O não do STA ao IMT sobre o IVA nas Operações Imobiliárias

Filipe Romão, Marta Pontes.

2009 Vida Imobiliária, n.º 135


No passado dia 20 de Abril, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu, em sede de recurso, um acórdão que contraria um entendimento há muito seguido (ou pelo menos formalmente defendido) pela Administração Fiscal, de acordo com o qual o IVA liquidado com referência a uma operação de compra e venda de um imóvel com renúncia à isenção deveria ser incluído na base de incidência do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”). Esta decisão, que claramente  considera que o IVA deve estar excluído de tal base de incidência,  vem assim dar razão à maioria da doutrina, notários e contribuintes que entendiam ser totalmente ilegal a cobrança de IMT sobre o valor do IVA, tendo em conta que este último não fazia parte da contraprestação devida ao vendedor, para além de que, sendo dedutível, não representava sequer um verdadeiro encargo para o comprador.

Vejamos então quais os argumentos invocados pelos dois lados desta contenda. 

Nos termos do artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT, o IMT incide sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior, sendo que, de acordo com o disposto na alínea h) do n.º 5 do mesmo preceito legal, considera-se “valor constante do acto ou do contrato”, para além da importância em dinheiro paga a título de preço, designadamente, quaisquer encargos a que o comprador fique legal ou contratualmente obrigado.

Tendo por base a regra genérica supra referida, que já se encontrava prevista na primeira parte do 2º parágrafo do artigo 19.º do anterior Código do Imposto Municipal da SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações (“CSISD”), a Administração Fiscal veio, por parecer emitido em 25 de Maio de 1993, afirmar que, havendo renúncia à isenção de IVA aplicável às transmissões onerosas de imóveis, e ainda que o comprador pudesse deduzir o IVA que era cobrado pelo vendedor, o mesmo constituía indubitavelmente um encargo a suportar pelo comprador que, sendo abrangido pelo conceito genérico de “encargo” então previsto no CSISD, estava sujeito a SISA.

De acordo com o referido Parecer, ainda que o entendimento preconizado tivesse consequências indesejáveis, que iam contra o espírito que estava na base da tributação em sede de SISA (na medida em que a renúncia à isenção de IVA implicava uma menor manifestação de capacidade contributiva, pois, em virtude de tal renúncia e da consequente dedução do IVA suportado com referência ao imóvel, quer pelo vendedor quer pelo comprador, este último conseguia reduzir o valor efectivamente pago pelo imóvel), a regra prevista no então CSISD não permitia outra interpretação, pelo que tais consequências indesejáveis apenas poderiam ser evitadas se houvesse uma alteração legislativa no sentido de excluir expressamente o IVA de tributação em sede de SISA.

A posição assumida no Parecer supra referido foi, desde logo, objecto de inúmeras críticas, sendo que, na prática, a maioria dos operadores económicos fizeram dela “tábua rasa”, não incluindo o IVA no valor declarado para efeitos de liquidação da SISA devida nas compras e vendas de imóveis efectuadas com renúncia à isenção de IVA. A mesma posição foi seguida por grande parte dos notários que, considerando que o entendimento expresso no Parecer emitido pela Administração Fiscal era ilegal, e não se encontrando vinculados pelo mesmo, aceitavam outorgar as escrituras públicas de compra e venda tendo por base liquidações de SISA que apenas incidiam sobre o preço declarado, sem incluir o IVA.

Os fundamentos geralmente invocados para contestar, correctamente em nossa opinião, a interpretação feita pela Administração Fiscal são resumidamente os seguintes:

a)      O IVA liquidado sobre o preço de transmissão não constitui um verdadeiro encargo para o comprador, na medida em que este tenha direito à respectiva dedução;

b)     O IVA cobrado pelo comprador ao vendedor não faz parte da contraprestação devida a este pela transmissão do imóvel, dado que o vendedor está obrigado a entregar tal IVA ao Estado, sendo que apenas poderão ser incluídos no valor tributável em sede de SISA/IMT os “encargos” que tenham por beneficiário, ainda que indirecto, o vendedor (dado que apenas esses poderão ser visto como uma contraprestação devida pela aquisição do imóvel);

c)      Existem vários encargos a que o comprador fica legalmente obrigado na sequência da aquisição de um imóvel, como por exemplo encargos notarias, registais e de Imposto do Selo, que não são incluídos no valor sujeito a SISA/IMT, não existindo qualquer justificação para que o IVA tenha um tratamento distinto (sobretudo tendo em conta que, ao contrário de tais encargos, o IVA será normalmente recuperado pelo vendedor);

