As novas avaliações fiscais de imóveis: como e o que contestar

Filipe Romão, Miguel Durham Agrellos.

2005 Vida Imobiliária n.º 92


Poder-se-á afirmar, sem margem para dúvidas, que uma das principais novidades da reforma da tributação do património imobiliário, introduzida pelo Decreto-Lei, n.º 287/2003 de 12 de Novembro, prendeu-se com a instituição de um novo regime de avaliação dos imóveis o qual assentou em princípios claramente distintos dos que vigoraram até à entrada em vigor dos novos códigos. 

Na verdade, este novo regime, em termos sistemáticos inserido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, assenta na aplicação de uma fórmula que tem em consideração factores ou critérios objectivos considerados determinantes na formação dos preços dos imóveis num mercado imobiliário e que deixam uma reduzida margem de discricionariedade ao avaliador.  

Assim, concorrem para calcular o denominado valor patrimonial tributário do imóvel (“Vt”) o valor base dos prédios edificados, i.e., o custo médio de construção (“Vc”), a área bruta de construção e a área excedente à área de implantação (“A”), o coeficiente de afectação (“Ca”), o coeficiente de localização (“Cl”), o coeficiente de qualidade e conforto (“Cq”) e o coeficiente de vetustez (“Cv”). 

O Valor patrimonial tributário é pois dado pela seguinte fórmula: 

Vt = Vc * A * Ca * Cl * Cq * Cv 

Diga-se que a forma agora instituída de determinação do valor fiscal dos imóveis é manifestamente mais simples do que a anterior, retirando grande parte da subjectividade - diga-se, perigosa - existente no passado. É, pois, de congratular, neste aspecto, a reforma agora em vigor.

Contudo, perguntar-se-á, após a análise das novas regras e da fórmula acima transcrita, como contestar o valor patrimonial tributário fixado no caso de se considerar existir uma errónea ou incorrecta quantificação.

Ora, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis prevê, no caso de discordância relativamente ao resultado da avaliação, a possibilidade do contribuinte requerer a promoção de uma segunda avaliação no prazo de 30 dias a contar da notificação daquele valor. Caso o contribuinte discorde do resultado da segunda avaliação, poderá, ainda, apresentar uma impugnação judicial no prazo de 90 dias contados da notificação respectiva. 

Importa esclarecer que os meios atrás referidos, previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, apenas permitem contestar qualquer erro que tenha sido praticado na avaliação, i.e., qualquer formalidade não cumprida ou qualquer questão relacionada com a curta margem de discricionariedade que é deixada aos avaliadores.  

Assim poder-se-á questionar, por exemplo, a consideração ou qualificação de determinada área do imóvel como área bruta privativa ou área bruta dependente ou, então, a aplicação de determinado coeficiente de qualidade e conforto pois como se sabe existe aí alguma margem de discricionariedade, ainda que muito reduzida. 

Contudo, perguntar-se-á, e bem, se será possível contestar o próprio custo médio de construção ou os próprios coeficientes de localização e de afectação? 

Ora, relativamente a estes factores, os quais são decisivos na determinação do valor patrimonial tributário, podendo mesmo deslocar este valor para fora do padrões normais de mercado, importa referir que os mesmos foram determinados pelo legislador, i.e., publicados por Decreto-Lei e por Portaria. 

A este propósito, refira-se que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir que não existe qualquer obstáculo, a nível de lei ordinária, que impeça que sejam apreciados pelos tribunais os actos de fixação de valores patrimoniais em todas as suas vertentes, sendo, assim, possível sindicar qualquer erro de avaliação, seja motivado por errada apreciação dos elementos de facto seja por errada aplicação de normas jurídicas.  

Contudo, entendemos não ser possível o afastamento ou alteração de critérios constantes da lei em função do caso concreto, sem que isso implique a alteração da própria lei! 

Não obstante, importa frisar que as situações - que a experiência prática demonstra já existirem - nas quais o preço real praticado em determinada transmissão é inferior ao valor resultante da aplicação das novas regras geram casos de grande injustiça e que não podem, sem mais, ser esquecidas em nome de um princípio cego baseado em meras presunções. 

Na verdade, consideramos que os critérios referidos e que concorrem para a formação da fórmula atrás transcrita não deixam de constituir presunções relativas a certos indicadores ou componentes do valor de mercado dos imóveis. Refira-se que segundo o próprio preâmbulo do Código do IMT, as novas regras de avaliação pretendem aproximar (e nunca ultrapassar) os valores patrimoniais a cerca de 80% a 90% do valor de mercado dos imóveis. No entanto, não se poderá esquecer que em direito fiscal – tal como estabelece a Lei Geral Tributária - não são admitidas presunções inilidiveis (i.e. absolutas), devendo ser sempre admitido ao contribuinte a prova em contrário. 

Acresce que, de acordo com o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e com o Código de Procedimento e de Processo Tributário,  é fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, pelo que entendemos que qualquer inconstitucionalidade pode ser arguida aquando da apresentação de uma impugnação judicial.  

Neste sentido, nos casos em que os valores reais são comprovadamente inferiores aos que resultam das avaliações, pensamos ser possível impugnar o resultado de uma avaliação com base na violação dos princípios da igualdade e da tributação pelo lucro real, ambos previstos na Constituição da Republica Portuguesa. 

Acresce que entendemos que outro expediente processual a que contribuinte poderá recorrer é a revisão oficiosa do acto tributário, prevista na Lei Geral Tributária. De facto, de acordo com aquela lei, o dirigente máximo do serviço poderá autorizar, a título excepcional, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória. Na verdade, entendemos que os casos em que o preço efectivamente praticado seja manifestamente inferior ao valor resultante da aplicação das regras de avaliação, poderão ser contestados através deste meio processual.  

De facto, entendemos que se determinado prédio foi alienado por um preço de 100 e o valor patrimonial tributário fixado em 150, tal gera uma grave e notória injustiça a qual assenta na violação do próprio princípio da igualdade devendo por isso ser possível contestar a avaliação. 

Por fim, importar mencionar que os factores atrás referidos e que são fixados por lei, são, antes de mais, propostos pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (“CNAPU”). 

De referir que esta Comissão, com base em elementos e dados providenciados pela Direcção Geral dos Impostos, propõe, dentro de determinados prazos, o valor do custo médio de construção, os coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município, o zonamento, bem como as directrizes relativas à apreciação da qualidade construtiva.

Acresce que, nos termos do diploma que aprovou a reforma do património, os elementos atrás referidos podem ser revistos sob proposta da referida comissão com fundamento na sua errada qualificação ou quantificação. 

Tendo em conta o referido, entendemos que qualquer contribuinte poderá apresentar uma exposição à CNAPU requerendo a revisão de determinados factores comprovando que os mesmos levam a relevantes desajustamentos e a evidentes injustiças.  

Em conclusão, ainda que o novo regime tenha dificultado a contestação dos valores patrimoniais fixados que se mostrem desajustados - maxime, o caso do valor patrimonial tributário ser superior ao preço efectivamente praticado -, pensamos, pelas razões apontadas, existirem meios e expedientes ao dispor do contribuinte e que devem ser utilizados sob pena das novas regras poderem redundar em gritantes injustiças, retirando, assim, efeito útil aos princípios que nortearam a reforma do património imobiliário.

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