Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português
31 janeiro 2025
1. Contencioso Civil e Penal
- Venda de imóvel hipotecado, com arrendamento rural celebrado posteriormente à hipoteca - Acórdão de Fixação de Jurisprudência
- Prazos de duração máximos de prisão preventiva - Acórdão de Fixação de Jurisprudência
- Transmissão de processos penais - Regulamento (UE)
2. Concorrência
- AdC - Operação de Concentração - Autorização mediante compromissos no setor portuário e dos transportes marítimos
- TJUE - Efeitos potenciais sobre a concorrência são suficientes para determinar uma infração ao direito da concorrência por efeitos
- TG - Auxílios de Estado - Zona Franca da Madeira
3. Direito Digital
- Estratégia Digital Nacional
- O tratamento de dados pessoais no desenvolvimento e implantação de sistemas de inteligência artificial
4. Financeiro
- Orientações da CMVM sobre a função de conformidade e os procedimentos de avaliação da adequação do responsável pela função de conformidade
- Comercialização de produtos e serviços financeiros sujeitos à supervisão do Banco de Portugal
- Aplicação do Regulamento Dora
5. Fiscal
- IRS – Rendimentos e Retenções a Taxas Liberatórias - Declaração Modelo 39
- Orçamento do Estado para 2025
6. Laboral
- Atualização de Valores com Relevo Social - Salário Mínimo Nacional, Indexante dos Apoios Sociais, Idade Normal de Reforma, Pensões
- Isenção de IRS e Contribuições à Segurança Social de Prémios de Produtividade, Desempenho, Participação nos Lucros e Gratificações de Balanço
- Alargamento da Aplicação do Fator de Bonificação de 1,5% a Todo e Qualquer Sinistrado com 50 ou Mais Anos de Idade
7. Público
- Código dos Contratos Públicos – Medidas Especiais de Contratação Pública
- Quadro regulatório aplicável às energias renováveis
- Comércio Europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa
- Prorrogação – Medidas excecionais – simplificação dos procedimentos de produção de energia de fontes renováveis
- Regulamentação da atividade de registo e de contratação bilateral de energia – energias renováveis
- Regulamento da Qualidade de Serviço – Revisão dos padrões para os indicadores gerais de qualidade de serviço
8. Imobiliário
- Estabelecimento do Sistema Nacional de Informação Cadastral e a carta cadastral na Região Autónoma da Madeira
- Alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial
1. Contencioso Civil e Penal
VENDA DE IMÓVEL HIPOTECADO, COM ARRENDAMENTO RURAL CELEBRADO POSTERIORMENTE À HIPOTECA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2024 de 12/12/2024 – Diário da República
No acórdão em apreço, o STJ uniformizou jurisprudência quanto à questão de saber se a venda executiva de um imóvel hipotecado e arrendado, por contrato de arrendamento rural, celebrado em data posterior ao registo da hipoteca, provoca a caducidade do arrendamento nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.
O STJ começa por salientar que o contrato de arrendamento é um direito pessoal de gozo, de natureza obrigacional e não um direito real de gozo. Neste domínio, vigora o princípio da tipicidade e, portanto, está afastada, à partida, a possibilidade de analogia, sendo essa ideia confirmada pela clareza do artigo 824.º, n.º 2 do CC que define, de forma concreta e precisa, os direitos que caducam em sede de venda executiva: os direitos reais e não os obrigacionais.
De seguida, o Tribunal recorre ao elemento sistemático, uma vez que entende dever presumir-se que, ao declarar “O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio" (artigo 22.º, n.º1 do RAR), o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e incluir a venda executiva como uma forma de transmissibilidade do contrato, uma vez que legislou estando consciente da controvérsia doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação do artigo 824.º, n.º 2 do CC quanto ao arrendamento urbano.
Sustenta a sua argumentação no elemento histórico, referindo que os trabalhos preparatórios igualmente evidenciam que estamos perante um direito obrigacional.
Afasta o elemento teológico, apesar de não questionar o objetivo da lei de propiciar a venda do bem pelo melhor preço, dizendo que não se pode, a partir dele, dizer que o arrendamento tenha sido incluído nos direitos que caducam com a venda executiva, pois deve ter-se em conta os elementos sistemático e histórico.
Pelos fundamentos sucintamente expostos, o STJ fixou a seguinte jurisprudência: “A venda de imóvel hipotecado, com arrendamento rural celebrado posteriormente à hipoteca, não faz caducar este arrendamento de harmonia com o preceituado no n.º 1 do art. 22.º do RAR, sendo inaplicável o disposto n.º 2 do art. 824.º do CC.".
PRAZOS DE DURAÇÃO MÁXIMOS DE PRISÃO PREVENTIVA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2024 de 13/12/2024 -– Diário da República
No acórdão em apreço, o STJ uniformizou jurisprudência quanto à questão de saber se o acréscimo de seis meses dos prazos de duração máxima de prisão preventiva, em razão da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no art.º 215.º, n.º 5, do CPP, se aplica ou não na hipótese legal do n.º 6 do mesmo normativo.
Na sua argumentação o STJ invoca a circunstância de estarmos perante o direito à liberdade, que integra o elenco dos direitos, liberdades e garantias, e que é previsto pelo artigo 27.º da CRP, artigo onde estão previstas as restrições admissíveis ao direito. Explica o Tribunal que as normas processuais penais que restringem um direito fundamental, como é o caso do direito à liberdade, não devem ultrapassar o patamar necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo estar subordinadas ao princípio geral da proporcionalidade, sem diminuírem a extensão e o alcance do conteúdo essencial das normas previstas na CRP. A este respeito, acrescenta que, em normas processuais penais desta natureza, deve o intérprete preservar a correspondência à letra da lei, aproximando-se de uma forma declarativa de interpretação.
O Tribunal invoca o artigo 28.º da CRP, onde se estabelecem os parâmetros constitucionais da prisão preventiva. O n.º 2 da CRP prevê que a prisão preventiva tem natureza excecional, facto que implica que a mesma seja sujeita a prazos máximos que não frustrem o seu fundamento constitucional, tal como prevê o n.º4.
Para sustentar o seu entendimento, o Tribunal invoca também o elemento histórico, uma vez que, apesar das inúmeras alterações sofridas pelo CPP na reforma de 2007, que levaram à redução geral dos prazos de prisão preventiva, bem como à introdução de um novo prazo máximo (n.º 6), o n.º 5 do artigo 215.º já se encontrava com a redação que dispõe atualmente e manteve-se inalterado.
Por fim, o Tribunal argumenta que da literalidade da norma, resulta a sua não aplicação ao prazo elevado do n.º 6 do mesmo artigo.
O Tribunal conclui que aplicar o n.º 5, em caso de recurso para o Tribunal Constitucional, ao prazo elevado previsto no n.º 6, significaria um acréscimo de 6 meses a um prazo máximo superior e que poderia vir a ser muito superior ao que emana das regras gerais conjugadamente aplicáveis (entenda-se os números 1, 2 e 5 do artigo 215.º do CPP). Entende, portanto, que uma interpretação nesse sentido não deve ser admissível uma vez que exorbita os limites da literalidade da norma e contraria o princípio da legalidade penal e o regime constitucional aplicável ao direito consagrado no n.º 1 do art.º 32.º da CRP.
Pelos fundamentos sucintamente expostos, o STJ fixou a seguinte jurisprudência: “O acréscimo de seis meses dos prazos de duração máximos de prisão preventiva, em razão da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no art.º 215.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, não se aplica na hipótese legal do n.º 6 do mesmo normativo.".
TRANSMISSÃO DE PROCESSOS PENAIS
Regulamento (UE) 2024/3011 do parlamento europeu e do conselho de 27 de novembro de 2024 – Eur-Lex
Foi publicado o Regulamento n.º 2024/30111, relativo à Transmissão de Processos Penais entre Estados-Membros da União Europeia, que entrará em vigor a partir de 1 de fevereiro de 2027. Este Regulamento vem no seguimento do objetivo estabelecido pela União de manter e desenvolver um espaço de liberdade, segurança e justiça, pretendendo aumentar a eficiência e aumentar a boa administração da justiça.
Em síntese, no presente Regulamento são tratados: os critérios para requerer a transmissão do processo penal; os direitos dos arguidos e das vítimas nos respetivos processos; os motivos de recusa da transmissão do processo penal, que tanto podem ser obrigatórios como facultativos; o procedimento necessário para que ocorra a transmissão; os efeitos da transmissão dos processos penais e a criação e implementação de um sistema informático descentralizado para facilitar a comunicação entre os Estados.
Este conjunto de regras comuns poderá evitar ações penais paralelas desnecessárias em diferentes Estados-Membros relativas aos mesmos factos e à mesma pessoa, bem como reduzir o número de processos penais múltiplos e ainda contribuir para o combate à criminalidade transfronteiriça.
2. Concorrência
ADC EMITE UMA DECISÃO DE NÃO OPOSIÇÃO COM COMPROMISSOS À AQUISIÇÃO DA SOTAGUS PELA YILPORT E GS MARÍTIMA
Processo Ccent. 82/2023, de 4 de dezembro de 2024 - AdC
Em 4 de dezembro de 2024, a AdC emitiu uma decisão de não oposição à aquisição da Sotagus – Terminal de Contentores de Santa Apolónia, S.A. (“Sotagus"), pela Yilport Iberia, S.A. (“Yilport") e GS Marítima, Lda. (“GS Marítima"), sujeita a compromissos.
As adquirentes, Yilport e GS Marítima, são empresas ativas no setor portuário e dos transportes marítimos. Em concreto, a Yilport explora o Terminal de Cruzeiros de Leixões, o Liscont, a Sotagus, o Tersado, o Terminal Multifunções em Setúbal e um na Figueira da Foz. A GS Marítima opera no transporte marítimo com os Açores, a Madeira e África, bem como, em conjunto com o Grupo ETE, controla a TSA - Terminal de Santa Apolónia, que explora a concessão do Terminal Multipurpose de Lisboa.
A empresa adquirida, a Sotagus, explora, até ao final de fevereiro de 2026, o terminal portuário de Santa Apolónia, onde desenvolve atividades de movimentação de carga e atividades acessórias.
Segundo a AdC, a operação seria suscetível de gerar efeitos de natureza horizontal, uma vez que a GS Marítima controla um terminal do porto de Lisboa, em conjunto com o Grupo ETE, e, como resultado da operação notificada, passaria a explorar outro terminal concorrente do porto de Lisboa, em conjunto com a Yilport.
