O Novo Regime do Licenciamento Comercial. 1.ª y 2.ª parte

Francisco Silva Carvalho, Vasco Caetano de Faria.

2009 Vida Imobiliária n.º 133 y 134


Critérios de decisão

No que respeita aos critérios que deverão pontuar a valia dos projectos com vista à emissão de uma decisão de autorização de instalação ou modificação de estabelecimentos ou conjuntos comerciais, observa-se que a nova lei parece tentar diminuir, por imperativos de cumprimento das normas comunitárias relativas ao mercado interno na UE, a análise económica na avaliação da instalação dos Estabelecimentos e Conjuntos Comerciais, eliminando, entre outros, o critério da promoção de uma adequada integração intersectorial do tecido empresarial, através do estabelecimento de contratos de abastecimento representativos com produtores industriais e agrícolas ao nível regional relevante.

Porém, a nova lei mantém, como parâmetro de avaliação do projecto, uma análise de carácter concorrencial, sob a forma de contribuição do estabelecimento ou conjunto comercial para a multiplicidade da oferta comercial tendo em vista promover a concorrência efectiva entre empresas e grupos na área de influência geográfica do estabelecimento a instalar.

Por outro lado, concede-se também relevância aos serviços prestados ao consumidor, à integração de pessoas com deficiência, à adesão a processos de resolução de conflitos de consumo, qualidade do emprego e responsabilidade social da empresa, enquadramento no ambiente urbano e valorização da capacidade de atracção do centro urbano. Por fim, é também avaliada a eficiência energética e adopção de medidas de protecção ambiental nos estabelecimentos ou conjuntos comerciais.

Em nossa opinião, alguns dos parâmetros que concorrem para classificação da valia do projecto pecam pela vacuidade e indeterminação de conceitos como “conforto na compra”, “qualidade no emprego” e “responsabilidade social” e, muitas das vezes, traduzem-se em duplicações de exigências legais que os promotores já se encontram obrigados a respeitar em sede de licenciamento de construção ou de utilização. Veja-se, por exemplo, o caso do parâmetro da eficiência energética do estabelecimento, em face das disposições normativas aplicáveis ao abrigo do Sistema Nacional de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior nos Edifícios (Decreto-Lei n.º 78/2006 de 4 de Abril).

Parece-nos igualmente criticável a pontuação do projecto pela adesão dos promotores aos centros de resolução de conflitos de consumo, sujeitos ao regime da arbitragem voluntária. Assim, para que o projecto tenha pontos suficientes para a obtenção da licença comercial, poderemos estar perante uma situação em que a adesão do promotor à resolução de conflitos com recurso à arbitragem voluntária pode ser, paradoxalmente, necessária!

Regime Transitório

O Decreto-Lei 21/2009 entra em vigor no dia 19 de Abril de 2009, revogando a Lei 12/2004 e respectivas portarias de desenvolvimento, aplicando-se:

(a)           aos processos em curso que ainda não tenham recebido uma decisão final por parte da entidade competente;

(b)          às modificações introduzidas nos projectos entre a data de emissão da decisão de autorização e a data de entrada em funcionamento dos estabelecimentos ou conjuntos comerciais;

(c)           às prorrogações das autorizações já emitidas.

Os processos relativos a estabelecimentos e conjuntos comerciais que, por força da alteração do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 21/2009, deixam de estar abrangidos pelo regime de autorização, são considerados extintos.

Ficam de fora do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 21/2009 as modificações de conjuntos comerciais quando já tenha sido emitida informação prévia favorável ou licença de construção.

Conclusões e Nota Crítica

O regime estabelecido pela Lei 12/2004, mereceu, desde a sua génese, diversas críticas por parte dos operadores económicos afectados pela mesma, que referiam o carácter anti-concorrencial do diploma, a complexidade, morosidade e burocracia do processo, a onerosidade das taxas respectivas, chegando mesmo a questionar a legitimidade da criação de um processo de autorização autónomo, alegando que a intervenção da Administração Central na instalação ou modificação de determinados estabelecimentos, deveria ser realizada através de consulta no âmbito do processo de licenciamento camarário, como aliás sucede, por exemplo, no licenciamento de estabelecimentos hoteleiros, ou instalações industriais.

O regime traçado pelo Decreto-Lei 21/2009, inspirado por algumas das críticas supra referidas, simplifica efectivamente o regime anterior, restringindo em grande medida o respectivo âmbito de aplicação, bem como o número de entidades consultadas no processo de decisão, eliminando a necessidade de consulta pública e de vistoria prévia à abertura dos estabelecimentos, criando uma única entidade decisória, abandonando o sistema de fases do regime anterior, e procurando adequar os parâmetros de apreciação dos projectos aos imperativos comunitários em matéria de liberdade de estabelecimento.

Apesar do saldo global das alterações introduzidas pelo novo diploma ser muito positivo em relação ao regime anterior, verificamos que não deixa de ser criticável a indeterminação e vacuidade dos critérios de apreciação dos projectos, a supressão de prazos em momentos determinantes do processo, e a eliminação da figura do deferimento tácito em caso de ausência de decisão pelas entidades competentes no prazo legalmente estabelecido para o efeito.