Planeamento territorial e urbanístico

10/1/2007 Direito & imobiliário - 50 Respostas Essenciais (edição Vida Imobiliária)


O Direito do Urbanismo representa o sistema das normas jurídicas que, no quadro de um conjunto de orientações em matéria de ordenamento do território, disciplinam a actuação da Administração Pública e dos particulares, com vista a obter uma ordenação racional das cidades e da sua expansão.

Este ramo do direito engloba, portanto, um vasto conjunto diferenciado de normas que regulam, nomeadamente, a organização administrativa urbanística, a elaboração, aprovação e modos de execução dos planos urbanísticos ou a admissibilidade e os termos em que podem ser realizadas pela Administração ou pelos particulares as diferentes operações jurídico-económicas, com fins de urbanização e edificação, incluindo as de construção de novas cidades, renovação e expansão de aglomerados já existentes ou a mera realização de obras de construção de novos edifícios.

A actividade urbanística é, assim, exercida em dois grandes planos distintos de actuação.

Por um lado, a Administração define, através de instrumentos de planeamento territorial e urbanístico, as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos. Esta tarefa fundamental de planeamento territorial e urbanístico, que a Constituição confere conjuntamente ao Estado, às Regiões Autónomas e aos Municípios, é levada a cabo através de instrumentos de gestão territorial que representam assim o quadro normativo substantivo do Direito do Urbanismo. Com efeito, enquanto actos simultaneamente de criação e de aplicação do direito, os planos urbanísticos constituem um instrumento de programação e de coordenação de decisões administrativas individuais com incidência na ocupação e no aproveitamento dos solos para fins urbanísticos.

Por outro lado, a Administração desenvolve igualmente uma intensa função de controlo administrativo da actividade urbanística dos particulares, através do licenciamento e autorização das respectivas operações urbanísticas.

Neste capítulo, daremos apenas resposta às questões essenciais que se colocam a propósito da actividade de planeamento territorial e urbanístico da Administração, desenvolvida em torno dos instrumentos de gestão territorial, sendo as relativas ao licenciamento e autorização das operações urbanísticas dos particulares respondidas no capítulo seguinte.

A principal legislação de planeamento territorial e urbanístico, cuja interpretação fundamenta as nossas respostas, é a seguinte:

  • Lei n.º 48,98, de 11 de Agosto, que estabelece as bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo;
  • Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que define o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial;


 

Que instrumentos de gestão territorial estão à disposição da Administração?

Os instrumentos de gestão territorial definem o modo de agir da Administração na prossecução das tarefas constitucionalmente impostas de ordenamento do território e de conformação do uso dos solos.

Estes instrumentos têm por base um sistema de gestão territorial que, nos termos do artigo 7º da Lei de Bases do Ordenamento do território e do Urbanismo, assenta em três âmbitos: nacional, regional e municipal.

Ao nível do território nacional encontramos os instrumentos que definem o “quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional, estabelecendo as directrizes a considerar no ordenamento regional e municipal, e a compatibilização entre os diversos instrumentos de política sectorial com incidência territorial, instituindo, quando necessário os instrumentos de natureza especial.”(alínea a) do artigo 7º da LBPOTU). Neste nível incluem-se o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), os Planos Especiais de Ordenamento do Território e os Plano de Política Sectorial.

O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), instrumento de natureza preceptiva ou programática, define os objectivos de médio e longo prazo a alcançar em áreas estruturantes do território nacional, concretizando as opções definidas no plano nacional de desenvolvimento económico e social, contendo as grandes linhas orientadoras do modelo de organização espacial a prosseguir.

Os Planos de Política Sectorial e os Planos Especiais de Ordenamento do Território, apesar de se encontrarem no elenco de instrumentos de gestão territorial constante da LBPOTU, não devem ser considerados verdadeiros instrumentos de politica de ordenamento do território. Na verdade a sua finalidade é outra que não aquela, podendo dizer-se que o seu intuito não é senão o de dar expressão territorial às políticas que se pretendem desenvolver, no caso dos planos sectoriais, e , no caso dos planos especiais, dar consistência geográfica às politicas de protecção ambiental e cultural.