Ademais, segundo a AdC, a operação seria suscetível de gerar efeitos verticais, uma vez que a GS Marítima opera no transporte marítimo com os Açores, a Madeira e África. Pelo que, ao controlar a Sotagus, qualquer outro armador marítimo que pretenda operar as rotas das Regiões Autónomas e África Ocidental, teria o seu acesso a infraestruturas portuárias dependente de um concorrente. Segundo a AdC, esta circunstância levantaria preocupações de encerramento do acesso ao terminal da Sotagus a concorrentes da GS Marítima no mercado do transporte marítimo de mercadorias ou deterioração das condições de prestação do serviço a concorrentes.
Por conseguinte a AdC emitiu uma decisão de não oposição sujeita aos seguintes compromissos de natureza comportamental e estrutural, em particular:
- A GS Marítima desinvestir na participação de 50% que detinha no capital social da TSA - Terminal de Santa Apolónia à ETE (co-detentora) ou a qualquer outra entidade terceira, no prazo de 12 meses a contar da data da notificação da decisão;
- Assegurar que as condições de tarifário da Sotagus aos concorrentes da GS Lines se mantêm inalteradas, em relação ao contexto anterior ao da transação, até 31 de dezembro de 2025, ou, na eventualidade de o contrato de concessão entre a Administração do Porto de Lisboa e a Sotagus vir a ser prorrogado por mais 5 anos, até 28 de fevereiro de 2031;
- Na eventualidade de o contrato de concessão entre a Administração do Porto de Lisboa e a Sotagus vir a ser prorrogado por mais 5 anos, as adquirentes concedem aos concorrentes da GS Lines um direito de opção de renovação do seu contrato em vigor com manutenção das condições de tarifário, que pode ser exercido até ao termo de 90 dias úteis a contar da data em que os concorrentes são notificados da prorrogação do contrato de concessão;
- Assegurar que as condições aplicadas aos concorrentes da GS Marítima nas ligações às Regiões Autónomas não se degradariam em relação às aplicadas à GS Marítima, até 28 de fevereiro de 2026 ou, na eventualidade de o contrato de concessão entre a Administração do Porto de Lisboa e a Sotagus vir a ser prorrogado por mais 5 anos, até 28 de fevereiro de 2031;
- Implementar, de forma permanente e efetiva, mecanismos eficazes de chinese walls, para proteger informação sensível respeitante aos clientes dos armadores, até 28 de fevereiro de 2026 ou, na eventualidade de o contrato de concessão entre a Administração do Porto de Lisboa e a Sotagus vir a ser prorrogado por mais 5 anos, até 28 de fevereiro de 2031.
Neste contexto, a AdC emitiu uma decisão de não oposição em relação à aquisição da Sotagus pela Yilport e pela GS Marítima sujeita ao cumprimento dos compromissos referidos.
TJUE ESCLARECE QUE EFEITOS POTENCIAIS SOBRE A CONCORRÊNCIA SÃO SUFICIENTES PARA DETERMINAR UMA INFRAÇÃO AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA POR EFEITOS
Acórdão de 5 de dezembro de 2024 (Processo C-606/23) - TJUE
Em 7 de agosto de 2014, o Conselho da Concorrência da Letónia tinha emitido uma decisão, pela qual sancionava a Kia Auto pela celebração de um acordo vertical restritivo da concorrência, impondo-lhe uma coima correspondente a 134.514,43 euros.
Segundo a investigação do Conselho da Concorrência da Letónia, a Kia Auto impunha condições sobre a garantia dos seus automóveis que obrigavam ou induziam os proprietários dos automóveis a efetuarem, durante o período de garantia, as manutenções periódicas e as reparações nos representantes autorizados, bem como a utilizar peças sobresselentes de origem Kia nas manutenções periódicas e nas reparações efetuadas durante o período de garantia, sendo que só assim poderiam continuar a beneficiar da garantia automóvel.
Ora, o Conselho da Concorrência da Letónia considerou que se tratava de um acordo vertical restritivo da concorrência, por limitar o acesso a oficinas de reparação independentes, não abrangidas pela garantia, bem como o acesso dos fabricantes de peças sobresselentes independentes ao mercado da distribuição das referidas peças.
Nesta sequência, a Kia Auto recorreu da referida decisão do Conselho da Concorrência da Letónia para o Tribunal Administrativo Regional que, inicialmente, negou provimento ao recurso, mas, após recurso para o Supremo Tribunal da Letónia, o processo voltou ao Tribunal Administrativo Regional e este tribunal decidiu recorrer ao mecanismo de reenvio prejudicial, com o objetivo de esclarecer se, para considerar a existência de efeitos restritivos da concorrência, em aplicação do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, quando se apreciam acordos como o referido, bastaria a demonstração de potenciais efeitos restritivos ou se seria exigível que se demonstrassem efeitos restritivos efetivos sobre a concorrência.
Neste contexto, o TJUE explica que a análise por efeito de uma conduta depende de uma análise contrafactual, que inclui a definição dos mercados em que esse comportamento é suscetível de produzir os seus efeitos e a identificação desses efeitos, sejam eles reais ou potenciais à luz de todos os factos relevantes e do contexto económico e jurídico. Além disso, o TJUE esclareceu que, embora o cenário contrafactual na análise dos efeitos deva ser “realista e credível", tal não impede a possibilidade de ter em conta efeitos puramente potenciais de um acordo, que são suficientemente significativos.
O TJUE conclui assim por um critério de exigência baixa para a determinação de efeitos anticoncorrenciais no contexto de acordos verticais, concluindo que não se exige que as autoridades da concorrência demonstrem efeitos restritivos concretos na concorrência para classificar um acordo como restritivo “por efeito", bastando que se apontem efeitos restritivos potenciais, desde que sejam suficientemente significativos.
Deste modo, o TJUE veio esclarecer os princípios de apreciação das restrições “por efeito" nos termos do artigo 101.º do TFUE, alinhando os testes aplicáveis com os do artigo 102.º do TFUE sobre a proibição de abusos de posição dominante. No acórdão Post-Denmark II[1], o TJUE já tinha determinado que, para estabelecer o caráter abusivo de uma prática de uma empresa dominante, não teria de ser necessariamente demonstrado que a prática tinha efeitos anticoncorrenciais concretos, sendo suficiente a demonstração de um efeito anticoncorrencial potencial, suscetível de afastar os concorrentes, pelo menos, tão eficientes como a empresa em posição dominante. Note-se, por fim, que o acórdão do TJUE em sede de reenvio prejudicial incide sobre a interpretação do artigo do TFUE, contudo, a apreciação concreta sobre a solução do litígio em concreto cabe ao tribunal responsável pelo reenvio, cuja decisão está pendente.
TG CONFIRMA NOVAMENTE A DECISÃO DA CE QUE ORDENA A RECUPERAÇÃO DE AUXÍLIOS CONCEDIDOS NO ÂMBITO DO REGIME DE AUXÍLIOS À ZONA FRANCA DA MADEIRA
Acórdãos de 18 de dezembro de 2024 (Processo T-716/22; Processos apensos T-702/22, T-704/22, T-705/22, T-710/22 a T-712/22) - TG
Em 4 de dezembro de 2020, a CE emitiu uma decisão determinando que o regime de auxílios aprovado para promover o desenvolvimento regional e a diversificação da estrutura económica da Madeira estava, em grande medida, a ser executado ilegalmente por Portugal[2]. Por conseguinte, de forma a eliminar a distorção que estes auxílios poderiam gerar no mercado interno da UE, a CE determinou que Portugal deveria proceder à recuperação dos auxílios indevidamente concedidos junto das entidades beneficiárias.
O Estado português recorreu desta decisão para o TG. Contudo, este tribunal refutou os fundamentos apresentados pelo Estado português, validando a interpretação feita pela CE. Nesta sequência, o Estado português interpôs recurso do acórdão do TG junto do TJUE.
Em 4 de julho de 2024, conforme consta nas Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português de julho de 2024, o TJUE confirmou que o Estado português aplicou de forma ilegal o regime de auxílios, pelo que teria de recuperar os montantes correspondentes aos benefícios fiscais aplicados as empresas beneficiárias que, alegadamente, não cumpriram os requisitos da decisão da CE.
Em paralelo, várias empresas que teriam de restituir os auxílios que lhes tinham sido indevidamente concedidos interpuseram recurso contra a referida decisão da CE, alegando a violação do dever de fundamentação, erros de apreciação dos factos e de Direito e a violação de princípios gerais do Direito da União Europeia. Em particular, alegaram que:
- Ao contrário do considerado pela CE, o regime em causa estabelecia uma derrogação do requisito da criação/manutenção de postos de trabalho na Região Autónoma da Madeira para as sociedades gestoras de participações sociais;
- A CE qualificou erradamente como auxílio de Estado a redução do imposto sobre o rendimento das sociedades gestoras de participações sociais, uma vez que estas não se enquadram na definição de “empresa";
- A CE errou ao ter considerado que os benefícios concedidos a empresas cujas atividades não se limitam à referida região, a empresas em que alguns trabalhadores não se encontravam em permanência nesta região ou a empresas que mantinham um número suficiente de trabalhadores ao abrigo da legislação do Estado-Membro não eram compatíveis com o mercado interno;
- As recorrentes alegaram que a decisão da CE impunha restrições à livre circulação de trabalhadores e de serviços, ao exigir que os trabalhadores fossem residentes permanentes na Região Autónoma da Madeira e ao excluir os lucros provenientes de atividades fora da Região Autónoma da Madeira;
- A decisão violava os princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e do direito de propriedade. As recorrentes alegam que receberam indicações precisas e determinadas que confirmam a compatibilidade e a proporcionalidade do seu benefício, pelo que a recuperação dos auxílios pagos constitui uma ingerência dos seus direitos.
