A revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial

Gonçalo Reino Pires.

2007 Vida Imobiliária, n.º 115


O Governo aprovou em Conselho de Ministros, no passado dia 14 de Junho, o Decreto-Lei que procede à quarta alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Esta revisão da legislação introduzirá alterações relevantes na forma como tem sido vivido o planeamento territorial em Portugal. 

Não obstante ainda não ter sido aprovada, pela Assembleia da República, a revisão da Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo (“LBPOTU”) ([1]), a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (“RJIGT”) ([2]) já foi aprovada em Conselho de Ministros.

A revisão do RJIGT que ora foi aprovada e que se encontra em curso prende-se, no seu âmago, com a implementação do SIMPLEX - Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa, que, dois anos depois da entrada do actual Governo em funções, chega aos domínios do Ordenamento do Território e do Urbanismo. No entanto, não deixa de se aproveitar o ensejo para proceder à articulação desta matéria com outras que ou estão a ser ou já foram objecto de processo legislativo, como o Código dos Contratos Públicos ou o regime de Avaliação Ambiental Estratégica. 

Naturalmente, o âmbito que mais se presta a acolher opções legislativas no sentido da desburocratização é o do procedimento de elaboração, revisão ou alteração de planos municipais de ordenamento do território, até porque é sobre ele que incidem as principais críticas dos vários agentes, quer públicos, quer privados.

Não é de estranhar, por esta razão, que as principais alterações tenham ocorrido a este nível, tendo incidido, nomeadamente, sobre o regime do acompanhamento dos procedimentos de planeamento municipal, que é reconhecido como um dos maiores obstáculos à celeridade, eficiência e eficácia da actividade administrativa neste domínio, e sobre o regime de ratificação de planos municipais de ordenamento do território.

Neste contexto, são as seguintes as principais novidades no regime de acompanhamento de procedimentos de planeamento municipal, considerando a distinção realizada consoante esteja em causa um plano director municipal ou um plano municipal de menor âmbito territorial:

a)      O parecer da comissão de acompanhamento da elaboração de um plano director municipal passa a incidir obrigatoriamente sobre determinadas matérias elencadas na lei, nomeadamente, para além do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, sobre a compatibilidade ou conformidade da proposta de plano com os instrumentos de gestão territorial eficazes e sobre o fundamento técnico das soluções defendidas pela câmara municipal;

b)      A designação dos representantes dos serviços e entidades da administração directa ou indirecta do Estado e das Regiões Autónomas para a comissão de acompanhamento da elaboração de planos directores municipais passa a incluir a delegação ou subdelegação dos poderes adequados para efeitos de vinculação daqueles serviços e entidades;

c)      A posição manifestada pelos representantes referidos no parecer substitui os pareceres que aqueles serviços e entidades devessem emitir, a qualquer título, sobre o plano, nos termos legais e regulamentares, considerando-se haver parecer favorável no caso de falta do representante à reunião que aprove o parecer final e de oposição expressa no prazo de 5 dias contado da comunicação do resultado dessa reunião;

d)      O acompanhamento da elaboração dos planos de urbanização e dos planos de pormenor passa a ser facultativo;

e)      Para efeitos pronúncia sobre a proposta de plano de urbanização ou de pormenor, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades representativas dos interesses a ponderar;

f)        De modo a sanar eventuais dúvidas e a corrigir a prática que tem vindo a ser adoptada, estabelece-se que os pareceres apenas são vinculativos no que se refere ao cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis e à compatibilidade ou conformidade da proposta de plano com os instrumentos de gestão territorial eficazes.

No que respeita à ratificação de planos municipais de ordenamento do território, é de salientar que o novo paradigma passa por fazer incidir a ratificação governamental apenas sobre o plano director municipal, pelo que os planos de urbanização e os planos de pormenor deixam, de todo e em quaisquer circunstâncias, de estar sujeitos a ratificação. E o próprio plano director municipal apenas estará sujeito a ratificação ou a solicitação da câmara municipal, ou quando, no âmbito do procedimento municipal de elaboração e aprovação, for suscitada pelos serviços e entidades com competências consultivas no âmbito da elaboração e do acompanhamento a incompatibilidade ou desconformidade com instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional ou regional.  

Uma outra alteração que nos aparenta possuir uma importância determinante prende-se com a nova conformação do objecto territorial do plano de urbanização, que passa a poder abranger, para além de solo urbano e solo rural complementar, outras áreas do território municipal que, de acordo com os objectivos e prioridades estabelecidas no plano director municipal, possam ser destinadas a usos e funções urbanas, designadamente à localização de instalações ou parques industriais, logísticos ou de serviços ou à localização de empreendimentos turísticos e equipamento e infra-estruturas associadas. Dá-se, através desta nova opção, o alargamento da figura do plano de urbanização, permitindo-lhe regular usos tendencialmente urbanos mas compatíveis com a classificação do solo como rural. 