d)     O IVA liquidado sobre o preço de um imóvel não pode ser entendido como uma manifestação da capacidade contributiva do comprador, na medida em que, por um lado, ao renunciar à isenção de IVA, vendedor e comprador visam precisamente reduzir o preço do imóvel (que deixará de incluir o IVA que tenha sido suportado pelo vendedor com referência ao imóvel e que, de outra forma, teria que ser incluído, ainda que forma oculta, no respectivo preço), e, por outro lado, o IVA pago pelo comprador poderá ser recuperado.

Tendo presentes os argumentos supra mencionados, aquando dos trabalhos realizados com vista à Reforma da Tributação do Património foi, por recomendação da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, discutida a possibilidade de incluir no novo Código do IMT uma norma que expressamente referisse que o IVA dedutível não constituía um encargo para efeitos da sujeição a IMT. Não obstante, o legislador optou por não tomar qualquer posição quanto esta matéria, tendo-se limitado a transpor para o actual Código do IMT a regra já prevista no CSISD.

Depois da entrada em vigor do Código do IMT, a questão voltou a ser discutida, sendo que a Administração Fiscal confirmou, através da Informação n.º 1019/2006, de 27 de Outubro de 2006, a posição que já antes havia adoptado, com o argumento acrescido de que, ao manter no Código do IMT a regra já existente no CSISD, o legislador teria pretendido que, à semelhança do que acontecia em sede de SISA, o IVA fosse igualmente considerado para efeitos da determinação do valor sujeito a IMT.

No início de 2007, com a entrada em vigor do novo Regime de Renúncia Isenção de IVA nas Operações Imobiliárias (previsto pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro), ao abrigo do qual o IVA devido nas aquisições onerosas de imóveis com renúncia à isenção passou a ser autoliquidado pelo adquirente, a discussão ressurgiu. Com efeito, tendo em conta que, ao abrigo do novo regime, o IVA passou a ser liquidado pelo próprio comprador e já não pelo vendedor, sendo que tal IVA não chega sequer a ser entregue ao Estado sempre que no período em que realiza a aquisição o comprador já reúna as condições necessárias para proceder à dedução do IVA que autoliquida, surgiram novos argumentos para defender a não inclusão do IVA no valor sujeito a tributação em IMT.

Contudo, a Administração Fiscal considerou que a alteração legislativa verificada em sede de IVA era totalmente irrelevante para o tema em discussão, afirmando que o IVA deveria ser considerado como um encargo sujeito a IMT, independentemente de ser liquidado pela alienante ou pelo adquirente. Tal entendimento foi expresso através da Informação n.º 602/07, de 21 de Maio de 2007, e muito recentemente reiterado através da Circular n.º 9/2009, de 16 de Abril de 2009.

A decisão agora proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo vem, finalmente, dar razão a todos aqueles que sempre contestaram a posição que a Administração Fiscal vinha assumindo, concluindo de forma inequívoca pela não inclusão do IVA na base tributável em IMT.

O principal fundamento invocado pelo Supremo Tribunal Administrativo para justificar tal decisão é simples e inequívoco: todos os encargos previstos nas diversas alíneas do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT têm em comum o facto de se traduzirem em prestações que ingressam ou são susceptíveis de ingressar no património do vendedor, como contraprestação de valor correspondente ao valor do imóvel por ele transmitido; ao assegurar a inclusão no valor tributável de outras formas atípicas de encargos, a alínea h) do referido preceito limita-se a formular em termos genéricos o que as alíneas anteriores formulam exemplificativamente em particular, pelo que apenas inclui os valores que perante o vendedor o comprador se obrigue a prestar, ao vendedor ou a terceiro, como contraprestação do imóvel transmitido, não podendo o IVA ser entendido como fazendo parte de tal contraprestação.

A argumentação usada pelo Supremo Tribunal Administrativo é de tal forma óbvia e evidente que não pode deixar de levar a uma alteração de postura por parte da Administração Fiscal. Não obstante, e para evitar que a Administração Fiscal caia na tentação de ignorar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (como infelizmente tem acontecido relativamente a tantas outras matérias), seria aconselhável que o próprio legislador pusesse um ponto final a esta querela, alterando o Código do IMT no sentido de deixar claro que o IVA não constitui um encargo a incluir no valor sujeito a IMT.

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