Novidades jurídicas em diversas áreas de prática do Direito Português

28 novembro 2024


1. Concorrência

  • TG - Acordo de não concorrência - Concorrência potencial (Pharol/Telefónica)
  • TJUE - Cartel italiano de varões para betão - Princípio da igualdade de tratamento em relação a circunstâncias atenuantes
  • TJUE - Critério de apreciação de operações de concentração (ThyssenKrupp/Tata Steel Europe)
  • TCRS - Controlo de concentrações - Legitimidade para recorrer de uma decisão de não oposição da AdC (Teak Capital*Tangor/VOV)
  • TC - Decisão sobre o limite máximo da coima por infrações de concorrência em 10% do volume de negócios

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2. Direito Digital

  • TJUE – Interesse legítimo no tratamento de dados pessoais – Comunicação de dados para fins de prospeção comercial
  • TJUE – Objeto de artes aplicadas cujo país de origem não é um Estado-Membro
  • Obrigações aplicáveis a subcontratantes e a subcontratantes ulteriores
  • Escopo de aplicação técnica do artigo 5.º, n.º 3 da Diretiva de Privacidade nas Comunicações Eletrónicas
  • Cibersegurança – Regulamento de Execução da Diretiva NIS2

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3. Financeiro

  • Cobrança de encargos em operações em caixa multibanco
  • Prazo de prescrição das rendas do locatário num contrato de locação financeira

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4. Fiscal

  • IRS - Redução das taxas de IRS aplicáveis a contribuintes residentes na Região Autónoma da Madeira
  • IRC - Efeitos retroativos do agravamento das taxas de tributação autónoma de viaturas - Inconstitucionalidade com força obrigatória geral
  • IRS - Mais-valias imobiliárias na venda de prédios adquiridos antes de 1989 - Regime transitório - Uniformização de jurisprudência
  • IRC - Resolução de contrato de locação financeira - Transmissão de prédios por valor inferior ao valor patrimonial tributário - Uniformização de jurisprudência
  • Imposto do Selo - Contrato de cash pooling - Princípio da territorialidade
  • IRC - Preços de transferência - Ónus da prova da AT
  • Regime transitório de residentes fiscais não habituais - Membros do agregado familiar - Data da transferência da residência fiscal para Portugal
  • Imposto do Selo - Escritura de justificação notarial para trato sucessivo sem invocação de usucapião
  • IMT e Imposto do Selo Jovem - Direito de propriedade sobre imóvel não licenciado, em condições muito deficientes de habitabilidade, ou de imóvel habitacional em estado de ruína

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5. Público

  • Remuneração do comercializador de último recurso grossista no sistema de compra centralizada de biometano e hidrogénio;
  • Regulamentação do mercado voluntário de carbono

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6. Imobiliário

  • Alterações ao regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local
  • STJ - Oposição à renovação no contrato de arrendamento para fins não habitacionais

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1. Concorrência

TG CONFIRMA A COIMA DE 12 MILHÕES DE EUROS CONTRA A PHAROL PELA ALEGADA CELEBRAÇÃO DE UM ACORDO DE NÃO CONCORRÊNCIA COM A TELEFÓNICA

Acórdão de 2 de outubro de 2024 (Processo n.º T-181/22) - TG

Em 2 de outubro de 2024, o TG negou provimento ao recurso contra a decisão da CE que voltou a aplicar coimas às empresas de telecomunicações Pharol (antiga Portugal Telecom) e Telefónica por alegadamente terem acordado não concorrer entre si nos mercados ibéricos de telecomunicações, em violação do artigo 101.º do TFUE, que proíbe acordos anticoncorrenciais entre empresas.

Em 2013, a CE tinha aplicado coimas de 12,3 milhões de euros e 66,9 milhões de euros à Portugal Telecom e à Telefónica, respetivamente, por alegadamente terem celebrado um acordo para não concorrerem nos respetivos mercados nacionais, nomeadamente Portugal e Espanha, durante um período de 15 meses (cfr. Novidades Jurídicas em Diversas Áreas de Prática do Direito Português de novembro-dezembro de 2012 e janeiro de 2013). Em sede de recurso, em junho de 2016, o TG confirmou a existência de uma infração e a responsabilidade de ambas as empresas, mas anulou o montante das coimas fixadas pela CE. No entender do Tribunal, a CE tinha cometido erros no cálculo da coima, tendo ainda considerado que deveria ter sido examinado o argumento das partes no sentido de excluir as vendas em mercados onde estas não eram concorrentes potenciais (cfr. Novidades Jurídicas em Diversas Áreas de Prática do Direito Português de junho de 2016).

Neste contexto, em 2022, a CE readotou a decisão com coimas recalculadas, excluindo do valor das vendas os mercados em que existiam “barreiras intransponíveis à entrada", ou seja, em que a concorrência potencial não era possível[1] (cfr. Crónica Legislativa e Jurisprudencial - Maio de 2022).