Em 18 de dezembro de 2024, o TG proferiu dois acórdãos em que negou provimento aos recursos apresentados, considerando que:
- Não houve qualquer erro de qualificação jurídica ao não reconhecer uma derrogação do requisito de criação ou manutenção de postos de trabalho para as sociedades gestoras de participações sociais, uma vez que as autoridades portuguesas não forneceram as informações necessárias para permitir apreciar a compatibilidade com o mercado interno de uma derrogação a esse requisito;
- Mesmo que as recorrentes não sejam qualificadas como empresas na aceção do referido artigo, isso não afeta a legalidade da decisão recorrida, mas apenas a legalidade das medidas de recuperação dos auxílios pagos, devendo a questão da qualificação das sociedades gestoras de participações sociais ser decidida pelo juiz nacional;
- Não houve qualquer erro ao concluir que apenas lucros provenientes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Região Autónoma da Madeira poderiam beneficiar da redução do IRC, principalmente porque apenas as atividades afetadas pelos custos adicionais específicos dessa região devem beneficiar de tais auxílios;
- A decisão não impedia as empresas de se estabelecerem ou de prestarem serviços fora da Região Autónoma da Madeira, nem de contratarem trabalhadores que residissem fora da região. A decisão apenas determinava que os lucros resultantes de atividades realizadas fora da Região Autónoma da Madeira não podiam beneficiar da redução do IRC. Esta medida era necessária para assegurar que os auxílios fossem proporcionais às desvantagens que visavam compensar;
- A recuperação dos auxílios não violava o direito de propriedade das recorrentes, uma vez que a obrigação de recuperação era uma consequência lógica e proporcionada da declaração de incompatibilidade dos auxílios com o mercado interno. As recorrentes não demonstraram que a CE lhes tenha fornecido garantias precisas, incondicionais e concordantes que criassem uma expectativa legítima.
Em suma, o TG negou provimento a todos os recursos das empresas que tinham beneficiado do regime da Zona Franca da Madeira, confirmando a decisão da CE que declarou a incompatibilidade do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira, confirmando também que se deve proceder à recuperação dos auxílios indevidamente concedidos às entidades beneficiárias.
3. Direito Digital
ESTRATÉGIA DIGITAL NACIONAL
Resolução do Conselho de Ministros n.º 207/2024, de 30 de dezembro (DR 252, Série I, de 30 de dezembro de 2024)
Foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 207/2024, de 30 de dezembro (“Resolução do Conselho de Ministros n.º 207/2024"), que aprova a Estratégia Digital Nacional (“EDN") e o seu modelo de governação, com o objetivo de posicionar o país como líder na transformação digital até 2030. A EDN visa promover a inclusão, inovação e desenvolvimento económico através da digitalização, com uma visão clara: “[u]m Portugal próspero e inovador, que utiliza as tecnologias digitais para impulsionar a qualidade de vida da população e a competitividade da economia".
A EDN prevê ações para a implementação de um modelo de governação robusto, estruturadas em quatro dimensões principais (pessoas, empresas, Estado e infraestruturas), estabelecendo 10 objetivos estratégicos, bem como 10 metas concretas a alcançar até 2030 (alinhadas com as metas da “Década Digital 2030" da União Europeia), assentes em 16 iniciativas transversais.
Na dimensão relativa às pessoas, a EDN pretende aumentar a literacia digital, garantir a inclusão digital e promover a igualdade de género nas áreas digitais. Para as empresas, o foco é dotar as pequenas e médias empresas com ferramentas digitais, aumentar a competitividade e atrair investimento estrangeiro. No que diz respeito ao Estado, a estratégia visa digitalizar os serviços públicos, promover a interoperabilidade e garantir a inclusão digital. Finalmente, na dimensão infraestruturas, a EDN propõe expandir a cobertura de internet de alta velocidade, fortalecer a cibersegurança e promover a inovação tecnológica.
A responsabilidade de assegurar a instalação e início da execução da EDN cabe a um grupo técnico de trabalho constituído pelo período de 6 meses, presidido por um representante da Agência para a Modernização Administrativa, I.P. Findo o prazo de 6 meses, o grupo de trabalho deve apresentar ao membro do Governo responsável pela modernização um relatório dos trabalhos realizados e do ponto de situação da execução da EDN.
Quanto às metas que a EDN estabelece até 2030, merecem destaque as seguintes: (i) garantir que 80% das pessoas (entre os 16 e os 74 anos) têm, pelo menos, competências digitais básicas; (ii) assegurar que 90% das PME portuguesas atingem, pelo menos, um nível básico de intensidade digital e que, no mínimo, 75 % das empresas adotam ferramentas de inteligência artificial; (iii) ter 100% das áreas povoadas abrangidas por redes de alta velocidade 5G; e (iv) garantir que, no mínimo, 75% das empresas adotam serviços de computação em nuvem (serviços cloud). Para alcançar estas metas, a EDN contempla 16 iniciativas transversais, que serão detalhadas em Planos de Ação bianuais, com monitorização contínua assegurada pelo Conselho para o Digital na Administração Pública (CDAP).
A execução das medidas e iniciativas da EDN será prioritariamente financiada por fundos europeus, com um investimento direto que ultrapassa os 350 milhões de euros para o período de 2025-2026.
O TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NO DESENVOLVIMENTO E IMPLANTAÇÃO DE SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Opinião 28/2024 do Comité Europeu para a Proteção de Dados de 17 de dezembro de 2024, sobre determinados aspetos de proteção de dados relacionados com o tratamento de dados pessoais no contexto de sistemas de Inteligência Artificial (“IA")
A Opinião 28/2024 do Comité Europeu para a Proteção de Dados (“CEPD"), adotada no dia 17 de dezembro de 2024, aborda aspetos relacionados com o tratamento de dados pessoais no desenvolvimento e implantação de sistemas de IA (a “Opinião"). Esta Opinião surge no contexto de um pedido de emissão de parecer por parte da Autoridade de Controlo Irlandesa, ao abrigo do artigo 64.º, n.º 2, do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD"), e visa promover uma interpretação harmonizada das questões de proteção de dados no contexto destas tecnologias.
A Opinião identifica três questões principais: (i) quando e como pode um sistema de IA ser considerado “anónimo"; (ii) como podem os responsáveis pelo tratamento demonstrar que o interesse legítimo é um fundamento jurídico adequado para o tratamento durante as fases de desenvolvimento e implantação do sistema de IA; e (iii) quais as consequências resultantes de o tratamento ser considerado ilegítimo durante a fase de desenvolvimento de um sistema de IA e como se refletem tais consequências nos tratamentos posteriores e na operatividade do sistema de IA.
Relativamente à anonimização, o CEPD sublinha que os modelos de IA treinados com dados pessoais nem sempre podem ser considerados anónimos. Para que um modelo seja anónimo, a probabilidade de extração ou obtenção de dados pessoais de forma direta ou indireta deve ser insignificante, considerando “todos os meios razoavelmente prováveis de serem utilizados" pelo responsável pelo tratamento ou outra pessoa. A este respeito, o CEPD fornece, incluída nesta Opinião, uma lista de métodos que podem ser utilizados para demonstrar a anonimização.
No que concerne o fundamento jurídico adequado para o tratamento, o CEPD recorda que não existe uma hierarquia entre os fundamentos de legitimidade previstos no RGPD e que caberá aos responsáveis pelo tratamento identificar aquele que seja adequado. Explica também, quanto ao interesse legítimo, que deve aplicar-se a “regra dos três passos" (three-step test) – i.e. (i) identificação do interesse legítimo do responsável pelo tratamento ou de um terceiro; (ii) avaliação da necessidade do tratamento para alcançar esse interesse, considerando alternativas menos intrusivas e respeitando o princípio da minimização de dados; e (iii) o equilíbrio entre o interesse legítimo e os direitos e liberdades fundamentais dos titulares dos dados.
Relativamente ao terceiro passo, o CEPD sublinha os riscos específicos para os direitos fundamentais que podem surgir durante as fases de desenvolvimento dos sistemas de IA. Além disso, destaca o papel das expetativas legítimas dos titulares dos dados, que assumem grande importância, especialmente tendo em conta a complexidade das tecnologias utilizadas nos sistemas de IA e o facto de ser difícil para os titulares dos dados compreenderem a variedade de utilizações possíveis, bem como as diferentes atividades de tratamento envolvidas. A este propósito, sublinha que devem ser considerados fatores como, casos em que os dados utilizados estão publicamente disponíveis, a natureza da relação entre o responsável pelo tratamento e o titular dos dados, a natureza do serviço, o contexto em que os dados pessoais foram recolhidos, as fontes dos dados, etc.
Por fim, a Opinião enfatiza a importância de medidas de mitigação adaptadas às características dos sistemas de IA e ao contexto do tratamento. Essas medidas devem reduzir os impactos negativos sobre os direitos dos titulares dos dados, e não devem confundir-se com as obrigações legais previstas no RGPD, que são aplicáveis em qualquer caso. A Opinião inclui igualmente uma lista de exemplos de medidas de mitigação para as fases de desenvolvimento (incluindo para os casos de web scraping) e para as fases de implantação.
4. Financeiro
ORIENTAÇÕES DA CMVM SOBRE A FUNÇÃO DE CONFORMIDADE E OS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DA ADEQUAÇÃO DO RESPONSÁVEL PELA FUNÇÃO DE CONFORMIDADE
Orientações sobre a função de conformidade (compliance) e os procedimentos de avaliação da adequação do responsável pela função de conformidade (compliance officer), publicadas pela CMVM a 23 de dezembro de 2024
As Orientações sobre a função de conformidade (compliance) e os procedimentos de avaliação da adequação do responsável pela função de conformidade (compliance officer) (“Orientações") foram publicadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM") no dia 23 de dezembro de 2024, na sequência do processo de Consulta Pública n.º 2/2024, iniciado a 5 de novembro de 2024.
As Orientações aplicam-se a entidades sujeitas à supervisão prudencial da CMVM, nomeadamente:
- empresas de investimento;
- sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo;
- sociedades de capital de risco;
- sociedade de investimento coletivo autogeridas;
- sociedades de titularização de créditos;
- sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos; e
- prestadores de serviços de financiamento colaborativo.
Sendo a CMVM a autoridade competente para conceder a autorização de início de atividade destas entidades, e considerando que exige um governo societário sólido e robusto para conceder tal autorização, as Orientações visam refletir o entendimento da CMVM sobre as regras legais aplicáveis, bem como o modo como espera que as mesmas sejam cumpridas. Assim, as Orientações são publicadas com o intuito de criar maior previsibilidade da atuação da CMVM neste domínio, conferindo às entidades supervisionadas referenciais claros e previsíveis sobre o âmbito e alcance das suas obrigações.
A função de conformidade (“FC") é definida como a unidade da estrutura orgânica da entidade supervisionada que integra o sistema de controlo interno, sendo o responsável pela função de conformidade (“RCF") a pessoa responsável pela FC a quem incumbe zelar pelo bom desempenho das tarefas que incumbem a esta função. Por sua vez, o sistema de conformidade (“Sistema") representa todo o conjunto de regras organizacionais, políticas e procedimentos internos, processos, mecanismos e técnicas definidos e implementados por cada entidade supervisionada tendente a verificar e assegurar, de modo contínuo e permanente, o cumprimento do quadro regulatório aplicável.
