Legislação complementar ao novo regime do arrendamento urbano (2.ª parte).

2006 Vida Imobiliária, n.º 106


1. INTRODUÇÃO

Na primeira parte deste artigo, publicada no último número, foi feita uma resenha, em traços gerais, de alguns dos diplomas que constituem a legislação complementar ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante “NRAU”). Nesse seguimento, e após a sua promulgação pelo Presidente da República em 26 de Julho de 2006, são agora descritos os restantes diplomas cuja aplicação será primordial para a implementação deste novo regime.

2. NÍVEL DE CONSERVAÇÃO

Tal como o Rendimento Anual Bruto Corrigido, o nível de conservação do imóvel locado é um conceito instrumental essencial à correcta aplicação do mecanismo de actualização de rendas, tal como sucintamente descrito na primeira parte deste artigo. Para além desta utilidade prática, o diploma que regula este conceito afirma no seu preâmbulo constituir este também um meio de levantamento das condições em que se encontra o património urbano arrendado.

Estabelece assim este diploma o método de fixação do nível de conservação dos imóveis locados, sendo que os aspectos técnicos e a execução do mesmo deverão ser regulamentados em Portaria conjunta a aprovar pelos membros do Governo com tutela conjunta sobre as Autarquias Locais, a Habitação e as Obras Públicas.

A determinação do nível de conservação será requerida às Comissões Arbitrais Municipais (“CAM”), ou enquanto estas não estiverem instaladas, aos Municípios, tendo legitimidade para esse pedido as seguintes entidades: (i) o proprietário, o superficiário ou o usufrutuário; (ii) o arrendatário com contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do RAU ou com contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do DL 257/95; e (iii) “outras pessoas previstas na lei”. Esta avaliação será realizada por um engenheiro ou arquitecto, escolhido através de sorteio e implicará uma análise in loco do local arrendado e a descrição da situação através do preenchimento de um formulário a publicar para o efeito.

Como forma de actuar sobre a degradação latente de determinados edifícios, o regime que determina o método de fixação do nível de conservação prevê ainda que, se a CAM verificar que o prédio apresenta risco para a segurança ou saúde pública, ou se considerar que este deverá ser demolido, deverá transmitir essa informação aos serviços municipais com competência em matéria de urbanismo.

Finalmente, outro aspecto relevante deste diploma prende-se com a possibilidade de dispensa de determinação do nível de conservação nos casos em que o senhorio entenda que o prédio se encontra em estado de conservação bom ou excelente, comunicando à CAM que irá proceder à actualização da renda aplicando o coeficiente de conservação 0.9 (o que corresponde a um nível de conservação médio). O arrendatário terá sempre o direito de se pronunciar sobre o estado de conservação do imóvel, no entanto, caso este não reclame que o imóvel se encontra num estado de conservação mau ou péssimo, a actualização de rendas processar-se-à de forma muito mais célere.

3. COMISSÕES ARBITRAIS MUNICIPAIS

As CAM, com a natureza jurídica de entidades oficiais não judiciárias com autonomia funcional, são competentes para dirimir alguns conflitos, nomeadamente no que concerne a realização de obras ou a efectiva utilização do locado, sem que seja necessário recorrer aos Tribunais. Para além desta competência de composição alternativa de litígios, as CAM têm ainda funções essenciais relativas à determinação do nível de conservação do imóvel arrendado para efeitos de actualização de rendas.

As CAM podem funcionar com um mínimo de cinco representantes, incluindo obrigatoriamente um representante da câmara municipal e um representante do serviço de finanças, podendo integrar ainda representantes de associações de senhorios, associações de arrendatários, da Ordem dos Engenheiros, da Ordem dos Arquitectos e da Ordem dos Advogados.

No que concerne a competência administrativa das CAM, inclui-se no âmbito da mesma a promoção e determinação do nível de coeficiente de conservação dos prédios, bem como, a indicação dos técnicos responsáveis por essa análise e, a requerimento dos interessados, a definição de quais as obras necessárias à obtenção de um nível de conservação superior. Quanto à competência decisória das CAM, (i.e. capacidade de resolução de conflitos) esta deverá, nomeadamente, incidir sobre decisões de reclamações relativas à determinação do coeficiente de conservação ou questões levantadas relativamente às obras necessárias no imóvel arrendado.

As CAM deverão ainda desempenhar um papel relevante de acompanhamento da informação relativa ao estado de conservação dos imóveis arrendados, bem como de seguimento e esclarecimento de questões dos munícipes respeitantes à aplicação do NRAU.

4. REQUISITOS DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO

Sendo uma das principais finalidades do NRAU a flexibilização do contrato de arrendamento, este assume-se como um regime marcadamente aberto, na medida em que pugna pela consagração da autonomia das partes na definição dos elementos contratuais. Neste contexto, este Decreto-lei estabelece quais os elementos mínimos num contrato de arrendamento.

Assim, são elementos necessários dos contratos de arrendamento: (i) a identidade das partes; (ii) a identificação e localização do imóvel arrendado; (iii) o fim habitacional ou não habitacional do contrato; (iv) a existência de licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou referência à sua inexigibilidade; (v) o quantitativo da renda; e (vi) a data da celebração. Serão seus elementos eventuais: (i) a identificação dos locais de uso privativo e de uso comum do arrendatário; (i) a natureza do direito do locador, sempre que a natureza do contrato seja celebrado com base num direito temporário ou em poderes de administração de bens alheios; (iii) o número de inscrição na matriz predial; (iv) o regime da renda; (vi) o prazo; (vii) a existência de regulamento de propriedade horizontal; e (viii) quaisquer outras cláusulas permitidas por lei e pretendidas pelas partes.

Tal como sucedia ao abrigo do RAU, continua a ser imperativa a existência de licença de utilização confirmando a aptidão do imóvel para o fim previsto no contrato, para que um prédio urbano ou fracção autónoma possa ser objecto de arrendamento urbano, sendo, contudo, explicitado que esta imposição apenas se aplica se estes forem posteriores a 1951.

Se as partes alegarem urgência na celebração do contrato, a lei prevê a substituição daquela licença por documento comprovativo da sua requisição com a antecedência mínima legalmente imposta.

A falta de licença de utilização, por causa imputável ao senhorio, levará à aplicação, pelo município, de uma coima que não será inferior a um ano de renda, podendo o arrendatário resolver o contrato nos termos gerais sem prejuízo de direito a indemnização.

Por fim, deve ainda referir-se que a mudança de fim do arrendamento deverá ser, sempre, antecedida de autorização camarária, sendo certo que o arrendamento, quando tenha um fim diverso do licenciado, será nulo.

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