A Pharol recorreu da decisão, em particular alegando que:

  1. a reinterpretação da definição do acordo de não concorrência pela CE exigia a emissão de uma nova nota de ilicitude (acusação). Em 2013, a CE tinha determinado que a cláusula em causa impedia a “entrada efetiva no mercado", ao passo que, na decisão de 2022, a CE considerou que a cláusula impedia de “efetuar diligências preparatórias de entrada no mercado". Segundo a recorrente, a CE deveria ter emitido uma nova nota de ilicitude para refletir esta alteração de definição. O TG discordou, considerando que os pressupostos de apreciação não tinham sido alterados. Em especial, o TG interpretou que o conceito de “entrada efetiva" inclui implicitamente as etapas preparatórias, uma vez que (i) a curta duração do acordo impediria a entrada efetiva no mercado, abrangendo assim necessariamente as etapas preparatórias, e (ii) a redação inglesa da cláusula que refere “each party shall refrain from engaging or investing [...] in any project" apoiava esta interpretação.
  2. a CE deveria ter avaliado se existiam “possibilidades reais e concretas" de as partes entrarem no mercado, em vez de examinar apenas as “barreiras intransponíveis à entrada" ao avaliar a concorrência potencial para calcular as coimas. O TG argumentou que, uma vez que a CE não é obrigada a avaliar as possibilidades reais e concretas de entrada no mercado ao determinar a concorrência potencial, de molde a estabelecer uma infração ao artigo 101.º do TFUE no caso de acordos de partilha de mercado, não se pode esperar que o faça para o cálculo das coimas.

Nesta base, o Tribunal Geral negou provimento aos recursos na sua totalidade e manteve as coimas aplicadas. Esta decisão ainda é passível de recurso junto do TJUE. 

TJUE REDUZ COIMA NO ALEGADO CARTEL ITALIANO DE VARÕES PARA BETÃO CONSIDERANDO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATAMENTO EM RELAÇÃO A CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES

Acórdão de 4 de outubro de 2024 (Processos apensos C-29/23 P, C- 30/23 e C-31/23 P) - TJUE

Em 4 de outubro de 2024, o TJUE confirmou, com uma redução residual, as coimas inicialmente aplicadas pela CE a cinco produtores de varões para betão (Ferriere Nord, Alfa Acciai, Feralpi, Riva/Partecipazioni Industriali, Valsabbia) por terem, alegadamente, participado num cartel no mercado italiano dos varões para betão.

Este processo tem origem numa decisão da CE, que, em dezembro de 2002, aplicou a oito empresas siderúrgicas italianas e a uma associação de empresas[2] uma coima total de cerca de 85 milhões de euros por alegados acordos de fixação de preços entre 1989 e 2000 no mercado italiano dos varões para betão. A CE baseou a sua decisão no Tratado CECA, que tinha caducado cinco meses antes, em julho de 2002. Dado que a CE já não tinha competência para atuar com base neste Tratado, o Tribunal de Primeira Instância anulou esta decisão inicial, em 2007.

Subsequentemente, em 2009, a CE adotou uma nova decisão, dirigida às mesmas empresas e reproduzindo, no essencial, o conteúdo e as conclusões desta última. Em 2014, esta decisão foi confirmada pelo TG, mas anulada, em 2017, pelo TJUE no que se refere às cinco empresas supramencionadas, devido a irregularidades no procedimento administrativo que conduziu à sua adoção.

Assim, em 2019, a CE voltou a adotar uma decisão relativamente a essas cinco empresas, mas reduziu as coimas em 50% devido à morosidade do processo. Três das empresas recorreram, sem sucesso, para o TG.

Após novo recurso, o TJUE confirmou o acórdão do TG, a decisão sobra a existência de uma infração, bem como as coimas aplicadas à Valsabbia e à Alfa Acciai.  No entanto, reduziu a coima aplicada à Ferriere Nord de 2.237.000 euros para 2.165.000 euros, considerando que a CE violou o princípio da igualdade de tratamento ao conceder à Ferriere Nord uma redução inferior à concedida à Riva/Partecipazioni Industriali por uma não participação temporária na mesma parte do cartel.  

TJUE PRONUNCIA-SE SOBRE O CRITÉRIO DE APRECIAÇÃO DE OPERAÇÕES DE CONCENTRAÇÃO NO QUADRO DA PROIBIÇÃO DA JV ENTRE A THYSSENKRUPP E A TATA STEEL

Acórdão de 4 de outubro de 2024 (Processo n.º C-581/22 P) - TJUE

Em 4 de outubro de 2024, o TJUE confirmou a decisão da CE de proibir a proposta de criação de uma joint venture entre a ThyssenKrupp e a Tata Steel Europe.

Em 2018, a ThyssenKrupp e a Tata Steel, dois dos maiores produtores de aço-carbono no EEE, notificaram à CE a sua intenção de criar uma joint venture que combinaria as suas operações siderúrgicas na Europa. No entanto, a CE manifestou preocupações quanto aos potenciais efeitos anticoncorrenciais desta operação, em especial nos mercados do aço galvanizado por imersão a quente para automóveis e do aço para embalagens.

