Empreendimentos turísticos em propriedade plural e IVA

António Castro Caldas, Filipe Romão.

2011 Vida Imobiliária, n.º 159


O regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos consta do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março (“DL 39/2008”)[1]. Nos termos do artigo 52.º do DL 39/2008, os empreendimentos turísticos podem ser constituídos em propriedade plural, caso em que tais empreendimentos compreenderão lotes e / ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, podendo as respectivas unidades de alojamento constituir-se como fracções autónomas e ser detidas por diferentes proprietários. Nestes casos, e ao contrário do que sucede nos empreendimentos construídos e explorados pela mesma entidade, os empreendimentos são normalmente construídos por um promotor que, posteriormente, comercializa as unidades de alojamento e, por outro lado, explora o empreendimento enquanto um todo, celebrando contratos de exploração turística com os proprietários das unidades de alojamento para o efeito.

Colocam-se nestas situações diversas questões relacionadas com a recuperação do IVA suportado na construção dos empreendimentos. Com efeito, se nos casos de empreendimentos destinados a serem propriedade da entidade exploradora que contrate a construção não se colocam normalmente questões relacionadas com a recuperação do IVA suportado (já que tais empreendimentos ficarão claramente afectos a actividades hoteleiras, que são sujeitas a IVA - ainda que a taxas reduzidas - e conferem o direito à dedução do imposto), já nos casos de empreendimentos turísticos em propriedade plural cujas unidades de alojamento se destinem a venda a recuperação do IVA suportado com o projecto e a construção de tais unidades enfrenta normalmente mais dificuldades. De facto, nestes casos, a transmissão das unidades de alojamento aos respectivos adquirentes encontra-se normalmente isenta de IVA, não conferindo, portanto, o direito à dedução do IVA suportado com a construção.

Assim, e de forma a assegurar a efectiva recuperação do IVA suportado com a construção do empreendimento, as partes deverão acordar na renúncia à isenção de IVA nos termos do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.

No entanto, a renúncia à isenção de IVA na operações imobiliárias depende de diversos requisitos que poderão dificultar na prática a efectiva renúncia.

Desde logo, é necessário que o adquirente seja um sujeito passivo de IVA e que o imóvel em questão fique afecto a uma actividade sujeita a IVA. Na medida em que, tal como decorre da lei, as unidades de alojamento em empreendimentos turísticos estão permanentemente em regime de exploração turística, devendo a entidade exploradora obter de todos os proprietários um título jurídico que a habilite à exploração de tais unidades e que, por outro lado, os proprietários participam nos resultados da exploração da unidade de alojamento (e, portanto, realizam operações sujeitas a IVA), parece-nos que não se deveriam colocar dúvidas acerca da possibilidade de renunciar à isenção de IVA, desde que se verifiquem os demais requisitos para a renúncia à isenção.

No entanto, os contratos de exploração normalmente celebrados neste tipo de situações prevêem a possibilidade de os proprietários fazerem uma utilização pessoal das unidades de alojamento, o que poderia fazer concluir que tais unidades não se encontram permanentemente afectas à exploração turística e, portanto, a uma actividade sujeita a IVA. Os contratos de exploração turística devem, assim, ser cuidadosamente estruturados de forma a evitar quaisquer dúvidas sobre a afectação das unidades a uma actividade tributada em IVA e sobre a recuperação do IVA por parte da entidade que transmita tais unidades.

Por outro lado, é também requisito da renúncia à isenção que os adquirentes disponham de contabilidade organizada, o que poderá causar dificuldades na comercialização das unidades.

Também se poderão colocar questões relacionadas com a recuperação do IVA suportado com a construção de equipamentos e infra-estruturas que sejam consideradas como partes comuns do empreendimento (ou seja, que sejam da co-titularidade dos vários proprietários das unidades de alojamento). Entendemos que, em geral, o IVA respeitante a tais infra-estruturas poderá ser recuperado na proporção das unidades de alojamento que sejam transmitidas com renúncia à isenção de IVA. No entanto, nos casos em que não seja viável alienar as unidades de alojamento com renúncia à isenção de IVA, colocar-se-ão novamente dificuldades ao nível da recuperação de IVA que obrigam a uma estruturação cuidada.

Em conclusão, a estruturação correcta de empreendimentos turísticos em regime de propriedade plural pode permitir, em geral, a recuperação da generalidade do IVA suportado com os mesmos, embora introduza alguma complexidade acrescida na comercialização e desenvolvimento deste tipo de empreendimentos. Tendo em conta a importância estratégica que o desenvolvimento deste tipo de projectos representa para o futuro de Portugal, seria importante sensibilizar as autoridades para estas questões, por forma a simplificar o processo de recuperação de IVA nestes casos.


 

[1] Com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro.

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