Os fundos de investimento imobiliário como medida de combate à crise económica e financeira
Em face da crise económica e financeira recentemente instalada, cujos efeitos parecem não ter chegado ao fim, verifica-se um aumento substancial do número de imóveis entregues às instituições de crédito, a título de dação em cumprimento, por clientes em situação de incumprimento, designadamente no que respeita a empréstimos para habitação.
Deste modo, torna-se cada vez mais actual a discussão relativa ao designado crédito “mal parado” das instituições de crédito, bem como a ponderação de soluções atenuantes do “peso” crescente que tais imóveis representam no activo destas entidades.
A este propósito, encontra-se consagrada na legislação fiscal uma isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) aplicável às instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja dominado por aquelas nas aquisições i) de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação que derivem de actos de dação em cumprimento para realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas por essas entidades; e nas aquisições ii) de prédios ou de fracções autónomas destes que, não se destinando exclusivamente a habitação, derivem de actos de dação em cumprimento para realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestados, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e que não existam relações especiais entre o credor e o devedor.
A referida isenção pretende, de facto, conferir uma certa neutralidade à aquisição desses imóveis pelas instituições de crédito, cujo principal intuito reside na sua posterior alienação para realização do respectivo crédito. Por esse motivo, a isenção de IMT ora referida caduca no prazo de 5 anos contados da data de aquisição dos imóveis, sempre que os mesmos não sejam objecto de alienação por parte das instituições de crédito.
Contudo, da crescente dificuldade de alienação imediata desses imóveis pelas instituições de crédito resulta um incremento da carga fiscal associada quer à sua aquisição (face à verificação da caducidade da isenção de IMT supra referida), quer à sua manutenção (Imposto Municipal sobre Imóveis - “IMI”), acrescida da carga fiscal inerente à alienação dos mesmos (na medida em que os rendimentos obtidos pela alienação dos imóveis ficam sujeitos a uma taxa de tributação efectiva em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) de cerca de 26,5%).
Face ao exposto, as instituições de crédito vêem-se cada vez mais obrigadas a equacionar soluções fiscalmente menos penalizadoras relativamente à aquisição destes imóveis.
As referidas soluções poderão passar, em face das circunstâncias aplicáveis à natureza dos créditos concedidos, dos imóveis adquiridos e da conjuntura do mercado imobiliário, pela constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”), ou pela constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“FIIAH”), a constituir e a operar de acordo com a legislação nacional.
A constituição de um FII apresenta, nesta sede, várias vantagens do ponto de vista fiscal.
No que respeita à aquisição e manutenção destes imóveis por um FII, as mesmas ficam isentas de IMT e de IMI, pelo que a única tributação devida pela aquisição desses imóveis respeita ao pagamento de Imposto do Selo (“IS”) de 0,8%.
No entanto, as isenções de IMT e de IMI supra referidas não serão aplicáveis a imóveis integrados em FII mistos ou fechados, de subscrição particular, cujas unidades de participação sejam detidas por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles. Nesses casos, as taxas de IMT e de IMI serão apenas reduzidas em 50% do seu valor.
Por outro lado, as mais-valias realizadas com a alienação desses imóveis por um FII estarão sujeitas a uma taxa de IRC de 25% sobre 50% do saldo positivo entre as mais e as menos-valias realizadas.
Desta forma, da análise comparativa da tributação incidente sobre a aquisição, manutenção e alienação dos referidos imóveis por instituições de crédito, em contraposição com a aquisição dos mesmos por um FII, resultam vantagens claras desta segunda opção.
Instituições de Crédito | FII |
IMT – Isenção limitada. A isenção caduca caso os imóveis não sejam alienados no prazo de 5 anos contados da data da sua aquisição | IMT – Isenção (excepto no caso de FII mistos ou fechados de subscrição particular cujas unidades de participação sejam detidas por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, caso em que a taxa de IMT será reduzida a 50%) |
IS - sujeição à taxa de 0,8% (excepto em caso de renúncia à isenção do IVA) | IS - 0,8% (Excepto em caso de renúncia à isenção de IVA) |
IVA - Isenção como regra | IVA - Isenção como regra |
IMI - Sujeição a taxas variáveis entre 0,2% e 0,4% (para prédios avaliados nos termos do Código do IMI) | IMI - Isenção (excepto no caso de FII mistos ou fechados de subscrição particular cujas unidades de participação sejam detidas por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, caso em que a taxa de IMI será reduzida a 50%) |
Rendimentos prediais - são incluídos na matéria tributável de IRC das instituições de crédito, tributadas a uma taxa final de 26,5%, (correspondente a uma taxa de IRC de 25% acrescida de derrama até 1,5%) | Rendimentos prediais (excepto os relativos a habitação social) - tributados autonomamente à taxa de 20% sobre os rendimentos líquidos dos encargos de conservação e manutenção, não estando os mesmos sujeitos a retenção na fonte |
Mais-valias prediais - são incluídas na matéria tributável de IRC das instituições de crédito, tributadas a uma taxa final de 26,5%, (correspondente a uma taxa de IRC de 25% acrescida de derrama até 1,5%) | Mais-valias prediais - tributadas autonomamente à taxa de 25% sobre 50% do valor correspondente à diferença positiva entre as mais e as menos valias realizadas (calculadas nos termos do CIRC) |
Por outro lado, o regime especial aplicável aos FIIAH constitui uma medida inovadora, que, ainda que de carácter temporário - aplicável apenas a fundos constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período -, resulta em claras vantagens do ponto de vista fiscal.