Neste sentido, a CE proibiu esta operação, em 11 de junho de 2019. A decisão baseou-se na conclusão de que a concentração resultaria num entrave significativo à concorrência efetiva ao eliminar uma importante pressão concorrencial nos mercados relevantes, ao criar uma posição dominante. Embora as partes tenham proposto o desinvestimento de fábricas de aço para automóveis e para embalagens em Espanha, na Bélgica e no Reino Unido, a fim de dar resposta a estas preocupações, a CE considerou as soluções propostas insuficientes.

A Thyssenkrupp impugnou a decisão junto do TG, em 2022, que negou provimento ao recurso e confirmou na íntegra a decisão da CE. A Thyssenkrupp ainda recorreu desta decisão junto do TJUE, sustentando que a operação não reduziria substancialmente a concorrência, mas, pelo contrário, reforçaria a sustentabilidade de ambas as empresas, bem como do mercado do aço na Europa no seu conjunto. A Thyssenkrupp salientou a existência de importantes desafios enfrentados pela indústria siderúrgica, incluindo o aumento acentuado dos custos das matérias-primas e a regulamentação ambiental rigorosa, que, segundo a empresa, não foram devidamente tidos em conta na avaliação da CE.

Apesar destas alegações, em 4 de outubro de 2024, o TJUE confirmou a decisão da CE. O TJUE reiterou, em linha com a sua jurisprudência anterior, que a CE apenas tem de demonstrar que é “mais provável do que improvável" que a operação resulte num entrave significativo à concorrência efetiva, não tendo de demonstrar uma “probabilidade séria". O TJUE também esclareceu que o conceito de força concorrencial importante não se refere exclusivamente a empresas que concorrem de forma particularmente agressiva em termos de preços e que obrigam os seus concorrentes a irem ao encontro dos seus preços, ou que têm um impacto significativo na dinâmica concorrencial do mercado, mas pode referir-se a empresas que podem simplesmente exercer uma influência relevante no processo concorrencial.

Este acórdão, de forma geral, reforça a posição firme da UE em matéria de operações de concentração, em especial em indústrias críticas para a estabilidade económica da região, e que a dinâmica do mercado supera as dificuldades das empresas que enfrentam pressões económicas.

TCRS PRONUNCIA-SE SOBRE A LEGITIMIDADE PARA RECORRER DE UMA DECISÃO DE NÃO OPOSIÇÃO DA ADC

Sentença de 14 de outubro de 2024 (Processo n.º 7/24.2YQSTR) - TCRS

Em 6 de dezembro de 2023, a AdC emitiu uma decisão de não oposição relativa à aquisição do controlo conjunto da sociedade NIH VI VOV Holdings S.à.r.l. (“VOV"), pela Teak Capital, B.V. (“Teak") e pela Tangor Capital, S.A. (“Tangor").

Nesta sequência, as adquirentes, Teak e Tangor, recorreram para o TCRS e pediram que a decisão da AdC fosse anulada e que esta autoridade fosse condenada a reconhecer que a operação de concentração em causa não estava sujeita à obrigação de notificação prévia, uma vez que consideravam que não preenchiam os limiares de notificabilidade, por a VOV não ter qualquer atividade em Portugal - tendo sido notificada apenas à cautela, para obter confirmação de tal inaplicabilidade.

Em sede de contestação, a AdC considerou que as partes, Teak e Tangor, careciam de legitimidade processual e teriam falta de interesse em agir, uma vez que a decisão emitida foi de não oposição, pelo que não é prejudicial para as partes.

As partes alegaram que, apesar de não estarem impedidas de realizar a transação pretendida, teriam interesse na decisão de inaplicabilidade, considerando (i) os custos da notificação, (ii) as obrigações de notificação e de standstill quanto a eventuais operações que possam realizar no futuro, que não se impunham caso houvesse uma decisão de inaplicabilidade, e que se traduzem em desvantagens competitivas em contexto transacional, (iii) as contingências patrimoniais resultantes da decisão, nomeadamente os constrangimentos na imediata capacidade de interferir nos negócios da empresa-alvo e (iv) evitar a manutenção do ordenamento jurídico de uma decisão que não tem adesão na realidade.

Contudo, o TCRS considerou que estava em falta a legitimidade processual ativa das partes e um interesse concreto e juridicamente tutelável em agir, em virtude de a anulação da Decisão da AdC não conferir às partes qualquer vantagem real, efetiva e imediata, exceto a de poder testar a sua tese jurídica. Ademais, segundo o TCRS, as partes tinham a possibilidade de optar pelo mecanismo de avaliação prévia da AdC, que é precisamente um mecanismo de prevenção e agilização na implementação da operação de concentração, sendo que decidiram não recorrer a este mecanismo e optaram por notificar a operação de concentração (à cautela).

Neste sentido, o TCRS considerou que (i) tanto a decisão de não oposição, como a de inaplicabilidade implicam a notificação da AdC e o pagamento da respetiva taxa, ademais, as partes não pugnaram pela devolução da taxa liquidada, pelo que os custos não eram realmente afetados pelo tipo de decisão, (ii) salientou que não vigora o princípio do precedente dos sistemas de common law, pelo que a decisão da AdC não abre um precedente que no futuro prejudique as partes, (iii) os prejuízos devem ser avaliados no momento em que a ação dá entrada no tribunal e que as contingências referidas já não refletiam desvantagens, e (iv) que a lei não reconhece um direito subjetivo público concreto e individualizado que tenha como objeto a mera correção da atuação administrativa. 