De âmbito regional são os instrumentos que definem o “quadro estratégico para o ordenamento do espaço regional em estreita articulação com as políticas nacionais de desenvolvimento económico e social, estabelecendo as directrizes orientadoras do ordenamento municipal.” (alínea b) do artigo 7º da LBPOTU). São estes os Planos Regionais de Ordenamento do Território e os Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território.

Os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) traduzem de modo mais concretizado e para um espaço geográfico regional, as opções constantes do PNPOT, estabelecendo as orientações para o ordenamento do território regional tendo em conta as perspectivas de evolução económica e sócio-cultural.

Os Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território (PIOT) fazem a articulação entre os planos regionais e os planos municipais, abrangendo à área de dois ou mais municípios vizinhos que, pela sua interdependência, necessitam de coordenação integrada. São de elaboração facultativa.

Finalmente, temos um nível territorial de âmbito municipal, no qual se “define, de acordo com as directrizes de âmbito nacional e regional e com opções próprias de desenvolvimento estratégico, o regime de uso do solo e a respectiva programação. É sobretudo ao nível municipal que se levam a cabo as políticas urbanísticas, sendo o nível regional e nacional áreas vocacionadas sobretudo para a implementação de políticas de ordenamento do território. Estes instrumentos são especialmente importantes para os particulares, uma vez que estes estão vinculados ao seu respeito, contrariamente ao que sucede face aos instrumentos de âmbito nacional e regional, que apenas vinculam entidade públicas.

A este nível encontram-se três planos:

  • O Plano Director Municipal, abrangendo a totalidade do território do Município, define a estratégia de desenvolvimento económico e social do território local, a classificação dos solos como urbanos ou rurais, e os parâmetros elementares de ocupação e uso do solo. É o mais importante instrumento de gestão territorial, sendo obrigatória a sua elaboração desde a década de 1990. Este tipo de plano tem vindo a tornar-se essencialmente urbanístico, especialmente na falta de planos de urbanização ou de pormenor, mas, ainda assim, importa não esquecer que este é um dos mais relevantes instrumentos de ordenamento do território.
  • O Plano de Urbanização, instrumento exclusivamente urbanístico, que define as regras e limitações a que se sujeita todo ou parte significativa de um espaço urbano ou urbanizável, no interior de uma dada circunscrição administrativa municipal, tendo por fim a correcta ordenação e expansão de um aglomerado urbano.
  • O Plano de Pormenor, instrumento de gestão territorial que pode respeitar quer a parte do perímetro urbano, quer a parte do perímetro rural, e que estabelece, de forma detalhada, a disciplina jurídica que regerá o aproveitamento urbanístico desse espaço geográfico.

 

Que entidades têm competência para a elaboração e aprovação dos instrumentos de gestão territorial?

Primeiro que tudo importa esclarecer que são diferentes as entidades com competência para elaborar e as entidades com competência para aprovar instrumentos de gestão territorial. Nunca o mesmo órgão elabora e aprova um instrumento de gestão territorial, sendo sempre repartidas estas competências, havendo ainda que contar com a participação de outras entidades públicas, exteriores àquela pessoa colectiva, no iter de formação destes instrumentos.

No que respeita ao Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, é o Governo o órgão com competência para a sua elaboração, cabendo à Assembleia da República a aprovação do mesmo. O procedimento conta ainda com a participação de uma comissão consultiva, composta por representantes das Regiões Autónomas, das autarquias locais e dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais relevantes, bem como com um período de discussão pública.

Quanto ao Plano Regional de Ordenamento do Território, a sua elaboração é da competência da comissão de coordenação e desenvolvimento regional, mediante prévia resolução do Conselho de Ministros. Na elaboração do PROT intervém igualmente uma comissão mista de coordenação, integrada por representantes do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, da Economia, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas , das Obras Públicas Transportes e Comunicações, e da Cultura, dos Municípios e ainda de outras entidades com relevo económico, social, cultural e ambiental. A aprovação caberá ao Conselho de Ministros, havendo no entanto lugar a um período prévio de discussão pública.

