As Avaliações Fiscais dos Prédios Urbanos - Novas Regras

Filipe Romão, Marta Pontes.

2007 Vida Imobiliária, n.º 112


Aquando da criação do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) em Novembro de 2003, segundo o respectivo preâmbulo, o principal objectivo das novas regras de avaliação aí fixadas era actualizar os valores patrimoniais dos prédios urbanos, por forma a que os mesmos correspondessem a cerca de 80% a 90% dos respectivos valores de mercado. Ainda que as novas regras se tenham revelado mais claras e objectivas do que as regras anteriormente em vigor, cedo se verificou que, na prática, as mesmas podem conduzir à fixação de valores patrimoniais substancialmente diferentes dos valores de mercado dos prédios avaliados (quer excedendo estes valores, quer ficando aquém dos mesmos).

Decorridos cerca de três anos sobre a entrada em vigor do Código do IMI, o legislador veio, através da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (“OE 2007”), introduzir algumas alterações na fórmula de avaliação prevista para os prédios edificados, cuja entrada em vigor ocorrerá no dia 1 de Julho de 2007, sendo de salientar as seguintes:

(a) A fórmula de cálculo da área bruta de construção a considerar para efeitos de avaliação passa a incluir a aplicação de um “coeficiente de ajustamento de áreas” que, sendo aplicado à área bruta de construção (correspondente à soma da área bruta privativa com 30% da área bruta dependente), é variável em função dos escalões de áreas fixados no novo artigo 40º-A do Código do IMI (o coeficiente aplicável vai sendo reduzido à medida em que se aumenta o escalão de área aplicável).

O coeficiente de ajustamento de áreas é aplicado sempre que estejam em causa prédios afectos a habitação, comércio, serviços ou estacionamento, na medida em que os mesmos tenham uma área bruta de construção superior a 100m2, bem como prédios afectos a indústria, na medida em que estes tenham uma área bruta de construção superior a 400m2.

A aplicação deste coeficiente permitirá uma redução do valor patrimonial dos prédios com áreas muito elevadas, reduzindo a possibilidade de tal valor ultrapassar o respectivo valor de mercado (circunstância que se tem vindo a verificar relativamente a alguns prédio de grandes dimensões, sobretudo quando os mesmos são localizados em zonas com coeficientes de localização muito elevados).

(b) A definição de área bruta privativa foi alterada, referindo-se agora expressamente que as varandas apenas deverão ser incluídas na área bruta privativa se forem varandas privativas fechadas (segundo a nova definição constante do Código do IMI, a área bruta privativa do edifício ou da fracção é “a superfície total medida pelo perímetro exterior e eixo das paredes ou outros elementos separadores do edifício ou da fracção, incluindo varandas privativas fechadas, caves e sótãos privativos com utilização idêntica à do edifício ou da fracção”);

(c) A definição de área bruta dependente também foi alterada, por forma a esclarecer que, ao contrário do que vinha sendo entendido por alguns peritos avaliadores, a mesma apenas deverá incluir as áreas cobertas e fechadas, e não as áreas que sendo cobertas não sejam fechadas (segundo a nova definição constante do Código do IMI, as áreas brutas dependentes são “as áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, ainda que constituam partes comuns, mesmo que situadas no exterior do edifício ou da fracção, cujas utilizações são acessórias relativamente ao uso a que se destina o edifício ou fracção, considerando-se, para esse efeito, locais acessórios as garagens, os parqueamentos, as arrecadações, as instalações para animais, os sótãos ou caves acessíveis e as varandas, desde que não integrados na área bruta privativa, e outros locais privativos de função distinta das anteriores, a que se aplica o coeficiente 0,30”);

(d) Visando responder a algumas dificuldades suscitadas pela prática, procedeu-se à criação de coeficientes de afectação específicos para os prédios afectos a comércio e serviços em construção tipo industrial (0,80 em vez dos 1,20 e 1,10 em regra aplicados aos prédios afectos a comércio e serviços, respectivamente), para os prédios afectos a estacionamento coberto não fechado (0,15 em vez dos 0,40 aplicados aos estacionamentos cobertos e fechados) e para os prédios afectos a arrecadações e arrumos (0,35);

