A auto-liquidação do IVA nos serviços de construção civil

Filipe Romão, Francisco Cunha.

2007 Vida Imobiliária, n.º 116


As alterações recentemente introduzidas na legislação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), relativas às regras de auto-liquidação deste imposto nos serviços de construção civil, têm suscitado algumas questões no que respeita à sua aplicação na prática.

Não se tratando de uma análise detalhada das potenciais incongruências do novo regime (ou da posição da Administração Fiscal quanto à aplicação do mesmo), o objectivo do presente artigo é sobretudo o de enunciar - em termos sintéticos e sistemáticos - as principais regras a cumprir neste contexto, em especial no que respeita à liquidação e dedução do IVA e ao tipo de serviços que estão em causa.

1. Âmbito de aplicação da regra de auto-liquidação - Conceito de serviços de construção civil

A nova lei determina que este regime seja aplicado a serviços de construção civil, incluindo os relativos a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.

A Administração Fiscal veio determinar (através do Ofício-Circulado n.º 30 101, de 24 de Maio de 2007)  um substancial desenvolvimento deste conceito, considerando que a nova alínea do artigo 2º do Código do IVA dever-se-á aplicar a todos os serviços de construção civil que tenham por objecto a realização de uma obra e englobando igualmente todo o conjunto de actos que sejam necessários à sua concretização.

Assim, como obra dever-se-á entender todo o trabalho de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, reabilitação, limpeza, restauro e demolição de bens imóveis, bem como qualquer outro trabalho que envolva processo construtivo e seja de natureza pública ou privada. 

A consideração da existência de um serviço de construção civil não é igualmente condicionada à existência de um Alvará ou título de registo.

Por outro lado, entende igualmente a Administração Fiscal que a entrega de bens, com montagem ou instalação na obra, dever-se-á considerar abrangida pela regra de inversão.

Por forma a tornar mais clara e eficiente a determinação daquilo que se deva considerar um serviço de construção civil, a Administração Fiscal publicou duas listas com diversos tipos de serviços de construção civil que, em sua opinião, estão sujeitas (ou não) ao regime da auto-liquidação do imposto (estas listas são publicadas juntamente com o supra referido Ofício-Circulado).

Na medida em que as presentes listas são exemplificativas, poderão de facto auxiliar na categorização dos tipos de serviços abrangidos pelo regime já que, de acordo com a interpretação da Administração Fiscal, praticamente todos os serviços que tenham um cariz de construção poderão estar abrangidos pelo presente regime.

2. Serviços de construção civil - Liquidação do IVA

De acordo com os termos e nas condições previstas na alínea j) do número 1 do artigo 2º do Código do IVA, dever-se-á efectuar a auto-liquidação do IVA relativamente aos serviços de construção civil quando:

  • O adquirente dos mesmos seja um sujeito passivo de IVA que disponha de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional; e
  • Pratique operações que conferem o direito à dedução total ou parcial do imposto.

Nestas situações, caso o prestador tenha dúvidas sobre qual o enquadramento do adquirente face a cada situação em específico (se deverá ou não ser considerado um sujeito passivo de IVA), deverá tentar obter esclarecimento junto deste.

No caso de prestação deste tipo de serviços, importa ainda salientar que a factura correspondente não deverá fazer qualquer outra menção ao IVA, para além da expressão “IVA devido pelo adquirente”

O IVA devido pelo adquirente deverá ser auto-liquidado na própria factura recebida do prestador ou em documento interno que, para o efeito, deverá fazer menção da factura original (número, data e identificação do prestador).  No caso de não recebimento da factura, subsiste a obrigação de "auto-liquidação", devendo a mesma ser feita em documento interno e mantendo-se o direito à dedução nos termos do Código do IVA.

Por outro lado, como regra geral, o IVA deverá ser liquidado pelo prestador dos serviços de construção civil quando:

  • O adquirente dos mesmos não é sujeito passivo em sede de IVA  (ou se o for, não actua nessa qualidade relativamente à aquisição dos serviços);
  • O adquirente dos mesmos é um sujeito passivo que pratica exclusivamente operações isentas (de acordo com os artigos 9º e 53º do Código do IVA);

No que respeita à exigibilidade do IVA, as regras mantém-se inalteradas, ocorrendo tal exigibilidade na data da realização dos serviços, sem prejuízo da obrigação de auto-liquidação do imposto no caso de adiantamentos.

Importa chamar a atenção para as dificuldades que esta regras poderão implicar, dado que nem sempre será claro para o adquirente o momento em que o serviço foi realizado, ou o respectivo valor tributável, sendo no entanto sua a responsabilidade pela auto-liquidação do IVA que seja devido.  

3. Serviços de construção civil - Dedução do imposto incorrido a montante

O IVA que seja auto-liquidado pelo adquirente em virtude da prestação de um serviço de construção civil poderá ser deduzido (de facto, uma das condições do presente regime é a possibilidade - ainda que parcial - de dedução do IVA por parte do adquirente).

Assim, caso o adquirente seja um sujeito passivo misto de IVA, a dedução que este poderá efectuar apenas levará em conta a percentagem de dedução apurada em função das actividades que o mesmo desempenha (pro-rata). 

Por outro lado, caso o adquirente seja um sujeito passivo com capacidade total de dedução, o IVA auto-liquidado poderá ser deduzido na sua totalidade. Nesta situação, não haverá qualquer impacto financeiro (ou económico) relativo à presente operação, mas sim e apenas uma mera operação de registo em que os montantes que se auto-liquidam na declaração do IVA são os mesmos do que aqueles que se deduzem na mesma declaração.

4. Conclusões

Atenta esta resenha muito preliminar do novo regime de auto-liquidação do IVA nos serviços de construção civil, importa começar por salientar que o mesmo permite aos adquirentes de serviços de construção evitar o impacto financeiro decorrente do pagamento do IVA que seja recuperável, dado que em função da inversão do sujeito passivo tal IVA auto-liquidado poderá ser imediatamente deduzido, sem necessidade de pedidos de reembolso (naturalmente que em função das novas regras, passarão a ser os prestadores de serviços de construção a sofrer o impacto financeiro relativo à recuperação do IVA que lhes seja liquidado).

Por outro lado, importa alertar para o facto de que estão ainda por esclarecer as questões que o novo regime levanta no que respeita à responsabilidade pela auto-liquidação do imposto e momento em que esta deve ocorrer.

Efectivamente, a responsabilidade pela autoliquidação do IVA passa a ser do adquirente, e conforme sustenta a própria Administração Fiscal no Ofício-Circulado acima mencionado, “ainda que, por causa imputável ao prestador, se verifique atraso na autoliquidação por parte do adquirente, a responsabilidade contra-ordenacional ou pelo pagamento de juros daí decorrentes cabe sempre ao adquirente.”

Parece-nos que, em certos casos, tal posição poderá mesmo levar a situações absurdas.

Basta pensar que por lapso ou prudência um prestador liquide IVA nos termos gerais, vindo a Administração Fiscal mais tarde a considerar que tal IVA deveria ter sido auto-liquidado pelo adquirente. Poderá este sofrer uma liquidação adicional de IVA?

Por outro lado, parece difícil conceber que a responsabilidade pelo atraso na auto-liquidação possa caber ao adquirente nos casos em que tal atraso ocorra por causas imputáveis ao prestador, nomeadamente quando o adquirente não consiga determinar e não seja atempadamente informado pelo prestador do momento da realização do serviço, ou do respectivo valor tributável.

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