Entre as 22 orientações emitidas pela CMVM, destacamos os seguintes tópicos:
- a responsabilidade pela implementação e manutenção de um Sistema eficaz cabe ao órgão de administração. Essa eficácia deve ser fiscalizada pelo órgão de fiscalização, e a função de auditoria interna (quando exista) é responsável por avaliar a sua adequação e eficácia;
- a FC deve ser uma função independente, funcional e hierarquicamente separada das áreas operacionais que monitoriza;
- a FC deve (i) verificar se as políticas e procedimentos internos permitem prevenir ou mitigar o risco de incumprimento do quadro regulatório a que a entidade supervisionada está exposta, (ii) elaborar e executar um plano anual de conformidade, e (iii) elaborar um relatório de conformidade com periodicidade mínima anual;
- a FC pode ser subcontratada a terceiros, desde que a subcontratação não comprometa o eficaz exercício da função;
- o RFC deve ser idóneo e ter experiência para o exercício da função, de acordo com os parâmetros indicados pela CMVM;
- o RFC deve ser independente e não deve cumular cargos que possam afetar a sua imparcialidade, não sendo aconselhável que (i) seja um administrador executivo, (ii) titular de participação qualificada (direta ou indireta), ou (iii) tenha ligações especiais (e.g., familiares ou económicas), a alguma pessoa que se enquadre nos números (i) e (ii); e
- o RFC deve preferencialmente residir em Portugal, podendo residir no estrangeiro tendo em conta fatores como (i) plurilocalização do negócio, (ii) inserção num grupo internacional, e (iii) digitalização do seu negócio e modus operandi.
A avaliação inicial e contínua da adequação do RFC é da responsabilidade da entidade supervisionada. A CMVM avalia a adequação do RFC no contexto do processo de autorização para início de atividade da entidade supervisionada, podendo reavaliar quando considerar necessário e quando o RFC for alterado. No âmbito desta avaliação, devem ser submetidos à CMVM o curriculum vitae do RFC e o relatório de avaliação prévia (elaborado pelo órgão de administração da entidade supervisionada), entre outros elementos.
Seguidamente, a CMVM convocará o RFC para uma entrevista, que pode ser dispensada quando os elementos de que a CMVM dispõe já sejam suficientemente detalhados e permitam compreender a fundamentação que subjaz à avaliação efetuada pelo órgão de administração. Em resultado da avaliação, o RFC será qualificado como “adequado", “adequado com recomendações, “adequado sujeito a reavaliação", “adequado sob condição" ou “não adequado".
As Orientações são aplicáveis desde 1 de janeiro de 2025.
COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS FINANCEIROS SUJEITOS À SUPERVISÃO DO BANCO DE PORTUGAL
Aviso n.º 5/2024, de 4 de dezembro de 2024 - BdP
O Aviso n.º 5/2024, de 4 de dezembro (o “Aviso"), revoga e substitui o Aviso n.º 10/2008, de 22 de dezembro, respondendo à necessidade de adaptar o regime da publicidade a produtos e serviços financeiros, através de diferentes meios de difusão, à evolução da atividade publicitária e à crescente digitalização na comercialização de produtos e serviços financeiros.
Nesse sentido, o Aviso, estruturado em seis capítulos, estabelece novos princípios e regras aplicáveis à comercialização de produtos e serviços financeiros sujeitos à supervisão do BdP, introduzindo, sobretudo, distinções quanto aos tipos de publicidade, deveres de reporte e características da publicidade.
Em primeiro lugar, destaca-se a introdução de uma distinção entre três categorias de publicidade, conforme o objeto da mensagem publicitária, nomeadamente:
- Publicidade a produtos e serviços financeiros, que se entende como qualquer forma de comunicação feita pelas instituições e intermediários de crédito, com o objetivo direto ou indireto de promover um produto ou serviço financeiro através de, pelo menos, uma característica específica ou uma tipologia de produtos ou serviços financeiros, quando essa publicidade inclua referências a elementos como as taxas de juro, spread, o montante da prestação, entre outros(Capítulo II);
- Publicidade à atividade (Capítulo III) considerada como qualquer forma de comunicação feita pelas instituições e intermediários de crédito, com o objetivo direto ou indireto de promover a respetiva atividade comercial, qundo sujeita à supervisão do BdP;
- Publicidade institucional (Capítulo IV) que se refere a qualquer forma de comunicação feita pelas instituições e intermediários de crédito, com o objetivo direto ou indireto de promover essas entidades.
Em segundo lugar, é agora introduzida uma obrigação de reporte ao BdP dos suportes publicitários, independentemente do canal ou meio de difusão, tal como estabelece os procedimentos de reporte a serem cumpridos pelas instituições. Introduz-se, ainda, a exigência de arquivo da aprovação pelas instituições de publicidade a produtos de crédito difundida por intermediários financeiros e outras entidades habilitadas a atuar como intermediários de crédito.
Por fim, o Anexo ao Aviso introduz novas regras sobre as dimensões mínimas dos caracteres a utilizar em diferentes meios de difusão e define critérios para avaliar o requisito de destaque similar, promovendo maior transparência e equilíbrio nas mensagens publicitárias.
O Aviso entra em vigor no dia 1 de julho de 2025.
APLICAÇÃO DO REGULAMENTO DORA
Declaração das Autoridades Europeias de Supervisão sobre a aplicação do Regulamento DORA, de 4 de dezembro
No dia 4 de dezembro de 2024, as Autoridades Europeias de Supervisão (as “AES") publicaram uma declaração (a “Declaração") sobre a aplicação do Regulamento (UE) 2022/2554, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022 (o “Regulamento DORA"), que estabelece um quadro de resiliência operacional digital comum ao setor financeiro, que entrou em vigor no passado dia 17 de janeiro de 2025.
Na Declaração, as AES alertaram que as entidades financeiras e os prestadores de serviços de TIC abrangidos devem antecipar os seus preparativos para a aplicação das obrigações legais decorrentes do Regulamento DORA, de modo a garantir a prontidão para a sua implementação, uma vez que o Regulamento DORA não prevê um período de transição.
Nesse sentido, as AES esperam que as entidades financeiras identifiquem e resolvam, de forma atempada, as lacunas existentes entre as suas estruturas internas e os requisitos do DORA, bem como que se preparem para as novas obrigações de informação.
Em particular, as AES destacam que as entidades financeiras e os prestadores de serviços de TIC abrangidos devem ter os registos das cláusulas contratuais disponíveis para as autoridades competentes no início de 2025, dado que estas terão de ser comunicadas às AES até 30 de abril de 2025. Além disso, espera-se que estas entidades estejam equipadas para classificar e comunicar os seus principais incidentes relacionados com as TIC a partir da data de entrada em vigor do Regulamento DORA.
5. Fiscal
IRS – RENDIMENTOS E RETENÇÕES A TAXAS LIBERATÓRIAS - DECLARAÇÃO MODELO 39
Portaria n.º 350/2024/1, de 23 de dezembro (DR 248, Série I, 23 de dezembro de 2024)
A referida portaria procedeu à alteração da declaração Modelo 39 (rendimentos e retenções a taxas liberatórias) e respetivas instruções de preenchimento.
Esta portaria entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2025.
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2025
Lei n.º 45-A/2024, de 31 de dezembro (DR 253, Série I, de 31 de dezembro de 2024)
O Orçamento do Estado para 2025, aprovado pelo diploma em epígrafe, introduziu diversas alterações relevantes em matéria tributária, de entre as quais destacamos as seguintes:
- Em sede de IRS: (i) procedeu-se à atualização em 4,6% dos limites de cada escalão das taxas progressivas; (ii) aumentou-se o valor do subsídio de refeição, através de vales de refeição, não sujeito a tributação para € 10,20; (iii) reduziu-se de 76,5% para 65% do valor resultante da aplicação da fórmula em vigor, o valor dos pagamentos por conta devidos pelos sujeitos passivos que auferem rendimentos de trabalho da categoria B; (iv) atualizou-se, de € 20.000 para € 30.000, o montante até ao qual encargos relativos a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, que sejam suportados por sujeitos passivos que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, no âmbito do exercício de uma atividade empresarial ou profissional, estão sujeitos a tributação autónoma; (v) procedeu-se à atualização do valor de referência do mínimo de existência, correspondendo ao maior valor entre € 12.180 e 1,5 x 14 x Indexante dos Apoios Sociais – IAS (i.e. € 10.972,50, em 2025); (vi) atualizou-se, para 8,54 vezes o valor do IAS (i.e., € 4.462,15), o montante de dedução específica aplicável aos rendimentos de trabalho dependente e às pensões; (vii) procedeu-se à reforma do regime do IRS Jovem, nos seguintes termos: (a) expandiu-se o âmbito de aplicação do regime a todos os sujeitos passivos não dependentes até aos 35 anos de idade; (b) eliminou-se a condição relativa à conclusão do ciclo de estudos; (c) alargou-se a duração do benefício para os 10 primeiros anos de obtenção de rendimentos, não se contabilizando os anos nos quais o sujeito passivo tenha sido considerado dependente; (d) determinou-se que a isenção atribuída pelo regime fosse progressiva aplicando-se a 100% dos rendimentos no primeiro ano, a 75% dos rendimentos do segundo ao quarto ano de rendimentos, a 50% do quinto ao sétimo ano de rendimentos e a 25% do oitavo ao décimo ano de rendimentos; e (e) aumentou-se o limite máximo de isenção para cinquenta e cinco vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (i.e. € 28.737,50, tendo em conta o IAS em vigor no ano de 2025); (viii) reduziu-se, de 25% para 23%, a taxa de retenção na fonte aplicável aos rendimentos de trabalho independente, provenientes de atividades profissionais expressamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS; (ix) a remuneração relativa a trabalho suplementar passou a ficar (a) sujeita a 50% da taxa autónoma de retenção na fonte, no caso dos residentes fiscais desde a primeira hora de trabalho suplementar; ou (b) dispensada de retenção na fonte em relação às primeiras 100 horas (anteriormente 50 horas), no caso dos não residentes, ficando o montante que exceda aquele limite sujeito a retenção a 25%; (x) volta a prever-se uma isenção de IRS aplicável aos prémios de produtividade, desempenho, participações nos lucros e gratificações que não ultrapassem 6% do salário base anual do trabalhador, desde que a empresa tenha aumentado, em pelo menos 4,7%, a remuneração base anual média dos seus trabalhadores; e (xi) alargou-se o escopo das sociedades nas quais um sujeito passivo poderá realizar entradas de capital, de forma a usufruir do regime dos incentivos à recapitalização das empresas.