(e) Foram introduzidos os seguintes novos elementos ao nível do coeficiente de qualidade e conforto: (i) “localização e operacionalidade relativa” (pode funcionar quer como um elemento majorativo quer como um elemento minorativo, sendo este mais um dos elementos cuja aplicação dependerá da apreciação subjectiva feita pelos peritos avaliadores, aplicando-se sempre que os mesmos considerem que o prédio se situa num local que influencia positiva ou negativamente o respectivo valor de mercado ou que o mesmo é beneficiado ou prejudicado por características de proximidade, envolvência e funcionalidade, considerando-se para esse efeito, por exemplo, a existência de telheiros, terraços e a orientação da construção); e (ii) “utilização de técnicas ambientalmente sustentáveis” (elemento minorativo que visa incentivar a utilização de energias proveniente de fontes renováveis e o aproveitamento de águas residuais tratadas ou pluviais).

As alterações supra referidas, sendo de louvar, sobretudo porque clarificam alguns aspectos que estavam pouco claros e porque reduzem, em certos casos, a possibilidade dos valores patrimoniais fixados ultrapassarem os valores de mercado, ainda assim ficam aquém do que, em nossa opinião, seria desejável porque continuarão a permitir a fixação de valores patrimoniais superiores aos valores de mercado, sobretudo para prédios que não estão (e, por vezes, nem podem estar) em regime de propriedade horizontal (como é o caso, por exemplo, dos edifícios afectos a actividades hoteleiras).

Mas, tal como referido supra, também existem situações nas quais a aplicação das regras em vigor poderá conduzir à fixação de valores patrimoniais inferiores aos valores de mercado. Na prática, a Administração Fiscal tem procurador obviar a tais situações, emitindo instruções quanto à aplicação concreta de alguns critérios de avaliação, muitas vezes sem qualquer apoio legal, ou até contrariando as regras legais em vigor. É o caso, por exemplo, das instruções constantes do Ofício-Circulado n.º 40087, emitido pela a Direcção de Serviços de Avaliações em 27 de Julho de 2006, na parte relativa às avaliações de centros comerciais.

A este propósito, importa começar por referir que o Código do IMI não estabelece regras de avaliação específicas para os centros comerciais, limitando-se a prever, como um elemento de qualidade e conforto majorativo a aplicar nas avaliações de prédios destinados a comércio ou serviços, a localização num centro comercial (definido pelo Código do IMI como “o edifício ou parte de edifício com um conjunto arquitectonicamente unificado de estabelecimentos comerciais de diversos ramos, em número não inferior a 45, promovido, detido e gerido como uma unidade operacional, integrando zona de restauração, tendo sempre uma loja âncora e ou cinemas, zonas de lazer, segurança e parqueamento”).

Atentas as particularidades dos centros comerciais, são várias as dúvidas suscitadas pela aplicação prática de algumas das regras de avaliação previstas no Código do IMI sempre que estejam em causa centros comerciais ou fracções autónomas de centros comerciais.

Procurando fazer face a algumas de tais dúvidas e uniformizar os procedimentos, a Direcção de Serviços de Avaliações emitiu o Ofício-Circulado n.º 40087, sancionando o seguinte entendimento:

5. As áreas de circulação das pessoas em centros comerciais são consideradas áreas brutas dependentes para efeitos do Art.º 40.º, n.º 3, do CIMI. As áreas de restauração que se destacam das áreas de circulação das pessoas em virtude da colocação de cadeiras e mesas são consideradas áreas brutas privativas para efeitos do Art.º 40.º, n.º 2, do CIMI.

6. As áreas de armazéns acessórias de fracções autónomas integrantes de centros comerciais são consideradas áreas brutas dependentes para efeitos do Art.º 40º, n.º 3, do CIMI.”.