Em relação os Planos Intermunicipais, a sua elaboração é levada a cabo pelos municípios associados para o efeito, ou por associação de municípios e também aqui haverá acompanhamento por parte de uma comissão mista de coordenação. Após parecer sobre a versão final, emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional(CCDR), a aprovação competirá às assembleias municipais interessadas, ou à assembleia intermunicipal, se este for o caso.

Finalmente, os Planos Municipais (PDM, PU e PP) são elaborados pela Câmara Municipal, sob acompanhamento de uma Comissão Mista de Coordenação que promoverá a audição de todas as entidades que considere representativas dos interesses a ponderar no Plano em questão. Ao longo de todo o procedimento, que deve ser tornado público desde o momento em que se delibere a elaboração de um plano, os particulares têm o direito de conhecer os trabalhos em curso, bem como de fazer sugestões e, mais tarde, num período de discussão pública, apresentar as suas observações e discordâncias face ao mesmo. O plano será sujeito a parecer da CCDR, competindo à Assembleia Municipal a sua aprovação. Finalmente, os Planos Municipais, em certos casos, carecerão de ratificação governamental (pelo menos enquanto não for aprovado o PNPOT), sem a qual os planos não serão eficazes.

Evidentemente, apesar de a competência para a elaboração, e especificamente, para a iniciativa na decisão de elaboração de um plano caber a entidades públicas, nada impede particulares de apresentarem petições, de sugerirem a estes órgãos a criação de planos, ou de manifestar a sua vontade na alteração dos mesmos. Na realidade, é sabido que muitos dos planos feitos em Portugal surgem como resposta a iniciativas de particulares que pretendem levar a cabo projectos imobiliários e que não encontram resposta às suas necessidades nos instrumentos existentes.

 

Quais os instrumentos de gestão territorial susceptíveis de afectar a posição dos particulares?

Num sentido amplo é possível afirmar que todos os planos são susceptíveis de afectar a posição dos particulares, na medida em que, pelo menos de modo indirecto, todos podem implicar um condicionamento aos direitos destes.

Contudo, apenas os planos de âmbito local são directamente vinculativos para os particulares, sendo que os restantes constituem parâmetros de actuação apenas para as entidades públicas. Assim, o PNPOT, os PROT, os Planos sectoriais, e os PIOT apenas vinculam entidades públicas, ao passo que os planos municipais vinculam quer estas, quer particulares.

Regendo-se os planos por um principio de adequação funcional, isto significa que nas relações com particulares é exclusivamente aplicável um único plano a cada parcela do território, de acordo com um critério de maior proximidade. Assim, incidindo sobre uma dada área, um PROT, um PDM e um PP, apenas este último é aplicável ao particular.

Finalmente, é importante referir que se de um lado os direitos dos particulares, maxime o direito de edificar, são susceptíveis de ser afectados pelas disposições de um instrumento de planeamento territorial, de outro ponto de vista, são também os planos que conferem uma maior consistência à expectativa do particular no deferimento ou indeferimento de um dado pedido de licenciamento ou autorização.

Decorre do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, que a Administração não pode praticar actos administrativos que contrariem o plano e que se o fizer os actos assim praticados serão consequentemente nulos. Sendo assim, a partir do momento em que aprova um determinado plano, instrumento de natureza regulamentar, a Administração está a estatuir os critérios que presidirão à tomada de decisões futuras naquela matéria. A sua margem de livre apreciação e decisão torna-se mais reduzida, podendo mesmo vir a ser eliminada caso os parâmetros normativos sejam muito densos.

Por esta razão o particular tem interesse em ver delimitados os poderes de decisão da entidade licenciadora/autorizadora, na medida em que da existência de planeamento decorre uma maior certeza na actuação futura da Administração, pelo menos durante o período de vigência do plano.