- Em sede de IRC: (i) procedeu-se à redução da taxa normal e reduzida para 20% e 16%, respetivamente; (ii) reduziu-se, em 0,5%, as taxas de tributação autónoma sobre os encargos efetuados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias, motos ou motociclos, alterando-se, ainda, os escalões aplicáveis; (iii) eliminou-se a classificação dos encargos suportados com espetáculos oferecidos a clientes, fornecedores ou outras entidades como despesas de representação, deixando esses encargos de estar sujeitos a tributação autónoma; (iv) reintroduz-se a norma transitória de suspensão da taxa agravada de 10% aplicável a empresas que apresentem prejuízo fiscal, desde que (a) o sujeito passivo tenha obtido lucro tributável em um dos três períodos de tributação anteriores e tiver cumprido atempadamente as obrigações declarativas relativas à entrega da Modelo 22 e IES dos dois períodos de tributação anteriores; ou (b) se o período de tributação de 2025 corresponder ao início de atividade ou a um dos dois períodos seguintes; (v) previu-se que os gastos suportados com seguros de saúde ou doença em benefício dos trabalhadores sejam considerados, para efeitos da determinação do lucro tributável, em 120% do seu valor; (vi) prorrogou-se o período de acesso ao regime da Zona Franca da Madeira para empresas que se licenciem até 31 de dezembro de 2026; (vii) ajustou-se o incentivo fiscal à valorização salarial, nos seguintes termos: (a) os encargos relativos aos aumentos salariais passaram a ser considerados em 200% do montante, na sequência do aumento da majoração de 50% para 100% dos encargos correspondentes aos aumentos salariais; (b) o aumento da retribuição necessária fixou-se nos 4,7% em vez dos anteriores 5%; e (c) fixou-se a dedução máxima ao lucro tributável por trabalhador nos € 4.350; e (viii) em relação ao regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas, a generalidade das empresas passou a ter acesso a um spread de 2% (em vez de 1,5%) a aplicar sobre a média da taxa Euribor a 12 meses, o que, previamente apenas sucedia no caso de pequenas e médias empresas ou de small mid caps e prevê-se que esta dedução seja majorada em 50% (em vez dos 30% já previstos) em 2025 com o limite do maior de dois valores: € 4.000.000,00 ou 30% do EBITDA (ajustado nos termos do Código do IRC).
- Em sede de IMT: (i) atualizaram-se, em 2,3%, os escalões de tributação em relação a prédios urbanos e a frações autónomas de prédios urbanos, destinados exclusivamente a habitação própria e permanente, o que implica que só será devido IMT se o valor sobre o qual incide o imposto for superior a € 104.261; e (ii) isentou-se de IMT (e de IS) as transmissões de prédios rústicos necessárias à realização das operações de emparcelamento de prédios rústicos contíguos ou confinantes;
- Em sede de IS: prorrogou-se, até 31 de dezembro de 2025, a isenção aplicável (i) à utilização de crédito no âmbito de operações de fixação temporária da prestação e capitalização dos montantes diferidos no valor do empréstimo para habitação própria e permanente; e (ii) aos créditos à habitação, e até ao capital em dívida, relativos à (a) alteração do prazo do qual resulte imposto a pagar; (b) prorrogação do prazo; e (c) celebração de um novo contrato de crédito à habitação para refinanciamento da dívida, abrangendo a isenção, neste caso, as garantias prestadas, as garantias prestadas no caso de mudança de instituição de crédito ou sub-rogação de direitos e as garantias de credor hipotecário;
- Em sede de IVA: (i) prorrogou-se, até 31 de dezembro de 2025 a possibilidade de utilização de faturas em PDF (sem assinatura digital ou selo de certificação) enquanto faturas eletrónicas para todos os efeitos previstos na legislação fiscal e, bem assim, a isenção de IVA aplicável à transmissão de (a) adubos, fertilizantes, corretivos de solos e outros produtos para alimentação de gado, aves e outros animais, quando utilizados em atividades de produção agrícola; e de (b) produtos destinados à alimentação de animais de companhia quando acolhidos por associações de proteção animal; e (ii) os seguintes bens passaram a ser tributados à taxa reduzida de 6%: (a) entradas em espetáculos de tauromaquia; (b) produtos alimentícios destinados a lactentes e crianças de pouca idade; e (c) utensílios e equipamentos destinados a operações de socorro e salvamento;
- Em sede de contribuições setoriais, mantêm-se em vigor as contribuições extraordinária sobre o setor energético, para o audiovisual, para o setor bancário, sobre a indústria farmacêutica e sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde.
- Em sede de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP"): (i) definiu-se a tributação a 100% dos produtos petrolíferos e energéticos prejudiciais para o ambiente, quando utilizados na produção de eletricidade, eletricidade e calor (cogeração) ou gás de cidade; (ii) previu-se a tributação a 50% do gás natural utilizado para a produção de eletricidade, eletricidade e calor (cogeração) ou gás de cidade, consumido em Portugal Continental; (iii) definiu-se a tributação a 100% dos produtos petrolíferos e energéticos (carvão, coque de petróleo e fuelóleo) que sejam utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia; (iv) estabeleceu-se que as empresas abrangidas pelo Comércio Europeu das Licenças de Emissão continuarão a beneficiar da isenção relativa à taxa do adicionamento sobre as emissões de CO; e (v) isentou-se do ISP, os biocombustíveis, biometano, hidrogénio verde e outros gases renováveis.
- Em sede de Imposto sobre Veículos (“ISV"): (i) automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através da ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, matriculados noutro Estado-Membro da UE entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2020, passaram a estar sujeitos a uma taxa de 25%; e (ii) determinou-se que o ISV sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da UE é objeto de liquidação provisória, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental.
6. Laboral
ATUALIZAÇÃO DE VALORES COM RELEVO SOCIAL - SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL, INDEXANTE DOS APOIOS SOCIAIS, IDADE NORMAL DE REFORMA, PENSÕES
Decreto-Lei n.º 112/2024, de 19 de dezembro (DR 246, Série I, de 19 de dezembro) e Portarias n.os 358/2024/1, de 30 de dezembro (DR 252, Série I, de 30 de dezembro), 372-B/2024/1, de 31 de dezembro (DR 253, Série I, de 31 de dezembro de 2024), 6-A/2025/1 e 6-B/2025/1, de 6 de janeiro (DR 3, Suplemento, Série I, de 6 de janeiro de 2025),
Os referidos diplomas introduziram atualizações em diversos valores com relevo social para o ano de 2025 e, no caso da idade normal de acesso à pensão de velhice, para 2026.
Na tabela infra resumem-se as atualizações em questão, por comparação com os valores correspondentes do ano de 2024.
2024 | 2025 | Diploma relevante | |
Idade normal de acesso à pensão de velhice | 66 anos e 4 meses | 66 anos e 7 meses | Portaria n.º 358/2024/1, de 30 de dezembro |
Retribuição mínima mensal garantida | € 820,00 | € 870,00 | Decreto-Lei n.º 112/2024, de 19 de dezembro |
Indexantes dos apoios sociais (“IAS")* | € 509,26 | € 522,50 | Portaria n.º 6-B/2025/1, de 6 de janeiro |
*A atualização do IAS determina, entre outros, o aumento de outras prestações sociais (e.g. subsídio de desemprego, pensão de reforma, abono de família e rendimento social de inserção), bem como da base de incidência contributiva mínima dos membros de órgãos estatutários.
Foram também atualizados os valores de vários tipos de pensões. Destacamos, em particular as seguintes alterações:
Pensões de invalidez e de velhice do regime geral de Segurança Social e pensões de aposentação, reforma e invalidez do regime de proteção social convergente atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações | ||
Intervalos dos valores das pensões | 2025 | Diploma relevante |
≤ € 1.045,00 | Aumento de 3,85% | Portaria n.º 372-B/2024/1, de 31 de dezembro |
> € 1.045,00 | Aumento de 3,35% | |
> € 1.567,50 | Aumento de 2,10% | |
> € 3.135,00 | Aumento de 1,85% | |
Pensões por incapacidade permanente para o trabalho e pensões por morte resultantes de doença profissional (atribuídas pelo regime geral de Segurança Social e pela Caixa Geral de Aposentações) | ||
Todas | Aumento de 3,85% | Portaria n.º 372-B/2024/1, de 31 de dezembro |
Pensões de acidentes de trabalho | ||
Todas | Aumento de 2,60% | Portaria n.º 6-A/2025/1, de 6 de janeiro |
Todos os diplomas entraram em vigor no passado dia 1 de janeiro de 2025.
ISENÇÃO DE IRS E CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL DE PRÉMIOS DE PRODUTIVIDADE, DESEMPENHO, PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E GRATIFICAÇÕES DE BALANÇO
Lei n.º 45-A/2024, de 31 de dezembro (DR 253, Série I, de 31 de dezembro de 2024)
A Lei n.º 45.º-A/2024, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2025, veio determinar que os prémios de produtividade, desempenho, participações nos lucros e gratificações de balanço até 6% da remuneração base anual dos trabalhadores ou membros de órgãos estatutários passam a estar isentos de IRS e contribuições à Segurança Social, ainda que fiquem sujeitos a retenção na fonte.
Nos termos do diploma em análise, para beneficiarem deste incentivo, as empresas terão de:
- Aumentar, em pelo menos 4,7%, a retribuição base anual dos trabalhadores que aufiram um valor inferior ou igual à retribuição base média anual existente na empresa no final do ano anterior;
- Assegurar, no mínimo, um aumento global de 4,7% da retribuição base média anual existente na empresa. Este novo critério é muito relevante porquanto, até aqui, as empresas tinham um apoio por cada trabalhador que aumentasse mais do que 5% da retribuição - i.e. os trabalhadores que tivessem aumentos inferiores, não podiam beneficiar; e
- Estar abrangidas por um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho celebrado ou atualizado há menos de três anos.
A Lei que aprovou o Orçamento de Estado entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2025.
