a actividade económica, sob pena de o resultado ser o aumento da eficácia na cobrança de menos impostos. Sem geração de riqueza não serve de nada a eficácia do sistema fiscal.