 

De que modo está a Administração vinculada às disposições destes instrumentos?

Os instrumentos de gestão territorial constituem parâmetros normativos cujo cumprimento não está à disposição da vontade da Administração. O principio da legalidade e o principio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, obrigam a Administração a pautar a sua actividade pelos critérios previamente definidos de forma genérica, seja por si, seja por outra entidade pública à qual esteja atribuída aquela competência, daqui resultando que os actos que contendam com as normas aí presentes serão invariavelmente nulos.

Esta questão é especialmente relevante no que respeita à matéria das obras públicas, onde por vezes se gera a sensação de que não há lugar ao cumprimento das vinculações resultantes dos planos, especialmente quando os terrenos nos quais se pretende realizar a obra são propriedade da entidade pública promotora da mesma. Nestas situações, em que não existem sujeitos cuja esfera jurídica seja directamente lesada, resta a possibilidade de agir contenciosamente em defesa do interesse público urbanístico, o que será feito, na grande maioria das situações, através de associações representativas de interesses urbanístico-ambientais.

 

Que implicações têm estes instrumentos no meu direito de propriedade?

Contrariamente ao que durante largos anos se pensou, o direito de propriedade está longe de ser um direito de conteúdo ilimitado ou ilimitável. A função social da propriedade é hoje uma realidade evidente e que nos surge sob as mais diversas manifestações. Independentemente de se saber se esta conformação do direito de propriedade constitui uma restrição às faculdades compreendidas no conteúdo do direito de propriedade, em especial à faculdade de construir (ius aedificandi), ou se estamos apenas perante uma delimitação do conteúdo do direito, que assim, conceptualmente, não abrangeria sequer aquela faculdade, a verdade é que a existência de um instrumento de planeamento territorial afecta o direito de propriedade dos particulares.

A própria Constituição da República Portuguesa estabelece, no número 4.º do seu artigo 65.º, que incumbe ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais a definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos através dos instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, procedendo às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.

Portanto, a Administração poderá, no exercício da actividade urbanística, estabelecer restrições ou limitações às faculdades de uso ou de utilização do solo, sem que se verifique uma obrigação de indemnização. Com efeito, pode suceder que, de acordo com as circunstâncias, determinadas proibições de utilização resultem da particular situação factual de um terreno, pelo que o plano não faz mais do que actualizar uma limitação inerente à propriedade do terreno, pelo que se trata unicamente de uma definição do conteúdo do direito de propriedade e não de uma medida expropriativa que obrigue a indemnização.

Isto não significa que a administração possa, ao arrepio de todos os interesses que se mostrem relevantes durante o procedimento de elaboração de um instrumento de gestão territorial, decidir arbitrariamente, não ponderando interesses que se mostrem relevantes para a decisão. Porque assim é, a Administração vê-se obrigada a ponderar e a fundamentar as decisões tomadas em matéria de planeamento, bem como a respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade, imparcialidade, justiça e boa fé.

No entanto, apesar de vinculada ao respeito destes parâmetros, a decisão de planeamento cabe ao órgão legalmente competente e, naturalmente, é este quem terá legitimidade para dentro da margem de discricionariedade que justamente o legislador lhe quis conferir, ponderar todos os interesses públicos e privados que se mostrem determinantes na definição do conteúdo do instrumento de gestão urbanística.

 

Tenho algum direito de participação no procedimento de formação dos instrumentos de gestão territorial?

O artigo 65.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, garante a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.

Este direito de participação decorre do facto de no moderno Estado de Direito Democrático as decisões públicas representarem o resultado de um procedimento em que a manifestação da vontade estadual é “construída” mediante a intervenção de múltiplos sujeitos, uma vez que a prossecução do interesse público não pode ser realizada de uma forma unilateral e autoritária, sem a consideração dos interesses dos privados.