TC JULGA NÃO INCONSTITUCIONAL NORMA QUE ESTABELECE O LIMITE MÁXIMO DA COIMA POR INFRAÇÕES DE CONCORRÊNCIA EM 10% DO VOLUME DE NEGÓCIOS DA EMPRESA VISADA

Acórdão n.º 661/2024 de 2 de outubro de 2024 (Processo n.º 391/224) - TC

Em 4 de maio de 2017, a AdC adotou uma decisão na qual sancionou a EDP - Energias de Portugal, S.A. (“EDP Energias"), a EDP Comercial - Comercialização de Energia, S.A. (“EDP Comercial"), a Sonae Investimentos, SGPS, S. A. (“Sonae Investimentos"), a Modelo Continente Hipermercados, S.A. (“Modelo Continente") e a MCRetail, SGPS, S.A. (“Sonae MC").

Nos termos deste acordo, a EDP e a Sonae teriam, no entender da AdC, concedido descontos aos seus clientes comuns e ter-se-iam comprometido a não entrar nos respetivos mercados (i.e., o mercado da comercialização de energia elétrica e de gás natural e o mercado da distribuição retalhista de bens alimentares) ou a celebrar acordos de desconto semelhantes com entidades concorrentes nas referidas atividades. As empresas foram sancionadas com coimas que perfizeram o total de 38,3 milhões de euros[3].

Face a esta decisão, as empresas sancionadas interpuseram recurso para o TCRS. Em 30 de setembro de 2020, o TCRS confirmou a infração sancionada pela AdC, mas reduziu o valor de cada uma das coimas em 10%, por o acordo em causa ter proporcionado descontos significantes em bens essenciais, num contexto económico particularmente difícil.

Nesta sequência, tanto a AdC, como as empresas sancionadas, interpuseram recurso para o TRL. A pedido da EDP Comercial e da Modelo Continente, o TRL solicitou, através do mecanismo do reenvio prejudicial, orientações ao TJUE quanto à apreciação de determinadas questões de Direito da UE - que se pronunciou em 26 de outubro de 2023 (cfr. Novidades Jurídicas em Diversas Áreas de Prática do Direito Português de dezembro de 2023).

Por conseguinte, o processo retomou o seu curso no TRL e este emitiu, em 19 de fevereiro de 2024, o acórdão, pelo qual considerou os recursos interpostos improcedentes e confirmou integralmente a sentença do TCRS (cfr. Novidades Jurídicas em Diversas Áreas de Prática do Direito Português de março de 2024).

Nesta sequência, as empresas sancionadas interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, arguindo a inconstitucionalidade do artigo 69.º, n.° 2 da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (“Lei da Concorrência"), que fixa como limite máximo da coima aplicável pela prática de infrações de Direito da Concorrência o montante de 10% do volume de negócios no exercício anterior à condenação.

Na tese das recorrentes, a referida norma da Lei da Concorrência, ao estabelecer um limite máximo em percentagem, e não um valor absoluto, violaria os princípios constitucionais de Estado de Direito, da legalidade, da proibição de sanções ilimitadas, da separação de poderes, da proporcionalidade, da igualdade e da culpa.

Contudo, o TC não acolheu os argumentos das recorrentes, considerando que o caráter relativo do limite máximo da coima é justificado pelas especificidades do Direito da Concorrência e pelas finalidades da sanção. Em particular, o TC considerou que:

  1. Não há violação do Estado de Direito, do princípio da legalidade nem da proibição de sanções ilimitadas, uma vez que a norma estabelece limites que balizam o valor da coima e prevê a articulação da determinação do montante com os contornos concretos da infração;
  2. Não há violação do princípio da separação de poderes, uma vez que foi o legislador que definiu o limite máximo e a sua referência temporal, não cabendo, por isso, à autoridade administrativa, nem ao juiz, o papel do legislador de definição abstrata da coima;
  3. Ainda que se afaste em alguma medida a certeza jurídica, tal é justificado e proporcional pelas exigências de determinabilidade da previsão legal sancionatória e cumpre os requisitos das sanções eficazes, dissuasivas e proporcionais, pelo que não há nenhuma violação do princípio da proporcionalidade;
  4. Quanto ao princípio da igualdade, o TC esclareceu que este princípio não proíbe que a lei estabeleça distinções de tratamento, proíbe sim que as diferenciações de tratamento sejam arbitrárias e careçam de fundamento. Contudo, a norma em questão prevê critérios iguais para todos os possíveis destinatários e não viola o princípio da igualdade por isso.
  5. Quanto ao princípio da culpa, a norma em causa não dispensa a ponderação do grau de culpa, aliás, esta ponderação é necessária para a determinação concreta entre o limite mínimo e o limite máximo da coima aplicável, pelo que não se pode considerar o princípio da culpa violado.

