Trade Union Governance

Filipe Fraústo da Silva.

24/11/2008 Jornal de Negócios


O pano de fundo - um caso real - explica-se em poucas linhas: um sindicato de profissionais de educação é réu numa acção. Como testemunhas, o sindicato arrola dez pessoas. Em audiência, as testemunhas são, todas elas, impugnadas pela parte contrária, por pertencerem à direcção do mesmo sindicato e, nessa medida, se encontrarem impedidas de depor enquanto tal.

Para decidir o incidente, o tribunal ordena a junção aos autos de cópia dos estatutos do sindicato e do elenco da sua direcção.

Juntos estes elementos, apura-se que a direcção é o órgão executivo máximo do sindicato, sendo composta por 667 membros efectivos (2,9 vezes o número de deputados à Assembleia da República) e 8 suplentes!

Entre os 667 lá estavam as testemunhas impugnadas, que não foram admitidas a depor.

Deixando o caso judicial para trás, é importante reflectir sobre o extraordinário número de membros do órgão executivo desta associação sindical. Que razão ou razões terão ditado a opção por uma mega-estrutura para um órgão de gestão que se quer activo, eficiente e eficaz? De que problema de governação sindical  se trataria?

Não foi difícil perceber: estava - está - em causa um problema de liberdade sindical. A nosso ver, uma compreensão desviante do que a liberdade sindical representa.

O Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública e regula o seu exercício, aplicando-se, nomeadamente, a todos os serviços da administração pública central, regional e local, às associações públicas, às fundações públicas e institutos públicos.

De acordo com o n.º 2 do seu artigo 5.º,  os membros dos corpos gerentes e os delegados sindicais, na situação de candidatos, já eleitos e até dois anos após o fim do respectivo mandato, não podem ser transferidos do local de trabalho sem o seu acordo expresso e sem audição da associação sindical respectiva. Ora, quantos mais membros dos corpos gerentes houver, maior é o universo dos trabalhadores assim garantidos. Se puderem ser todos, melhor.

Mas mais interessante é o que determina o artigo 12.º daquele diploma: as faltas dadas pelos trabalhadores membros dos corpos gerentes para o exercício das suas funções consideram-se justificadas e contam, para todos os efeitos legais, como serviço efectivo, salvo quanto à remuneração. Mas, apesar desta ressalva, esses membros têm direito a um crédito de quatro dias remunerados por mês para o exercício das suas funções. O que isto significa é que, ao prever e eleger 667 membros na sua direcção, este sindicato (e haverá outros, estou certo) conseguiu que o Estado-empregador suporte o encargo do pagamento de 32.016 dias de trabalho em cada ano sem que dos seus funcionários receba a correspondente prestação de trabalho.

A história, evidentemente imoral, não acaba aqui.

É que o artigo 15.º do mesmo Decreto-Lei n.º 84/99 permite que aqueles créditos de faltas de cada membro dos corpos gerentes de uma associação sindical possa, por ano civil, ser acumulado ou cedido a outro membro da mesma associação, ainda que pertencente a serviço diferente.

Se cada membro dos corpos gerentes tem 4 dias pagos por mês, são precisos 7,5 membros para cobrir um período de 30 dias e, por conseguinte, 90 membros para assegurar um ano de salários - ou 105 se considerarmos o subsídio de férias e de Natal. Para assegurar a seis membros verdadeiramente executivos o seu vencimento integral, basta ter, além deles, mas 630 membros na mesma direcção. Os números não batem exactamente, mas não ficam quaisquer dúvidas.

Ou seja, na prática, dos 667 funcionários do Estado que integram formalmente a direcção do sindicato, só uma meia-dúzia é que efectivamente exerce as funções executivas necessárias à governação. Os restantes limitam-se a dar o nome e a ceder os seus créditos para que os primeiros possam dedicar-se em permanência à sua nobre missão sindical, mas continuando o Estado - ou seja, eu, o leitor, todos nós - a pagar o seu ordenado, todos os meses, ano após ano.

Não é ilegal, pelo contrário. Mas nem por isso deixa de ser escandaloso. E parece que a história não acaba aqui…

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