No que respeita ao plano de pormenor, é relevante o reconhecimento da inoperacionalidade da figura do plano de pormenor em modalidade simplificada, que motivou a substituição desta figura pela figura das modalidades específicas de plano de pormenor, previstas em legislação avulsa e recrutadas da foram exposta para a órbita do RJIGT. Este tipo de plano de pormenor abrange o plano de pormenor de intervenção no espaço rural, o plano de pormenor de reabilitação urbana e o plano de pormenor de salvaguarda (de património cultural), tendo por característica específica o facto de o seu conteúdo material ser determinado por referência a finalidades particulares de intervenção previstas nos termos de referência do plano e na deliberação municipal que determinou a respectiva elaboração. 

Por outro lado, e após uma tentativa relativamente falhada inserida na alteração promovida pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, clarifica-se o conceito de revisão de um instrumento de gestão territorial, assumindo-se que a mesma implica a reconsideração e reapreciação global, com carácter estrutural ou essencial, das opções estratégicas do plano, dos princípios e objectivos do modelo territorial definido ou dos regimes de salvaguarda e valorização dos recursos e valores territoriais. Naturalmente, sempre que os motivos de modificação do planeamento vigente se prenderem com outras razões que não a necessidade dessa reapreciação global, estaremos perante uma mera alteração do plano em causa. 

De uma forma transversal a todo o diploma, nomeadamente no âmbito dos procedimentos de elaboração, revisão e alteração de instrumentos de gestão territorial, foram introduzidas as alterações necessárias à articulação deste diploma com o teor do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, no qual se prevê o regime a que fica sujeita a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, e que transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.os 2001/42/CE e 2003/35/CE. Este procedimento, denominado avaliação ambiental estratégica, tem repercussões no procedimento de planeamento territorial a dois níveis: por um lado, ao nível do faseamento do procedimento, uma vez que se torna necessário integrar fases típicas do procedimento de avaliação ambiental estratégica, como a iniciativa, a realização de consultas, a participação pública e a decisão; por outro, ao nível do conteúdo documental do plano, uma vez que se torna obrigatório instruir a proposta de plano com um relatório ambiental e o próprio plano com uma declaração ambiental. 

Por fim, este breve excurso pelas inovações mais importantes da revisão do RJIGT deve ainda passar pelo regime proposto para os chamados contratos para planeamento, que visam dar seguimento à preferência manifestada pela LBPOTU por uma participação dos interessados na definição das regras de ocupação, uso e transformação do solo que assente em formas de concertadas e de contratualizadas.

De acordo com este novo regime, pode lançar-se mão deste tipo de contratos sempre que esteja em causa a elaboração, revisão, alteração ou execução de um plano de urbanização ou de um plano de pormenor. Contudo, a lei ressalva desde já, pensa-se que para efeitos de exoneração de responsabilidade civil por resultados que possam ser entendidos como violação do contrato, a aplicabilidade integral dos princípios e regras aplicáveis aos contratos administrativos e do disposto em planos de âmbito territorial mais vasto. Com o mesmo escopo, prevê-se ainda que o contrato não se sobrepõe ao resultado final do procedimento de planeamento, sendo o contrato para planeamento celebrado, em consequência, sob reserva de compatibilidade com o resultado do planeamento.

Um segundo aspecto que é abordado neste novo regime é o procedimento de formação do contrato, que tem obrigatoriamente que seguir a forma de concurso público, podendo apenas ser objecto de outra forma de escolha do co-contratante nos casos em que os promotores do plano de pormenor ou do plano de urbanização sejam proprietários ou titulares de qualquer direito que lhes confira legitimidade relativamente aos prédios compreendidos na área de intervenção do futuro plano. Naturalmente, o disposto neste diploma tem que ser articulado com aquilo que vier a ser o conteúdo do novo Código dos Contratos Públicos, nomeadamente no âmbito dos contratos para o exercício de poderes públicos, diploma que ainda se encontra em fase de elaboração ([3]).

Ao nível da execução do planeamento, estabelece-se que o plano director municipal ou o plano de urbanização podem fazer depender de procedimento concursal e da celebração de contrato administrativo a elaboração de planos de urbanização ou de planos de pormenor para a respectiva execução, sendo certo que, caso seja esta a opção, devem ser desde logo estabelecidas as regras gerais relativas ao procedimento concursal e às condições de qualificação, avaliação e selecção das propostas, bem como ao conteúdo do contrato e às formas de resolução de litígios. 

Como podemos verificar, aproxima-se uma revisão profunda da legislação relativa ao planeamento territorial em Portugal, que vai exigir um esforço de adaptação por parte dos vários agentes, quer públicos, quer privados. No entanto, não podemos deixar de salientar que as matérias aqui abordadas são-no com a ressalva de estarem inseridas num mero projecto legislativo, que ainda poderá sofrer vicissitudes várias e, consequentemente, algumas alterações.

 


[1] Aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto.

[2] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, e já alterado pelos Decretos-Leis n.os 53/2000, de 7 de Abril, e 310/2003, de 10 de Dezembro, e pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.

[3] Cuja versão mais recente está disponível, para consulta e discussão pública, em http://www.moptc.pt/tempfiles/20070703215552moptc.pdf

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