De facto, os FIIAH constituem um mecanismo claro de apoio à banca e às famílias, face aos problemas emergentes do aumento das taxas de juros e ao já referido crédito “mal parado” das instituições de crédito, permitindo assim a conversão das prestações de crédito a habitação pagas pelos clientes das instituições de crédito (a título de proprietários dos imóveis) no pagamento de rendas relativamente a esses mesmos imóveis (em função da alteração da titularidade dos mesmos pelos FIIAH), acompanhado sempre de uma opção de compra sobre o imóvel cuja propriedade se transmitiu.
A constituição dos FIIAH, bem como a aplicação de regime especial que lhes é aplicável depende, contudo, da verificação de determinados requisitos, designadamente: i) que o FIIAH seja constituído sob a forma de fundo fechado de subscrição pública ou de subscrição particular, ii) que após o primeiro ano de actividade o valor do activo total do FIIAH atinja o montante mínimo de € 10 milhões e, quando constituído com o recurso a subscrição pública, tenha pelo menos 100 participantes com uma participação individual que não exceda 20 % do valor do activo total do fundo, iii) que o activo total do FIIAH seja constituído, em pelo menos 75%, por imóveis situados em Portugal e destinados a arrendamento para habitação permanente, e que iv) os resultados referentes às unidades de participação do FIIAH sejam distribuídos com uma periodicidade mínima anual e em montante não inferior a 85 % dos resultados líquidos do mesmo.
Verificados os requisitos supra descritos, os FIIAH beneficiam de isenção de IMT e de IMI relativamente às aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação (durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013).
Os FIIAH beneficiam ainda, durante esse período, de isenção de IS na aquisição de prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, ficando, contudo, sujeitos a uma taxa de IS de 0,8% nos restantes casos.
Por fim, os FIAH beneficiam de isenção total de tributação relativamente aos rendimentos obtidos, independentemente da sua natureza.
Apesar dos benefícios assinalados, e atendendo à sua natureza provisória, o regime especial aplicável aos FIIAH vigora apenas até 31 de Dezembro de 2020, pelo que, a essa data, os FIIAH converter-se-ão em FII, ficando sujeitos, na íntegra, ao Regime Jurídico dos FII e passando os seus rendimentos a ser tributados de acordo com o regime fiscal aplicável ao FII, melhor descrito supra.
Deste modo, em alternativa à simples aquisição de imóveis, por dação em cumprimento, face ao incumprimento de contratos de concessão de crédito pelas instituições de crédito, os FIIAH sem prejuízo de alguns constrangimentos podem constituir uma solução para os problemas de crédito “mal parado” que as instituições de crédito enfrentam actualmente, como melhor demonstrado no quadro comparativo infra:
Instituições de Crédito | FIAH |
IMT – Isenção limitada de IMT. A isenção caduca caso os imóveis não sejam alienados no prazo de 5 anos contados da data da sua aquisição | IMT – Isenção aplicável à aquisição de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 |
IS - sujeição à taxa de 0,8% | IS - Isenção relativamente à aquisição de prédios urbanos ou fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos. Taxa de 0,8% nos restantes casos |
IVA - Isenção | IVA - Isenção |
IMI - Sujeição a taxas variáveis entre 0,2% e 0,4% (para prédios avaliados nos termos do Código do IMI) | IMI - Isenção aplicável à aquisição de prédios urbanos ou fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 |
IRC - Os rendimentos obtidos com a alienação dos imóveis são incluídos na matéria tributável de IRC das instituições de crédito, tributada a uma taxa final de 26,5%, (correspondente a uma taxa de IRC de 25% acrescida de derrama até 1,5%) | IRC - Isenção de tributação de rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIAH, desde que constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013 e apenas até 31 de Dezembro de 2020 |
Deste modo, é premente que as instituições de crédito equacionem novas soluções para fazer face ao “peso” que os imóveis adquiridos na sequência do incumprimento de créditos concedidos aos seus clientes representam no seu activo, sendo a constituição de fundos de investimento imobiliário uma possível e fiscalmente eficiente alternativa para o efeito.