É precisamente a participação dos particulares no procedimento de tomada de decisões públicas que permite uma mais correcta determinação do interesse público concreto a ser realizado, mediante a comparação e a composição deste último com os interesses privados em causa. Razão pela qual o procedimento de formação de uma decisão pública não pode valer como um simples esquema formal organizativo da tomada de decisões mas antes como uma realidade material que, ao potenciar a participação dos particulares e demais entidades privadas, permite a tomada de decisões mais correctas e eficientes, por força da intervenção dos respectivos destinatários.

Portanto, o procedimento público desempenha simultaneamente uma dimensão objectiva, com as suas funções legitimadora, organizatória e participativa, bem como uma dimensão subjectiva de garantia dos direitos dos particulares, permitindo a tutela antecipada e preventiva dos seus direitos, anteriormente à decisão das autoridades públicas.

Por esta razão, a Constituição da República Portuguesa, consagrou um modelo de Administração Pública aberto e democratizado, típico de um Estado de Direito, através do qual estabeleceu, no número 5.º do seu artigo 267.º, um direito fundamental de “participação dos cidadãos  na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, o qual obriga a uma lógica de actuação e funcionamento não apenas direccionada ao cumprimento da lei e realização do interesse público, antes passando também pelo respeito e garantia dos direitos dos indivíduos, o que se realiza, designadamente, mediante um procedimento decisório aberto à participação dos particulares.

Não deixando de se reconhecer que a participação dos interessados no procedimento de elaboração dos planos urbanísticos decorre do fundamento geral da participação dos cidadãos na organização e actividade da Administração Pública, o certo é que existe um fundamento específico que reclama a existência de formas adequadas de participação dos interessados nos procedimentos de planificação territorial e decorre da necessidade de compensar a amplitude do poder discricionário que caracteriza a actividade de planificação. De facto, as normas jurídicas que disciplinam a planificação urbanística contêm apenas os princípios fundamentais dos planos, as regras respeitantes ao procedimento da sua elaboração e aprovação e os fins ou objectivos prosseguidos, remetendo a escolha dos meios e do momento mais adequados para os atingir para a própria Administração.

 Assim se compreende a importância da participação dos destinatários das decisões públicas num domínio como o do Direito do Urbanismo e Ordenamento do Território, em que as decisões a tomar são susceptíveis de afectar uma multiplicidade de sujeitos e obrigam normalmente à ponderação de valores e de interesses contraditórios, podendo apresentar um elevado grau de complexidade técnica. Com efeito, a subordinação da actividade planificatória a um procedimento administrativo, no qual seja reconhecido ao particular o direito e apresentar e de fazer valer as suas próprias razões e os seus próprios interesses, contraditórios com outros particulares e com os representantes da comunidade e dos vários interesses colectivos, e a consequente obrigação imposta à Administração de levar em consideração, nas opções que vier a tomar no domínio do conteúdo do plano, as “sugestões” e “observações dos cidadãos, constituem formas de controlo e limites apreciáveis à liberdade de conformação da Administração, como tornam também as decisões administrativas mais facilmente aceites pelos seus destinatários.      

Relativamente aos titulares deste direito de participação, o n.º 5 do artigo 65.º da Lei Fundamental pretende abarcar um círculo muito amplo, abrangendo não apenas os proprietários ou titulares de outros direitos reais que incidam sobre um imóvel localizado em área de aplicação de um plano, mas também aqueles que sejam portadores de um interesse económico ou meramente cívico preocupados com uma melhoria da qualidade de vida e um correcto planeamento urbanístico. O que significa que, para além de uma participação subjectiva destinada a tutelar os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, a Lei Fundamental postula também uma participação objectiva, ao abrigo da qual é levada ao conhecimento da Administração todos os factos objectivamente relevantes.

 No que concerne às formas de participação, pode falar-se numa participação individual ou colectiva (através de grupos ou estruturas sociais organizadas) e numa participação directa ou indirecta, ou seja, a que é realizada pelos indivíduos interessados e a que é exercida pelos delegados ou representantes dos grupos sociais organizados.