Neste sentido, o TC julgou improcedentes todos os argumentos dos recorrentes e que o artigo 69.º, n.° 2 da Lei da Concorrência, que fixa como limite máximo da coima aplicável pela prática de contraordenações de Direito da Concorrência o montante de 10% do volume de negócios no exercício anterior à condenação, não viola a Constituição da República Portuguesa.

 ^ índice

2. Direito Digital

INTERESSE LEGÍTIMO NO TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS – COMUNICAÇÃO DE DADOS PARA FINS DE PROSPEÇÃO COMERCIAL

Acórdão de 4 de outubro de 2024 (processo C-621/22) - TJUE

O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE"), de 4 de outubro 2024, foi proferido no seguimento de um pedido de decisão prejudicial que teve por objeto a interpretação do artigo 6.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (“RGPD" ou “Regulamento") e foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Koninklijke Nederlandse Lawn Tennisbond (Real Associação de Ténis dos Países Baixos) (“KNLTB") à Autoriteit Persoonsgegevens (Autoridade para a Proteção de Dados, Países Baixos) (“AP") a respeito da decisão de esta última aplicar uma coima à KNLTB por violação das regras do RGPD.

Para efeitos de enquadramento, a KNLTB é uma federação desportiva constituída sob a forma de associação. Os seus membros são as associações de ténis que nela estão filiadas e os seus respetivos membros. Quando uma pessoa se torna membro de uma associação de ténis filiada na KNLTB, torna-se também, automaticamente, membro desta. A KNLTB coopera com patrocinadores para promover a difusão e a visibilidade do ténis, bem como a filiação dos seus membros. Em 2018, a KNLTB comunicou dados pessoais dos seus membros (nomes, domicílios, endereços postais, datas de nascimento, os números de telefone fixos, os números de telemóvel e os endereços eletrónicos destes, bem como os nomes dos clubes de ténis em que esses membros estavam inscritos) a dois dos seus patrocinadores, a SportshopsDirect BV, uma sociedade que vende produtos desportivos, e a Nederlandse Loterij Organisatie BV, o maior fornecedor de jogos de fortuna ou azar e de jogos de casino nos Países Baixos, para que estes efetuassem ações de marketing postal e telefónico. A KNLTB recebeu uma remuneração dos seus patrocinadores por lhes ter comunicado os dados pessoais em questão.

Na sequência de queixas apresentadas por alguns membros da KNLTB, a AP considerou que esta tinha violado o artigo 6.º , n.º 1, primeiro parágrafo, alíneas a) e f), do RGPD, conjugado com o artigo 5.º , n.º 1, alínea a), deste Regulamento, pelo facto de ter comunicado os dados pessoais dos seus membros, sem o seu consentimento e sem fundamento legítimo para comunicar os seus dados, aplicando-lhe uma coima. A KNLTB recorreu desta decisão e o Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, que é o órgão jurisdicional de reenvio, decidiu suspender a instância e colocar um conjunto de questões ao TJUE relacionadas com a forma de interpretação da expressão “interesse legítimo" (na aceção do artigo 6.º, n.º 1, primeiro parágrafo, alínea f), do RGPD), nomeadamente a questão de saber se um interesse puramente comercial, que consiste na venda de dados pessoais dos membros de uma associação de ténis, sem o consentimento destes e mediante pagamento, a patrocinadores para fins de comercialização direta, pode ser considerado um interesse legítimo.

O TJUE entendeu, em resposta, que um tratamento de dados pessoais é lícito se for necessário para efeitos dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, quando se encontram reunidos três requisitos cumulativos, a saber: (i) a prossecução de interesses legítimos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros; (ii) a necessidade do tratamento dos dados pessoais para a realização do interesse legítimo prosseguido; e (iii) o requisito de os interesses ou direitos e liberdades fundamentais da pessoa a que a proteção de dados diz respeito não prevalecerem sobre o interesse legítimo do responsável pelo tratamento ou de um terceiro.

Em relação ao primeiro requisito, e na medida em que o mesmo não está expressamente definido pelo RGPD, é possível considerar um amplo leque de interesses como sendo, em princípio, suscetível de ser considerado legítimo, incluindo, de acordo com o disposto no Considerando (47) do RGPD os interesses de “comercialização direta". No que se refere ao segundo requisito, considera o TJUE que o órgão jurisdicional de reenvio deve ser capaz de verificar se o interesse legítimo do tratamento dos dados prosseguido não pode ser razoavelmente alcançado de modo igualmente eficaz através de outros meios menos lesivos das liberdades e dos direitos fundamentais dos titulares dos dados, especialmente dos direitos ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais conforme previstos nos textos fundamentais que enformam a União Europeia. Neste contexto, cabe também recordar que o requisito relativo à necessidade do tratamento deve ser examinado conjuntamente com o denominado princípio da “minimização dos dados" (artigo 5.º , n.º 1, alínea c), do RGPD), segundo o qual os dados pessoais devem ser “adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados". Por último, em relação ao terceiro requisito conclui o TJUE que este implica uma ponderação dos direitos e dos interesses opostos em causa que depende, em princípio, das circunstâncias concretas do caso específico e que, por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar essa ponderação tendo em conta essas circunstâncias específicas.