ALARGAMENTO DA APLICAÇÃO DO FATOR DE BONIFICAÇÃO DE 1,5% A TODO E QUALQUER SINISTRADO COM 50 OU MAIS ANOS DE IDADE
Acórdão n.º 16/2024, de 17 de dezembro (Processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1) - STJ
O presente acórdão foi proferido no âmbito de uma ação intentada por um trabalhador (o Autor), vítima de um acidente de trabalho, contra uma empresa seguradora (a Ré) contratada pela sua entidade empregadora, para fixação do coeficiente global da respetiva incapacidade e do montante da respetiva pensão anual.
No decurso da ação, foi interposto recurso para o STJ, pelo Autor, cuja questão central era a de saber se o fator de bonificação de 1,5% previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais (que dispõe que “[n]a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor") é automaticamente aplicável quando o sinistrado, que não tinha 50 anos à data da alta médica, tenha 50 ou mais anos à data da revisão da incapacidade
Na sua essência, o que se vinha discutindo nos tribunais nacionais até à data da prolação do acórdão em apreço era saber se a aplicação do fator de bonificação de 1,5% seria apenas aplicável (i) aquando da primeira avaliação de incapacidade, e (ii) em exame de revisão da incapacidade, quando o grau de incapacidade concedido fosse efetivamente agravado (em ambos os casos, contanto que o sinistrado tivesse 50 ou mais anos de idade e ainda não tivesse beneficiado da aplicação desse fator); ou se, pelo contrário, o fator de bonificação de 1,5% seria automaticamente aplicável sempre que, em exame de revisão de incapacidade, o sinistrado tivesse 50 ou mais anos de idade e ainda não tivesse beneficiado da sua aplicação.
Perante a multiplicidade de decisões jurisprudenciais a favor de uma e de outra interpretação, o STJ fixou jurisprudência nos seguintes termos:
- a aplicação do fator de bonificação de 1,5% é automaticamente aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois a venha a atingir, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; e,
- o sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento do seu estado de saúde por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.
Com efeito, entendeu o STJ que o objetivo do legislador ao atribuir a bonificação de 1,5% a partir dos 50 anos foi aumentar o grau de incapacidade do sinistrado em função da dificuldade acrescida na capacidade funcional e, por consequência, no desempenho da atividade profissional, por força do natural e inevitável envelhecimento físico e psíquico do ser humano.
7. Público
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS - MEDIDAS ESPECIAIS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA - PRORROGAÇÃO
Lei n.º 43/2024, de 2 de dezembro (DR 233, Série I, de 2 de dezembro de 2024)
A Lei n.º 43/2024, de 2 de dezembro (“Lei n.º 43/2024") procede à segunda alteração à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que aprovou medidas especiais de contratação pública.
Este diploma visa, por um lado, acelerar a execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus no contexto do Plano de Recuperação e Resiliência e, por outro lado, introduzir um regime especial de formação de contratos públicos no âmbito da concentração de serviços públicos nos edifícios do Campus XXI, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 43-B/2024, de 2 de julho.
Os atos e contratos destinados à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus passam a estar sujeitos a um regime específico de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas, no âmbito do qual passam a poder produzir todos os seus efeitos antes da emissão de uma decisão de procedência pelo Tribunal de Contas (passa-se a incluir, consequentemente, os pagamentos).
A cessação dos efeitos do ato ou do contrato fiscalizado só poderá ocorrer, mediante a emissão de uma decisão de improcedência, em casos de ausência total de procedimento de formação do contrato ou da assunção de encargos sem cabimento em verba orçamental própria.
Para além disso, é criado um regime excecional de ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual. Segundo este regime, as ações administrativas urgentes que impugnem atos de adjudicação relativos a projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus suspendem automaticamente os efeitos do ato impugnado. Para que o efeito suspensivo tenha lugar, mantém-se a obrigação de propôr a ação no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes.
Após decorrer o prazo de 10 dias úteis, caso tenha sido proposta uma ação de efeito suspensivo automático, a entidade demandada pode solicitar o levantamento provisório do efeito suspensivo, sem a prévia audição da parte contrária, caso demonstre de forma sumária que existe risco de perda de financiamento para o contrato em causa. Para este efeito, o n.º 4 do artigo 25.º-A estabelece que basta que o requerente junte documento que comprove a decisão de financiar o projeto no qual o contrato se integre.
A Lei n.º 43/2024 estabelece que os litígios emergentes de contratos de empreitada de obra pública ou fornecimento de bens ou serviços financiados ou cofinanciados por fundos europeus podem ser submetidos a arbitragem quando estes possam comprometer o cumprimento de prazos contratuais ou a obtenção de financiamento, ainda que as partes tenham previamente acordado no contrato que os litígios emergentes da sua execução seriam dirimidos pelos tribunais administrativos.
Finalmente, este diploma introduz um regime específico de formação de contratos públicos no âmbito da organização, programação, conceção e execução da concentração de serviços no Campus XXI. Para este efeito, as entidades adjudicantes passam a poder adotar procedimentos de consulta prévia simplificada para a celebração de contratos que tenham por objeto a locação ou aquisição de bens móveis, a aquisição de serviços ou a realização de empreitadas de obras públicas.
As alterações introduzidas pelo diploma entraram em vigor no dia 16 de dezembro de 2024, sendo que o regime excecional de ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual vigora até ao final dos respetivos programas de financiamento por fundos europeus.
Para uma descrição mais detalhada das medidas especiais de contratação pública, consulte a Newsletter publicada em maio de 2021 (disponível aqui) e a Newsletter publicada em novembro de 2022 (disponível aqui).
QUADRO REGULATÓRIO APLICÁVEL ÀS ENERGIAS RENOVÁVEIS
Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro (DR 234, Série I, de 3 de dezembro de 2024)
O Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro (“Decreto-Lei n.º 99/2024") procede à:
- Transposição parcial da Diretiva (UE) 2023/2413 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de outubro de 2023 (“Diretiva RED III"), que altera a Diretiva (UE) 2018/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro de 2018 (“Diretiva RED II");
- Transposição parcial do Regulamento (UE) 2018/1999 e da Diretiva 98/70/CE, no que respeita à promoção de energia de fontes renováveis; e
- Alteração do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro (“Decreto-Lei n.º 15/2022") e do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro (“RJAIA")
As alterações promovidas no Decreto-Lei n.º 99/2024 introduzem significativas alterações no quadro regulatório das energias renováveis, ao nível da simplificação e aceleração do licenciamento de projetos. No entanto, ficam ainda por transpor aspetos relevantes da Diretiva RED III, mormente as denominadas go to areas (zonas de aceleração da implantação de energias renováveis), cuja lei de transposição deverá ser aprovada em 2025.
Revisão de conceitos - armazenamento, hibridização, reequipamento e sobre-equipamento
O DL 99/2024 procedeu à revisão do conceito de armazenamento. Na sua nova redação, o armazenamento passa a poder ser tanto “autónomo", ou seja, a unidade de armazenamento pode estar ligada diretamente à rede e não associada a centro electroprodutor ou a uma unidade de produção para autoconsumo (“UPAC"), como pode ser “colocalizado", ou seja, aquele que está ligado em simultâneo com centro electroprodutor ou UPAC a um mesmo ponto de acesso à rede.
Foi também revisto o conceito de hibridização, sendo que a hibridização passa a poder ser feita (também) através de unidades de armazenamento, enquanto que antigamente os projetos de hibridização apenas poderiam ser prosseguidos através da adição de novas unidades de produção.
Já os conceitos de reequipamento e hibridização passam a estar definidos por referência à “área de implantação" e não ao “polígono de implantação". Geram-se, a este respeito, dúvidas sobre a distinção entre os dois conceitos.
Prazos procedimentais
O enquadramento normativo dos prazos procedimentais para a emissão de licenças de produção e exploração de projetos de energias renováveis foi revisto, com o objetivo principal de encurtar os tempos e responsabilizar apenas as entidades licenciadoras pelos atrasos.
Passa-se a prever que os prazos de emissão das licenças não podem exceder 2 anos (ou 3 anos para os projetos de energias renováveis offshore) e é também limitada a possibilidade de prorrogação de prazos, que passa a ficar sempre sujeita à ocorrência de circunstâncias extraordinárias.
No entanto, os prazos procedimentais não incluem determinados períodos de tempo. Nomeadamente:
- A construção dos centros eletroprodutores de energia renovável, incluindo as respetivas ligações à rede;
- O processo administrativo para as “modernizações significativas da rede";
- Os processos de impugnação, tanto administrativa como judicial.
Reduzem-se ainda os prazos de procedimento de registo prévio de centrais sujeitas a este regime, bem como os prazos de decisão de pedido de reequipamento que não dê origem a um aumento da respetiva potência instalada superior a 20%. Aparentemente, este segundo prazo apenas se aplica em relação aos pedidos de reequipamento, mas já não de sobre-equipamento.
De forma semelhante, também nos procedimentos de controlo prévio para sobre-equipamento e reequipamento de centro electroprodutor, se prevê que o procedimento não poderá exceder o limite de um ano, mas apenas para os pedidos de reequipamento.
Relativamente ao procedimento de registo prévio, cuja generalidade dos prazos foram reduzidos a metade, passa-se a prever a ocorrência de deferimento tácito, caso não haja emissão da decisão no prazo determinado para o procedimento de registo prévio (alínea b) do n.º 12 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 99/2024).
Durante o ano de 2025, deverá ocorrer uma ulterior alteração legislativa relativamente aos processos de impugnação, de modo a prever a natureza urgente desses processos, em linha com a Diretiva RED III.
Cedências aos municípios
O regime das cedências aos municípios foi revisto para englobar um maior número de centrais e instalações de armazenamento, passando a ser necessário que tenham uma potência de ligação apenas acima de 1 MVA, e já não 50 MVA.
Por força das alterações introduzidas por este diploma, os municípios podem agora optar por uma de duas prestações: (i) a instalação de UPAC ou posto de carregamento de veículos elétricos, que agora passam a dever ter uma potência instalada correspondente a 1% (e não apenas de 0,3% como era no regime anterior) da potência de ligação da central ou instalação de armazenamento; ou (ii) uma prestação pecuniária, que continua fixada em € 1.500 por MVA de potência de ligação.
Produção para autoconsumo
Com as alterações introduzidas pelo DL n.º 99/2024, o certificado de exploração de UPAC passa a ser emitido automaticamente após a submissão do relatório de inspeção que ateste a conformidade da instalação, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 15/2022.