Pode também distinguir-se, no âmbito da participação dos interessados no procedimento de formação dos instrumentos de gestão territorial, a mera audição da concertação. Enquanto que a primeira caracteriza-se pela ideia de que a Administração, antes de tomar as decisões unilaterais, deve ouvir e consultar os administrados, na concertação há toda uma troca informação entre a Administração e os interessados, estabelecendo-se de uma forma conjunta os meios e objectivos a prosseguir.

Quanto aos momentos da participação, esta pode ter lugar em qualquer fase do procedimento de elaboração dos planos, como logo após a divulgação obrigatória da decisão ou deliberação de elaboração do plano, ou, pelo menos, durante a elaboração da proposta do plano (a chamada “participação preventiva dos cidadãos”). Também se admite uma participação sucessiva que verse sobre a proposta do plano propriamente dita, através do período de discussão pública da mesma durante o qual todos os interessados podem formular reclamações, sugestões e pedidos de esclarecimento sobre determinado documento. Esta segunda fase de participação é publicitada mediante aviso a publicar em Diário da República e a divulgar através da comunicação social. Refira-se, contudo, que esta última não se afigura tão eficaz como a primeira, uma vez que a discussão pública tem lugar muitas vezes demasiado tarde no procedimento de planeamento, pelo que se torna mais difícil pôr em causa as escolhas iniciais e a própria Administração já não se mostra tão aberta às sugestões dos particulares.

Convém ainda recordar que as entidades públicas responsáveis pela elaboração dos planos têm sempre o dever de ponderar as sugestões, observações e reclamações apresentadas, bem como a obrigação de responder às observações e pedidos de esclarecimentos formulados e de fundamentar as opções tomadas.

 

Como posso aceder à informação constante de um instrumento de gestão territorial?

O direito à informação assume uma natureza jusfundamental (cfr. número 1.º do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa) e é condição de eficácia do direito de participação, pois não pode haver um direito de participação efectivo, sem o correspondente direito de informação sobre todos os aspectos relevantes da elaboração dos planos. O que significa que este direito à informação respeita não apenas em relação à decisão mas também ao decurso do procedimento.

O direito à informação, em qualquer das suas modalidades, exerce-se normalmente mediante requerimento escrito, eventualmente oral, autuado ad hoc ou no contexto de um outro auto. A exigência de requerimento escrito implica a identificação do seu signatário e das informações concretas que se pretende. Nada impede, contudo, que a autoridade competente preste as informações pretendidas mediante solicitação verbal e informal do particular. A sua relevância jurídica estará, contudo, sempre dependente de a respectiva resposta ser escrita.

O meio mais elementar, expedito e simples de exercer este direito é, portanto, o de perguntar no requerimento aquilo que se quer saber e a Administração, num ofício, dará as respostas pretendidas.

Por outro lado, quem quiser tomar conhecimento do conteúdo de determinado instrumento de gestão territorial terá apenas de se dirigir à Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano para aí poder consultar as plantas e regulamentos anexos a esses instrumentos.

Refira-se, por último, que a maior parte dos sítios das Câmaras Municipais contêm toda a informação urbanística relevante pelo que, através das novas tecnologias, existem ainda outros meios à disposição dos particulares que permitem a consulta de quais os planos em vigor e qual respectivo conteúdo.

 

Pode um instrumento de gestão territorial ser alterado ou revisto a qualquer momento?

A mobilidade das normas urbanísticas representa um dos traços particulares do Direito do Urbanismo.

De facto, a prossecução do interesse público impõe à Administração a constante actualização do plano em virtude das circunstâncias de facto e da evolução do direito entretanto verificadas, corrigindo, se for caso disso, erros de planificação. Por outro lado, as opções ideológicas subjacentes à elaboração de um plano podem alterar-se substancialmente com um novo elenco de titulares de órgãos de Administração resultante de eleições. Os instrumentos de planeamento devem assim acompanhar o dinamismo e evolução social, devendo ser alteradas as disposições dos planos que se tenham tornado desfasadas da realidade, sob pena das mesmas perderem efectividade. Pode, inclusivamente, afirmar-se que a manutenção das opções dos planos pode pôr em causa a sua função enquanto instrumentos de realização das políticas públicas de ordenamento do território e urbanismo. Razão pela qual o sistema de gestão territorial português consagra a existência dos mecanismos de alteração e revisão dos planos para conferir a necessária flexibilidade ao sistema.

