A interpretação do conceito de direção efetiva por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira
A Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) pronunciou-se recentemente, no pedido de informação vinculativa n.º 26078, sobre a dupla residência fiscal de uma entidade com sede estatutária em Portugal e a aplicação das tie-breaker rules no contexto da Convenção de Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre Portugal e Áustria, nomeadamente, a aplicação do conceito de direção efetiva como critério de desempate.
O conceito de residência é bastante familiar no panorama fiscal. A nível doméstico, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, (“IRC”), este encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 3, do Código do IRC, nos termos do qual uma pessoa coletiva se considerará residente para efeitos fiscais em Portugal quando aqui tenha sede ou direção efetiva [1].
De um ponto de vista fiscal, a determinação da residência fiscal é importante, visto que a maior parte das jurisdições, entre elas a portuguesa, consideram que as entidades residentes no seu território estão sujeitas à tributação sobre a universalidade dos rendimentos obtidos (o worldwide income).
Frequentemente, dada a convergência de critérios utilizados pelas várias jurisdições para a definição da residência fiscal, surgem entidades que dispõem de dupla residência. É o exemplo em que dois Estados adotam os mesmos critérios que Portugal para aferir a residência fiscal e a sede estatutária se localiza numa dessas jurisdições e a direção efetiva na outra. Em tese, tal entidade estaria sujeita à tributação sobre a universalidade dos rendimentos obtidos em ambos os Estados.
De forma a eliminar a dupla residência, o artigo 4.º do Modelo OCDE, pré alteração de 2017, consagrava como critério de desempate entre Estados (para aqueles que não fossem pessoas singulares) a direção efetiva. Surge, então, a questão do que é que se deverá entender sobre a direção efetiva.
A importância deste pedido de informação vinculativa é precisamente esta: é a primeira vez em que a AT se pronuncia, de forma tão clara, sobre o conceito de direção efetiva e a sua aplicação.
A entidade em causa tem dois sócios com residência fiscal na Áustria, em que um deles tem dupla nacionalidade (portuguesa e brasileira) sendo este o gerente e o único trabalhador da empresa. Em termos de atividade empresarial, segundo a descrição dos factos, os projetos são realizados maioritariamente a partir da Áustria para outros países comunitários e terceiros.
A AT começa por discorrer sobre as regras aplicáveis, sublinhando a reserva efetuada à Convenção Multilateral que consagra solução similar à Convenção Modelo da OCDE de 2017, em que as jurisdições contratantes procuram determinar, através de acordo amigável, a jurisdição contratante de que essa entidade deve ser considerada residente, tendo em consideração vários fatores como (i) o local da direção efetiva, (ii) o local onde foi constituída ou estabelecida, bem como (iii) quaisquer outros fatores relevantes. Tendo sido efetuada tal reserva, e não seguindo a CDT com a Áustria o Modelo da OCDE de 2017, a determinação da residência não é feita por comum acordo e depende em exclusivo do local da direção efetiva.
Assinala a AT que este é um conceito fluído, “no sentido de que corresponde ao local onde são tomadas as decisões estratégicas”. A AT parece, assim, aproximar-se, num primeiro momento, dos comentários do Modelo da OCDE, que se refere ao local em que são tomadas as “decisões-chave”.
Todavia, logo de seguida, a AT desvia-se desse critério e defende que a direção efetiva corresponde ao local “onde está situada a administração da empresa e onde são tomadas as decisões correntes da sua gestão”.
Em busca de linhas orientadoras para que se afira a direção efetiva (parecendo, curiosamente, aproximar-se mais uma vez do critério das “decisões-chave”) defende a AT que:
“Para determinar o local da direção efetiva, é preciso atender às características de cada caso. Sempre que não seja possível determinar qual o local da direção efetiva, quando os sócios residam e se reúnam fora do local da sede, a determinação do local da direção efetiva pode ser feita procurando responder a um conjunto de questões que ponderam outros fatores ou circunstâncias, nomeadamente: a. Onde são realizadas as reuniões do Conselho de Administração? b. Onde são tomadas as decisões mais importantes da empresa? c. Quem adota as decisões mais importantes? d. Onde é adotada a política societária e quem a determina? e. Existem outros corpos sociais (e.g. conselhos consultivos, fiscais)? Com que tipo de poderes? f. O Conselho de Administração recebe instruções de terceiros, residentes noutros Estados, para deliberar e executar as suas decisões? g. Quem celebra os contratos societários? Estes contratos estão sujeitos a aprovações prévias ou ratificações posteriores? h. Onde são celebrados os contratos da Sociedade? i. Existem contratos de administração celebrados com terceiras entidades que não sejam os administradores eleitos? j. Qual o local de residência dos restantes administradores? k. Onde se realiza a atividade económica e empresarial? Podem ainda existir outras perguntas pertinentes, mas, em principio, com a resposta a este conjunto de questões já é possível determinar, com um grau de segurança aceitável, o local onde a empresa de facto é gerida”.
Face aos dados do caso em apreço, a AT conclui que “caso as decisões estruturais de gestão e controlo da empresa ocorram em Portugal, afigura-se-nos que se poderá entender que a direção efetiva se localiza em Portugal. De facto, se os sócios tomarem as decisões comerciais e de gestão em Portugal e se o negócio for efetivamente conduzido por Portugal, aí poderemos considerar que a direção efetiva será em Portugal”.
Sem prejuízo de a AT não ter desenvolvido em maior detalhe cada um dos critérios adotados e a adequação ao caso concreto, existem, finalmente, critérios orientadores da posição da AT nesta sede que poderão ajudar a antecipar a posição da AT na determinação da direção efetiva de uma pessoa coletiva.
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[1] Curiosamente, a lei fiscal segue de perto o critério adotado pelo Código das Sociedades Comerciais na aplicação da lei pessoal, vulgo, a adoção de um critério misto em que releva a sede estatutária ou a sede social.