Procede-se também à revisão do conceito de proximidade entre a UPAC e as instalações de utilização (“IU") que operam através da rede elétrica de serviço público (“RESP"). A proximidade passa a ocorrer em três hipóteses distintas:
- Em UPAC ligadas às redes de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, quando a IU e a UPAC não distem entre si mais de dois quilómetros ou, em alternativa, estejam ligadas ao mesmo posto de transformação;
- Em UPAC ligada à rede nacional de distribuição e à rede nacional de transporte, quando estas estejam ligadas na mesma subestação, independentemente da distância geográfica da ligação em causa; e
- Em UPAC e a IU não estejam ligadas na mesma subestação, quando a ligação não ultrapasse a distância geográfica de quatro quilómetros em média tensão, dez quilómetros em alta tensão e vinte quilómetros em muito alta tensão.
Por fim, as novas distâncias fixadas aumentam para o dobro caso as UPAC, as IU e as instalações de armazenamento se situem em territórios de baixa densidade.
Atividade de registo e contratação bilateral de energia
Este diploma institui as diretrizes basilares da atividade de registo e contratação bilateral de energia, posteriormente regulamentada através da Portaria n.º 367/2024/1, de 31 de dezembro.
Remete-se, a este respeito, para a análise da Portaria n.º 367/2024/1, de 31 de dezembro efetuada infra.
Articulação com o RJAIA e o RJRAN
O Decreto-Lei n.º 99/2024 vem alterar o regime aplicável à apresentação de propostas de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental constante do artigo 12.º do RJAIA.
Com a sua entrada em vigor, a apresentação de uma proposta de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental (“PDA") no âmbito do procedimento de AIA será obrigatória no caso de centros eletroprodutores de energia renovável e infraestruturas conexas. Nas demais situações, a apresentação de PDA continua a ser facultativa, tal como resultava da redação anterior do artigo 12.º do RJAIA.
Adicionalmente, determinou-se que os centros eletroprodutores de fonte primária solar, e respetivas instalações de armazenamento, estão isentos de AIA quando sejam instalados em edifícios ou estruturas artificiais, existentes ou futuras.
No entanto, tal não se aplica caso essas instalações se situem em superfícies de massas de água superficiais, em áreas, edifícios classificados ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção, ou em zonas ou estruturas importantes para a defesa nacional ou segurança.
O referido diploma também introduz alterações à possibilidade de utilização de áreas da Reserva Agrícola Nacional (“RAN") para a instalação de centros eletroprodutores, nos termos do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 15/2022 e do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, na sua redação atual (“Decreto-Lei n.º 73/2009").
Com o aditamento do novo n.º 2 do artigo 50.º Decreto-Lei n.º 15/2022, o perímetro de instalação de centros eletroprodutores solares (e respetivas linhas internas e de ligação à RESP) passa a poder incluir áreas integradas na RAN, desde que estas áreas representem menos de 10% da área total contratada e tenham dimensão inferior a 1 hectare.
Já o novo n.º 3 do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 15/2022 introduz uma presunção de cumprimento dos requisitos associados à utilização de áreas da RAN para fins não agrícolas previstos no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009.
Nos termos deste preceito, presume-se o cumprimento destes requisitos quando as áreas da RAN sejam utilizadas para a colocação de apoios e passagem de linhas internas ou de ligação dos centros eletroprodutores à RESP e a sua colocação não imponha restrições decorrentes da constituição da servidão da linha que prejudiquem a cultura dominante na área afetada.
Estatuto do cliente eletrointensivo
Este diploma modifica o regime do Estatuto do Cliente Eletrointensivo, alterando a redação dos artigos 194.º e 195.º do Decreto-Lei n.º 15/2022.
Na nova redação do artigo 194.º do DL n.º 15/2022, a par dos anteriores requisitos, a obtenção deste estatuto passa a depender dos seguintes requisitos:
- Integração nos setores de atividade identificados no anexo 1 da Comunicação da Comissão Europeia 2022/C 80/01 sobre as “Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022" (“Anexo 1"); e
- Ligação à RESP, ao invés da ligação à rede de MAT, AT ou MT.
Já a nova redação do artigo 195.º do Decreto-Lei n.º 15/2022 alarga a possibilidade de redução total ou parcial dos encargos correspondentes aos custos de política energética, de sustentabilidade e de interesse económico geral (“CIEG") que incidem sobre a tarifa de uso global do sistema, na medida em que esta redução não pressuponha o pagamento do encargo em valor inferior a 0,5 EUR/MWh.
As instalações que pertençam a um setor em risco significativo (nos termos definidos pelo Anexo 1) têm direito a uma redução de 85% dos referidos custos.
Já as instalações que pertençam a um setor em risco (nos termos definidos pelo Anexo 1) têm direito a uma redução de 75% desses custos. A intensidade desta redução poderá ascender a 85% se estas instalações demonstrarem que pelo menos 50% do seu consumo de eletricidade provêm de fontes de energia renováveis, sendo parte deste proveniente de contratação bilateral ou de autoconsumo de origem renovável.
Aplicação no tempo
De acordo com o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 99/2024, este diploma entra em vigor 15 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 18 de dezembro de 2024.
Em afastamento da versão original do Decreto-Lei n.º 15/2022, o Decreto-Lei n.º 99/2024 não prevê nenhum prazo para atualização dos regulamentos previstos no artigo 235.º do Decreto-Lei n.º 15/2022 pelas autoridades competentes.
As alterações do Decreto-Lei n.º 99/2024 são, na sua generalidade, aplicáveis a todos os procedimentos, quer os que estão em curso, quer os iniciados após a sua entrada em vigor. No entanto, poderão existir casos de sobrevigência da lei antiga que deverão ser analisados individualmente.
Para uma descrição mais detalhada do regime aplicável à organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, consulte a Newsletter publicada em janeiro de 2022, disponível aqui.
COMÉRCIO EUROPEU DE LICENÇAS DE EMISSÃO DE GASES COM EFEITO DE ESTUFA
Decreto-Lei n.º 101/2024, de 4 de dezembro (DR 235, Série I, de 4 de dezembro de 2024)
O Decreto-Lei n.º 101/2024, de 4 de dezembro (“Decreto-Lei n.º 101/2024") transpõe parcialmente a Diretiva (UE) 2023/959, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 2023 (“Diretiva (UE) 2023/959") e procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 114/2021, de 15 de dezembro, que estabelece o regime jurídico do comércio europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa aplicável às instalações fixas (“CELE").
O Decreto-Lei n.º 101/2024 visa alinhar o quadro da política climática e energética da União Europeia com o novo objetivo climático para 2030, estabelecido no Pacote Objetivo 55 (“Fit for 55").
O âmbito de aplicação do CELE foi revisto para que o seu regime passe a ser diretamente aplicável às atividades que não emitem diretamente gases com efeitos de estufa, e não às emissões associadas a essas atividades. Consequentemente, o CELE passa a ser aplicável a atividades que não emitem gases com efeito de estufa, mas cumprem o limiar de capacidade, assegurando igualdade de tratamento.
A definição de "emissão" é alterada para incluir emissões que não ocorrem diretamente para a atmosfera, desde que os gases com efeito de estufa sejam armazenados num local de armazenamento ou quimicamente ligados a um produto de forma permanente.
De modo a evitar que instalações que queimam uma elevada percentagem de biomassa obtenham lucros excecionais por receberem licenças de emissão a título gratuito muito superiores às suas emissões reais, o Decreto-Lei n.º 101/2024 vem estabelecer que as instalações que queimam uma elevada percentagem de biomassa são excluídas do CELE se a combustão de biomassa com fator de emissão zero exceder 95%.
No domínio da atribuição gratuita de licenças de emissão, são atualizados os parâmetros de referência para a sua atribuição, que passa a ficar condicionada à implementação de medidas de melhoria da eficiência energética e à elaboração de um plano de neutralidade climática.
Finalmente, o Decreto-Lei n.º 101/2024 estabelece ainda que a produção de mercadorias em setores abrangidos pelo Ajustamento Carbónico Fronteiriço (“CBAM") deixa de beneficiar de atribuição gratuita de licenças de emissão, sendo esta medida implementada de forma progressiva até 2033.
PRORROGAÇÃO - MEDIDAS EXCECIONAIS - SIMPLIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE PRODUÇÃO DE ENERGIA DE FONTES RENOVÁVEIS
Decreto-Lei n.º 116/2024, de 30 de dezembro (DR 252, Série I, de 30 de dezembro de 2024)
O Decreto-Lei n.º 116/2024, de 30 de dezembro (“Decreto-Lei n.º 116/2024") veio prorrogar a vigência das medidas excecionais de simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, na sua redação atual (“Decreto-Lei n.º 30-A/2022").
O Decreto-Lei n.º 30-A/2022 veio estabelecer um conjunto de medidas excecionais para simplificar os procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis. Estas medidas foram aprovadas tendo em vista facilitar a instalação e entrada em funcionamento de centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis, instalações de armazenamento, unidades de produção para autoconsumo (“UPAC"), produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água e infraestruturas de transporte e distribuição de eletricidade.
As principais medidas previstas pelo Decreto-Lei n.º 30-A/2022 são as seguintes:
- Possibilidade de a entidade licenciadora, para efeitos da subalínea iii) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, solicitar, de forma fundamentada, o parecer prévio à autoridade de avaliação de impacte ambiental, sempre que considere haver indícios de que o projeto em questão possa gerar impactes significativos no ambiente;
- Dispensa da necessidade de emissão prévia de licença de produção ou de certificado de exploração para a entrada de exploração de centros eletroprodutores, instalações de armazenamento e UPAC, bastando a mera comunicação pelo operador de rede de que estão reunidas as condições de ligação e injeção de energia na rede e a prévia notificação à Direção-Geral de Energia e Geologia;
- Atribuição de uma compensação aos municípios pela instalação de centros eletroprodutores e instalações de armazenamento, a suportar pelo Fundo Ambiental;
- Obrigatoriedade de instrução do procedimento de controlo prévio de centros eletroprodutores e de UPAC com potência instalada igual ou superior a 20 MW ou de centro electroprodutor de fonte primária eólica com pelo menos 10 torres eólicas com uma proposta de projeto de envolvimento das comunidades locais;
- Não sujeição ao Regime Jurídico de Prevenção e Controlo Integrados da Poluição, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, da produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água, utilizando eletricidade de fontes renováveis;
- Possibilidade de os centros eletroprodutores eólicos injetarem energia na rede elétrica de serviço público acima da potência de ligação atribuída;
- Obrigação de que comercializadores de gás, cujo fornecimento seja superior a 2000GWh, incorporarem uma percentagem mínima de 1% de biometano ou hidrogénio por eletrólise a partir da água no fornecimento de gás natural.