Todavia, não se pode olvidar que os planos territoriais são um instrumento de programação e de coordenação de decisões de gestão urbanística, constituindo um importante factor de previsibilidade e segurança para os particulares. Razão pela qual uma constante mutação das normas urbanísticas é susceptível de pôr em causa os princípios da segurança jurídica e tutela da confiança, cujo fundamento se encontra no Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Lei Fundamental.

Portanto, é por demais evidente uma tensão inelutável entre a segurança jurídica e a protecção da confiança, por um lado, e a dinâmica da actividade urbanística inerente à prossecução do interesse público, por outro. Com efeito, a alterabilidade do plano é um elemento que lhe é característico mas, ao mesmo tempo, para que os instrumentos de gestão territorial possam desempenhar eficazmente as suas finalidades, estes necessitam de uma certa estabilidade, traduzida numa duração mínima, sem quaisquer modificações, do regime jurídico por eles postulado.

Esta ideia de estabilidade está expressamente contemplada no número 2.º do artigo 25.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, onde se determina que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares “devem respeitar um período de vigência mínima legalmente definido, durante o qual eventuais alterações terão carácter excepcional”, sendo que o número 1.º do artigo 95.º do Decreto-Lei n.º 380/90, de 22 de Setembro, estipula que aqueles mesmos planos “só podem ser objecto de alteração decorridos três anos sobre a respectiva entrada em vigor”, com excepção da que decorra de circunstâncias excepcionais, como por exemplo, situações de calamidade pública ou situações de interesse público não previstas nas opções do plano. Do mesmo modo, o número 2.º do artigo 98.º deste diploma estabelece que a revisão dos planos urbanísticos vinculativos dos particulares terá de decorrer da “necessidade de adequação à evolução, a médio e longo prazo, das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que determinaram a respectiva elaboração”, só podendo ocorrer três anos sobre a entrada em vigor do plano. Importa ainda referir que o número 3.º do mesmo preceito determina que os PDM são obrigatoriamente revistos uma vez decorrido o prazo de dez anos após a sua entrada em vigor ou após a sua última revisão.

Pode, então, concluir-se que, este princípio da estabilidade do planeamento, determina um período mínimo de vigência durante o qual a Administração não pode introduzir mutações na disciplina jurídica.

Quais as garantias de que disponho face à actividade da Administração no âmbito da actividade de planeamento territorial e urbanístico?

O número 1.º do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, estabelece que “no âmbito dos instrumentos de gestão territorial são reconhecidas aos interessados as garantias gerais dos administrados previstas no Código do Procedimento Administrativo e no regime de participação procedimental”, o que significa que são admissíveis as garantias políticas e administrativas consideradas adequadas e que tenham como finalidade directa evitar ou sancionar a violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos pelos planos.

 Neste sentido, o número 6.º do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo vem esclarecer que as disposições respeitantes à “actividade e organização administrativas” se aplicam directamente a todas as actuações da Administração Pública, independentemente do que se dispuser nas leis (gerais ou especiais) onde tais actuações estejam reguladas, pois nessas matérias, consideram-se substituídas pelo Código. Refira-se, a título de exemplo, o direito de petição administrativa (faculdade de dirigir pedidos à Administração, para que esta elabore, altere, reveja ou suspenda um plano), o direito de representação (exposição destinada a manifestar opinião contrária da perfilhada por um órgão da Administração ou a chamar a atenção de uma autoridade administrativa relativamente a certo plano) ou a reclamação (a qual consiste num pedido de reapreciação do plano dirigido ao seu autor). Refira-se, contudo, que o recurso hierárquico não tem lugar no âmbito dos planos, porque uns são aprovados pelo Governo ou pela Assembleia da República e outros por órgãos da administração local autárquica, que não estão hierarquicamente dependentes do Governo.