No caso em apreço, no respeitante, em primeiro lugar, à condição relativa à prossecução de um interesse legítimo pelo responsável pelo tratamento ou por um terceiro, o TJUE não exclui que um interesse comercial do responsável pelo tratamento, que consista na promoção e na venda de espaços publicitários para efeitos de marketing, possa ser considerado um interesse legítimo, sendo que compete sempre ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, de forma casuística, a existência desse interesse atendendo ao quadro jurídico aplicável e a todas as circunstâncias do caso concreto. Em segundo lugar, quanto à condição relativa à necessidade desse tratamento para a prossecução desse interesse e, nomeadamente, à existência de meios menos atentatórios das liberdades e dos direitos fundamentais dos titulares dos dados e igualmente adequados, há que observar que é nomeadamente possível que uma federação desportiva, como a KNLTB, que pretenda comunicar a título oneroso os dados pessoais dos seus membros a terceiros, informe previamente os seus membros e lhes pergunte se pretendem que os seus dados sejam transmitidos a esses terceiros para fins publicitários ou de marketing, considerando-se esta medida como uma menor ingerência no direito à proteção da confidencialidade dos dados pessoais do respetivo titular, permitindo simultaneamente ao responsável pelo tratamento prosseguir, de maneira igualmente eficaz, o interesse legítimo que ele invoca, o que cabe, sempre e todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Em terceiro lugar, no que respeita à ponderação dos interesses que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, aquele órgão jurisdicional deve ter em conta, nomeadamente, as expectativas razoáveis do titular dos dados, bem como o alcance do tratamento em causa e o impacto deste sobre essa pessoa. Neste contexto, é particularmente relevante verificar se os direitos dos membros das associações de ténis à vida privada relativamente ao tratamento dos seus dados pessoais, podem prevalecer sobre o interesse comercial de uma federação nacional de ténis, sendo que, para o efeito, há que atribuir especial importância à questão de saber se esses membros podiam razoavelmente esperar, no momento da recolha dos seus dados pessoais para se tornarem membros de uma associação de ténis, que estes fossem divulgados a título oneroso a terceiros, neste caso, a patrocinadores da KNLTB, para fins de publicidade e de marketing (especialmente para efeitos mais perniciosos de comercialização de jogos de fortuna e azar e de jogos de casino).

Tendo em conta todo o exposto, conclui o TJUE que o artigo 6.º, n.º 1, primeiro parágrafo, alínea f) do RGPD deve ser interpretado no sentido de que um tratamento de dados pessoais que consista na comunicação a título oneroso de dados pessoais dos membros de uma federação desportiva, para satisfazer um interesse comercial do responsável pelo tratamento, só pode ser considerado necessário para efeitos dos interesses legítimos prosseguidos por esse responsável, na aceção desta disposição, se esse tratamento for estritamente necessário à realização do interesse legítimo em causa e se, à luz de todas as circunstâncias pertinentes, os interesses ou as liberdades e os direitos fundamentais desses membros não prevalecerem sobre esse interesse legítimo. Embora não exija que esse interesse seja determinado por lei, a referida disposição exige que o interesse legítimo alegado seja lícito.  

OBJETO DE ARTES APLICADAS CUJO PAÍS DE ORIGEM NÃO É UM ESTADO-MEMBRO

Acórdão de 24 de outubro de 2024 (processo C-227/23) - TJUE

O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE"), de 24 de outubro de 2024, foi proferido no seguimento de um pedido de decisão prejudicial que teve por objeto a interpretação dos artigos 2.º a 4.º da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (“Diretiva 2001/29"), do artigo 17.º, n.º 2, e do artigo 52.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a “Carta"), lidos à luz do artigo 2.º, n.º 7, da Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (a “Convenção de Berna"), e do artigo 351.º, primeiro parágrafo, do Tribunal de Funcionamento da União Europeia (“TFUE").

Para efeitos de enquadramento, este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vitra Collections AG (“Vitra"), uma sociedade de direito suíço, à Kwantum Nederland BV e à Kwantum België BV (conjuntamente, “Kwantum"), que exploram, nos Países Baixos e na Bélgica, uma cadeia de lojas de artigos de decoração de interiores, entre os quais mobiliário, pelo facto de estas últimas terem comercializado uma cadeira que, segundo a Vitra, violava direitos de autor de que esta era titular.

A cadeira em questão, a Dining Sidechair Wood, foi concebida pelo casal Charles e Ray Eames no âmbito de um concurso de conceção de mobiliário organizado pelo Museum of Modern Art de Nova Iorque, no decurso de 1948 e exposta neste museu a partir de 1950 (a “Cadeira DSW"). No ano de 2014, a Vitra constatou que a Kwantum comercializava uma cadeira, denominada “Cadeira Paris", em violação, segundo a Vitra, dos seus direitos de autor sobre a cadeira DSW. Chamado a pronunciar-se em sede de recurso, o Supremo Tribunal dos Países Baixos, decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE algumas questões prejudiciais.