O Decreto-Lei n.º 116/2024 prorroga a vigência destas medidas até 31 de dezembro de 2026.
Para uma descrição mais detalhada das medidas excecionais de simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis, consulte a Newsletter publicada em outubro de 2022 (disponível aqui) e a Newsletter publicada em maio de 2024 (disponível aqui).
REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE DE REGISTO E DE CONTRATAÇÃO BILATERAL DE ENERGIA – ENERGIAS RENOVÁVEIS
Portaria n.º 367/2024/1, de 31 de dezembro (DR 253, Série I, de 31 de dezembro de 2024)
A Portaria n.º 367/2024/1, de 31 de dezembro (“Portaria n.º 367/2024/1") estabelece os termos e condições para a atividade de registo e contratação bilateral de energia, no cumprimento do disposto no artigo 163.º-E do Decreto-Lei n.º 15/2022.
As bases para a atividade de registo e comércio bilateral de energia foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 99/2024, que aditou os artigos 163.º-A a 163.º-F ao Decreto-Lei n.º 15/2022. Como referido anteriormente, este regime foi inspirado nas alterações introduzidas pelo Regulamento (UE) 2024/1747 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2024, aprovadas tendo em vista melhorar a configuração do mercado da eletricidade da União Europeia.
Nesse sentido, a Portaria n.º 367/2024/1 visa regulamentar as bases da atividade de registo e comércio bilateral de energia previstas no Decreto-Lei n.º 15/2022.
A atividade de registo e contratação bilateral de energia é definida como a atividade que envolve o registo de todas as transações operadas por contratos bilaterais de energia (“PPAs"), nos quais pelo menos uma das partes é um agente de mercado.
A OMIP, S. A. (“Entidade Gestora") é designada como a entidade responsável pela gestão da atividade de registo e contratação bilateral de energia, operando através de uma plataforma eletrónica para o efeito.
Os contratos de compra e venda de energia (PPAs) celebrados estão sujeitos a registo obrigatório na plataforma eletrónica no prazo máximo de cinco dias úteis após a sua celebração.
O registo deve incluir a identificação das partes e condições contratuais, tais como o volume contratado, o preço, a tecnologia, a duração e a parte responsável pela programação da energia.
Os vendedores e compradores de energia podem publicitar as suas condições para a contratação de PPA na plataforma eletrónica, cabendo à Entidade Gestora verificar a veracidade das informações antes da publicação. Ainda, a Entidade Gestora deverá disponibilizar na plataforma eletrónica um conjunto de contratos modelo que contenham propostas para as principais cláusulas caracterizadoras de um PPA.
A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (“ERSE") define o preçário para os serviços prestados pela Entidade Gestora e supervisiona a atividade.
A atividade de registo e contratação bilateral, juntamente com a plataforma eletrónica, deve estar totalmente operacional no prazo máximo de 180 dias após a publicação da Portaria n.º 367/2024/1, sendo que os PPAs já existentes devem ser registados no prazo máximo de 90 dias após o lançamento da plataforma.
A Portaria n.º 367/2024/1 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2025.
REGULAMENTO DA QUALIDADE DE SERVIÇO – REVISÃO DOS PADRÕES PARA OS INDICADORES GERAIS DE QUALIDADE DE SERVIÇO
Diretiva n.º 21/2024, de 11 de dezembro (DR 240, Série II, de 11 de dezembro de 2024)
A Diretiva n.º 21/2024, de 11 de dezembro (“Diretiva 21/2024") aprova os padrões para os indicadores gerais de qualidade de serviço previstos nos artigos 98.º, 99.º e 100.º do Regulamento da Qualidade de Serviço dos setores elétrico e do gás, aprovado pelo Regulamento n.º 826/2023, de 28 de julho (“Regulamento da Qualidade de Serviço" ou “RQS").
O RQS fixa um conjunto de padrões gerais de qualidade de serviço a serem respeitados pelos distribuidores e comercializadores de energia elétrica e de gás. Estes padrões referem-se, nomeadamente, ao atendimento telefónico para comunicação de avarias, à resposta a situações de emergência, à frequência de leitura dos equipamentos de medição e à avaliação de desempenho na prestação de serviços conexos com a rede.
Através da Diretiva 21/2024, a ERSE vem rever os padrões de qualidade de serviço respeitantes à avaliação do desempenho nos serviços prestados remotamente, na disponibilização de dados reais para faturação do acesso às redes e na correção de valores de anomalias de medição e leitura nos setores elétrico e do gás, nos seguintes termos:
- Avaliação do desempenho nos serviços prestados remotamente: 98%;
- Avaliação do desempenho na disponibilização de dados reais para faturação do acesso às redes: 92%;
- Avaliação do desempenho na correção de valores de anomalias de medição e leitura (setor elétrico): 65%;
- Avaliação do desempenho na correção de valores de anomalias de medição e leitura (setor do gás): 98%
A Diretiva entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2025.
8. Imobiliário
ESTABELECIMENTO DO SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÃO CADASTRAL E A CARTA CADASTRAL NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Decreto Legislativo Regional n.º 15/2024/M, de 11 de dezembro (DR 240, Série I, de 11 de dezembro de 2024)
O Decreto Legislativo Regional em referência, que entrou em vigor no dia 12 de dezembro de 2024, adapta à Região Autónoma da Madeira o Decreto-Lei n.º 72/2023, de 23 de agosto, que aprova o regime jurídico do cadastro predial e estabelece o Sistema Nacional de Informação Cadastral e a carta cadastral, e procede à quarta alteração ao Decreto legislativo Regional n.º 37/2007/M, de 18 de agosto, que adapta à Região Autónoma da Madeira o Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação.
O regime jurídico do cadastro predial instituiu um conjunto de alterações relevantes ao sistema predial, concordantes com o objetivo de incremento da cobertura cadastral e com o aperfeiçoamento da caracterização da realidade predial nacional e regional. Surgiu no âmbito do conhecimento dos limites e da titularidade da propriedade, o que se afigura imprescindível às atividades de planeamento e gestão do território e à implementação das políticas públicas em múltiplos domínios de atuação.
A segurança jurídica dos atos e negócios que regulam a propriedade exige uma articulação ágil e eficaz entre a informação registal, matricial e cadastral, relativa aos prédios e à identificação dos seus titulares, mas, simultaneamente, a sua disponibilização aos cidadãos e entidades, em observância dos princípios consagrados, designadamente, no artigo 4.º da Lei n.º 65/2019, de 23 de agosto, e nos artigos 5.º e 14.º do Código do Procedimento Administrativo.
Nestes termos, o estabelecimento do Sistema Nacional de Informação Cadastral na Região Autónoma da Madeira promove a execução e conservação do cadastro predial regional, a referência e identificação dos prédios rústicos e urbanos existentes no território regional, a fiscalização da atuação das entidades licenciadas e a organização e manutenção do arquivo e da base de dados regionais de informação georreferenciada.
O presente diploma procede à necessária adaptação geral de atribuições e competências, em função da estrutura própria da administração regional autónoma e, na medida do estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 13/2003, de 28 de janeiro, institui o serviço do Governo Regional com competência em matéria de cadastro como a Autoridade Regional de Cadastro Predial, responsável pela gestão do Sistema Regional de Informação Cadastral (SRIC) e da carta cadastral da RAM, que se articulam com o Sistema Nacional de Informação Cadastral (SNIC), assegurada através do Balcão Único do Prédio (BUPi), enquanto plataforma que comunica com todas as bases de dados e aplicações que contêm informações prediais.
ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL
Decreto-Lei n.º 117/2024, de 30 de dezembro (DR 252, Série I, de 30 de dezembro de 2024)
O Decreto-Lei em referência, que entrará em vigor no dia 30 de janeiro de 2025, procede à alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
O Governo prevê no seu programa “orientar o planeamento do uso do solo para dar satisfação às prementes necessidades de habitação bem como às atividades económicas, com respeito pela salvaguarda dos recursos naturais". Foi, então, aprovado o plano “Construir Portugal", que visa a promoção de construção de habitação pública e acessível, a custos controlados e a criação de soluções de venda a preços compatíveis com a capacidade financeira das famílias.
De um modo geral, o presente Decreto-Lei permite, a título excecional, a criação de áreas de construção em solos compatíveis com a área urbana já existente, numa lógica de consolidação e coerência, continuando a vigorar a proibição de construção em unidades de terra com aptidão elevada para o uso agrícola, nos termos da Reserva Agrícola Nacional.
Passando, então, a elencar as principais alterações introduzidas:
- Eliminou-se a referência a uma reclassificação de solo rústico para urbano, e passou a prever-se apenas uma reclassificação para solo urbano, nos termos do artigo 72.º do presente Decreto-Lei. Esta alteração permite a criação de áreas de construção em solos compatíveis com área urbana já existente, e não apenas rústica, gerando uma maior amplitude de áreas de atuação.
- No que respeita à representação na comissão consultiva, nos termos do artigo 84.º do Decreto-Lei, passou a ser permitida a emissão de pareceres escritos ou outras formas de pronúncia, que anteriormente eram proibidos.
- Por último, destacamos as alterações a nível de procedimento, nos termos do artigo 119.º do Decreto-Lei. No regime anterior, quando se pretendia realizar uma alteração da classificação ou da qualificação dos solos, seguia-se o procedimento de reclassificação dos solos previsto nos artigos 72.º-A e 72.º-B. No novo regime, aplica-se o procedimento previsto no artigo 123.º, que corresponde a uma alteração simplificada e menos exigente.
Com isto, este regime especial de reclassificação para solo urbano, limitando aos casos em que a finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares, assegura que pelo menos 700/1000 da área total de construção acima do solo se destina a habitação pública ou habitação de valor moderado (Artigo 72.º - B n.º 1 b) do Decreto -Lei).
A presente alteração legislativa pretende contribuir, desta forma, para uma melhoria das condições de vida e para um desenvolvimento habitacional mais justo e acessível.
^ índice
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[1] Acórdão do TJUE, Post Danmark A/S contra Konkurrencerådet, processo n.º C-23/14, de 6 de outubro de 2015.
[2] Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira — (ZFM) — Regime III.