Ora, tendo em contas as definições de área bruta privativa e área bruta dependente constantes do Código do IMI, o entendimento supra referido suscita-nos, pelo menos, as seguintes criticas:

(a) Quanto à qualificação da área de circulação das pessoas (Mall) em centros comerciais como área bruta dependente, consideramos que a mesma apenas está em conformidade com lei se e quando os centros comerciais objecto de avaliação não se encontrem em regime de propriedade horizontal. Caso contrário, tendo em conta que

(i) segundo o artigo 2º do Código do IMI, cada fracção autónoma de um edifício em regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio e, por isso, avaliada autonomamente,

(ii) de acordo com a definição legal de área bruta dependente, apenas as partes comuns do uso exclusivo da fracção a avaliar deverão ser qualificadas como área bruta dependente, e

(iii) nos centros comerciais em regime de propriedade horizontal, o Mall é uma parte comum não afecta ao uso exclusivo de qualquer fracção, consideramos que o entendimento exposto no referido Ofício-Circulado não poderá ser aplicado à avaliação de cada uma das fracções autónomas de um centro comercial em regime de propriedade horizontal, sob pena de se estar a violar as regras previstas no Código do IMI. Infelizmente, segundo a experiência que temos, na ausência de qualquer esclarecimento adicional quanto a este ponto, os peritos avaliadores têm aplicado o referido entendimento, independentemente de estarem a avaliar um centro comercial (sem propriedade horizontal) ou uma fracção autónoma de um centro comercial (imputando a tal fracção uma parte da área de Mall calculada em função da respectiva permilagem, ainda que tal área não seja do uso exclusivo da fracção), ignorando totalmente a letra da lei.

(b) No que respeita à qualificação das “áreas de restauração que se destacam das áreas de circulação das pessoas em virtude da colocação de cadeiras e mesas” (Foodcourt) como áreas brutas privativas, consideramos que tal qualificação, sendo questionável sempre que esteja em causa um centro comercial sem regime de propriedade horizontal, é totalmente contrária à lei quando se trate da avaliação de fracções autónomas de centros comerciais em regime de propriedade horizontal. Com efeito, atendendo às definições legais em vigor, entendemos que a área do Foodcourt não poderá em caso algum ser considerada como área bruta privativa de uma fracção autónoma (afecta à restauração) de um centro comercial, desde logo porque tal área não integra a área da fracção, enquanto superfície total da mesma medida pelo perímetro exterior e eixo das respectivas paredes ou outros elementos separadores. Pelos mesmos argumentos já referidos no ponto anterior, parece-nos evidentes que a área do Foodcourt não deverá sequer ser considerada como área bruta dependente das fracções em causa.

Tendo em conta que as áreas de Mall e Foodcourt tendem a ser superiores ao total das áreas das lojas propriamente ditas, é fácil perceber que o entendimento expresso no Ofício-Circulado 40087 tenderá a ter consequências muito gravosas, podendo mesmo conduzir à fixação de valores patrimoniais muito superiores aos valores de mercado, o que contraria os objectivos enunciados pelo próprio legislador aquando da criação do Código do IMI.

Em conclusão, consideramos que, sendo certo que os critérios legais de avaliação actualmente em vigor podem revelar-se inadequados face a certas realidades, motivo pelo qual saudamos as alterações introduzidas pela OE 2007, não podemos deixar de criticar a actuação da Administração Fiscal sempre que a mesma tente introduzir por via administrativa critérios que são contrários à lei, tal como acontece com o Ofício-Circulado n.º 40087 quando aplicado na avaliação de fracções autónomas de centros comerciais em regime de propriedade horizontal. Nesses casos, os contribuintes terão argumentos legais para contestar as avaliações que, ainda que não sejam reconhecidos no âmbito de uma segunda avaliação (dado que a Administração Fiscal tenderá a manter os critérios já seguidos aquando da primeira avaliação), sempre poderão ser usados em Tribunal.

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