A primeira consistiu em saber se a situação em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação material do direito da União Europeia (“UE"). O TJUE esclareceu que (i) a Diretiva 2001/29 tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno; (ii) o âmbito de aplicação da referida diretiva é definido não segundo o critério da origem da obra ou da nacionalidade do seu autor, mas por referência ao mercado interno; (iii) esse âmbito de aplicação é constituído pelos territórios dos Estados-Membros; (iv) quando um objeto de artes aplicadas é “original", no sentido de constituir uma criação intelectual do próprio autor, constituindo, assim, uma “obra", deve, nessa qualidade, beneficiar da proteção conferida pelo direito de autor, em conformidade com esta diretiva. Concluiu, assim, que uma situação em que uma sociedade reivindica a proteção pelo direito de autor de um objeto de artes aplicadas comercializado num Estado-Membro está, desde que esse objeto possa ser qualificado de “obra", na aceção da Diretiva 2001/29, abrangida pelo âmbito de aplicação material do direito da UE.

Em segundo lugar, pretendeu o Supremo Tribunal dos Países Baixos esclarecer se o artigo 2.º, alínea a), e o artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva 2001/29, lidos em conjugação com o artigo 17.º, n.º 2, e o artigo 52.º, n.º 1, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que os Estados-Membros apliquem o critério da reciprocidade material previsto no artigo 2.º, n.º 7, segundo período, da Convenção de Berna, relativamente a uma obra de artes aplicadas cujo país de origem seja um país terceiro e cujo autor seja nacional de um país terceiro. A este respeito, o TJUE explicou que o direito da UE, em especial a Diretiva 2001/29, lida à luz dos direitos fundamentais, se opõe a que os Estados-Membros apliquem o critério da reciprocidade material previsto na Convenção de Berna, que permite limitar a proteção pelo direito de autor de uma obra de artes aplicadas originária de um país terceiro em função da proteção concedida nesse país. O TJUE sublinhou que cabe apenas ao legislador da UE, e não aos legisladores nacionais, determinar se há que limitar a concessão, na UE, dos direitos de autor sobre uma obra de artes aplicadas, aplicando esse critério, e definir essa limitação de maneira clara e precisa.

Por último, o Supremo Tribunal dos Países Baixos perguntou se o artigo 351.º, primeiro parágrafo, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que permite a um Estado-Membro aplicar, em derrogação das disposições do direito da UE, o critério da reciprocidade material previsto no artigo 2.º, n.º 7, segundo período, da Convenção de Berna relativamente a uma obra cujo país de origem sejam os Estados Unidos da América. O TJUE clarificou que o artigo 351.º do TFUE, que salvaguarda os direitos e obrigações decorrentes de convenções internacionais anteriores à adesão de um Estado-Membro à UE, não permite a um Estado-Membro aplicar, em derrogação das disposições do direito da UE, o critério da reciprocidade material previsto na Convenção de Berna, relativamente a uma obra cujo país de origem sejam os Estados Unidos da América, uma vez que essa convenção não obriga o Estado-Membro a adotar tal medida, mas apenas lhe concede uma margem de apreciação.

O TJUE relembrou que, como resulta da sua jurisprudência, quando uma convenção internacional, que foi celebrada por um Estado-Membro antes da sua adesão à UE, lhe permite, como sucede no caso em apreço, tomar uma medida que se afigura contrária ao direito da UE, sem, todavia, a isso o obrigar, o Estado-Membro não deve adotar tal medida. 

OBRIGAÇÕES APLICÁVEIS A SUBCONTRATANTES E A SUBCONTRATANTES ULTERIORES

Opinião 22/2024 do Comité Europeu para a Proteção de Dados de 7 de outubro de 2024, sobre determinadas obrigações aplicáveis a subcontratantes e a subcontratantes ulteriores

O Comité Europeu para a Proteção de Dados (“CEPD") adotou, no dia 7 de outubro de 2024, a Opinião 22/2024 sobre as obrigações aplicáveis a subcontratantes e a subcontratantes ulteriores (a “Opinião"). Esta Opinião surge no contexto de um pedido de emissão de parecer por parte da Autoridade de Controlo da Dinamarca sobre questões de aplicação geral, nos termos do artigo 64.º, n.º 2, do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (o “RGPD") e visa contribuir para uma interpretação harmonizada, por parte das autoridades nacionais de controlo de todos os Estados-Membros, de certos aspetos do artigo 28.º do RGPD, em conjunto com o Capítulo V, quando aplicável.

Em particular, a Opinião aborda um conjunto de questões relacionadas com a interpretação de determinadas obrigações aplicáveis aos responsáveis pelo tratamento que recorrem a subcontratantes e a subcontratantes ulteriores, bem como a redação de acordos de subcontratação (entre responsáveis pelo tratamento e subcontratantes). As questões analisadas na Opinião abrangem ainda o tratamento de dados pessoais no Espaço Económico Europeu (“EEE"), bem como o tratamento decorrente de uma transferência internacional de dados para um país terceiro.