Acrescem ainda outros direitos e garantias desde logo postulados na Lei Fundamental, nomeadamente, o direito à informação e o direito à fundamentação expressa das decisões administrativas susceptíveis de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos.

Portanto, os particulares têm à sua disposição todo um conjunto de direitos e garantias entre os quais o referido número 1.º do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro destaca o direito de acção popular, previsto no número 3.º do artigo 52.º da Lei Fundamental e regulamentado pela Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto e o direito de apresentação de queixa ao Provedor de Justiça. Este direito deverá ser exercido nos termos previstos no artigo 3.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que contém o Estatuto do Provedor de Justiça, segundo o qual e de acordo com o número 1.º do artigo 23.º da Lei Fundamental, os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as aprecia sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes meras recomendações para prevenir e reparar injustiças.

O direito de apresentação de queixa ao Ministério Público é outro meio que assiste a um particular lesado pelo exercício da actividade urbanística. Este direito está directamente relacionado com a legitimidade que o mesmo goza para promover o processo penal, nos termos previstos no Código de Processo Penal.

Finalmente, o n.º 5 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, tendo o número 2.º do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, estipulado que, no âmbito dos instrumentos de gestão territorial com eficácia vinculativa dos particulares, como normas administrativas que são, é reconhecido aos particulares o direito de promover a sua impugnação jurisdicional directa, nos termos gerais do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos. Do mesmo modo, qualquer acto administrativo de gestão urbanística poderá ser objecto de uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, com fundamento na ilegalidade do plano com base no qual ele foi praticado. Essa mesma disposição, cuja ilegalidade foi suscitada no âmbito da referida acção, poderá ser também objecto de uma impugnação indirecta ou incidental.

Quais as consequências de uma violação das disposições dos instrumentos de gestão territorial?

Relativamente a esta questão, importa distinguir três tipos distintos de violações de planos urbanísticos.

Segundo o n.º 1 do artigo 102.º do Decreto-Lei n.º 380/90, de 22 de Setembro, a violação de determinada disposição de um plano por outro plano com o qual devesse ser compatível ou conforme é cominada com a sanção da nulidade, não produzindo por isso quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade da mesma. No entanto, a declaração de nulidade de um plano ou de alguma das suas disposições não prejudica, por via da regra, os efeitos dos actos administrativos entretanto praticados com base no planto (cfr. n.º 2 do artigo 102.º do Decreto-Lei n.º 380/90, de 22 de Setembro), de forma a garantir a estabilidade dos efeitos dos actos administrativos de gestão urbanística praticados ao abrigo de um plano que venha posteriormente a ser declarado nulo.

Do mesmo modo, a nulidade é também a sanção legalmente prevista para as situações em que um acto administrativo seja praticado em violação de qualquer instrumento de planeamento territorial, havendo lugar a indemnização por parte dos municípios dos danos suportados pelos particulares caso a revogação, anulação ou declaração de nulidade de licenças ou autorizações urbanísticas violadoras de um plano vinculativo dos particulares resulte de uma conduta ilícita dos titulares dos seus órgãos ou dos seus funcionários e agentes. Pode ainda ser exercida tutela administrativa de carácter sancionatório passível de culminar com a perda de mandato dos membros dos órgão autárquicos que pratiquem ou sejam responsáveis pela prática desses actos.

Por último, a violação das disposições dos planos por actos materiais de realização de operações urbanísticas constitui um ilícito de mera ordenação social, punível com coima, estando sujeito a embargo os trabalhos e a demolição as obras realizadas em violação de plano municipal ou especial de ordenamento do território, independentemente do facto de terem sido objecto de licença ou autorização (sendo que todas as despesas com a demolição correm por conta do dono da obra a demolir).

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