Desde logo, a Opinião refere que os responsáveis pelo tratamento devem ter sempre disponíveis informações sobre a identidade (ou seja, nome, endereço, pessoa de contacto) de todos os subcontratantes e subcontratantes ulteriores, independentemente do risco associado à atividade de tratamento levada a cabo por essas entidades. Para o efeito, os subcontratantes devem fornecer proactivamente ao responsável pelo tratamento todas estas informações e devem mantê-las sempre atualizadas. Além disso, o artigo 28.º, n.º 1 dispõe que o responsável pelo tratamento deve recorrer apenas a subcontratantes que apresentem “garantias suficientes" de execução de medidas técnicas e organizativas adequadas de uma forma que o tratamento satisfaça os requisitos do RGPD e assegure a defesa dos direitos do titular dos dados. Neste contexto, considera o CEPD, que a avaliação do cumprimento desta obrigação e do princípio da responsabilidade (artigo 24.º, n.º 1 do RGPD) pelas autoridades de controlo nacionais aplica-se a todos os tratamentos, independentemente do seu grau de risco, sendo certo que a extensão dessa verificação é variável justamente pelos riscos apresentados por cada um dos tratamentos concretamente avaliados. Mais especificamente, para os tratamentos que apresentem um risco elevado para os direitos e liberdades dos titulares dos dados, o responsável pelo tratamento deve aumentar o seu nível de verificação em termos de controlo das informações prestadas. A este respeito, o CEPD considera ainda que, nos termos do RGPD, o responsável pelo tratamento não tem o dever de solicitar sistematicamente os acordos de subcontratação ulterior (isto é, os acordos celebrados entre o subcontratante e o subcontratante ulterior nos termos do artigo 28.º, n.º 4 do RGPD) para verificar se as obrigações em matéria de proteção de dados foram transmitidas ao longo da cadeia de tratamento. O responsável pelo tratamento deve avaliar, de forma casuística, se é necessário pedir uma cópia desses contratos ou revê-los para poder demonstrar a sua conformidade com o RGPD.

A Opinião refere ainda que, embora o subcontratante inicial deva assegurar que indica subcontratantes ulteriores que apresentem as (mesmas) garantias suficientes, a decisão e a responsabilidade finais de contratar um determinado subcontratante ulterior específico continuam a ser do responsável pelo tratamento.

Além disso, quando as transferências de dados pessoais para fora do EEE têm lugar entre um subcontratante e um subcontratante ulterior, de acordo com as instruções do responsável pelo tratamento, este último continua sujeito aos deveres decorrentes do artigo 28.º, n.º 1 do RGPD acima descrito sobre “garantias suficientes", além das previstas no artigo 44.º do RGPD. Neste contexto, o subcontratante, na qualidade de exportador dos dados, deve preparar a documentação relevante, nomeadamente relativa ao fundamento da transferência utilizado, à avaliação do impacto da transferência e às eventuais medidas suplementares adequadas, sendo que o responsável pelo tratamento deve avaliar esta documentação e poder apresentá-la à autoridade de proteção de dados competente, se necessário. O âmbito e a natureza da obrigação do responsável pelo tratamento de dados de avaliar essa documentação podem depender do fundamento utilizado para a transferência e do facto de a transferência constituir uma transferência inicial ou subsequente.

Por último, a Opinião tece ainda algumas considerações sobre o texto a incluir nos acordos de subcontratação. Um dos elementos essenciais deste documento, de acordo com o artigo 28.º, n.º 3, alínea a) do RGPD) é o compromisso de o subcontratante tratar os dados pessoais apenas com base em instruções documentadas do responsável pelo tratamento, “a menos que o subcontratante seja obrigado a fazê-lo pelo direito da União ou do Estado-Membro a que está sujeito" (artigo 28.º, n.º 3, alínea a), do RGPD), recordando o princípio geral de que os contratos não podem prevalecer sobre a lei. Tendo em conta a liberdade contratual concedida às partes para adaptarem o acordo de subcontratação às circunstâncias específicas dos tratamentos em causa, dentro dos limites do artigo 28.º, n.º 3, do RGPD, o CEPD considera que incluir aquela referência (de forma literal ou em termos muito semelhantes) é altamente recomendada, porém não obrigatória. Em qualquer caso, esta referência não exonera o responsável pelo tratamento e o subcontratante do cumprimento das suas obrigações ao abrigo do RGPD, nomeadamente no que diz respeito às informações a fornecer ao responsável pelo tratamento e - se for caso disso - às condições das transferências internacionais dos dados pessoais tratados em nome do responsável pelo tratamento. 

ESCOPO DE APLICAÇÃO TÉCNICA DO ARTIGO 5(3) DA DIRETIVA DE PRIVACIDADE NAS COMUNICAÇÕES ELETRÓNICAS

Diretrizes 2/2023 do Comité Europeu para a Proteção de Dados de 7 de outubro de 2024, sobre o escopo de aplicação técnica do artigo 5.º, n.º 3 da Diretiva da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas

Foram aprovadas, no passado dia 7 de outubro de 2024, as Diretrizes 2/2023 (as “Diretrizes") sobre o escopo de aplicação técnica do artigo 5.º, n.º 3 da Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 julho sobre a Privacidade nas Comunicações eletrónicas (“DeP").

A redação do artigo 5.º, n.º 3 da DeP dispõe que “o armazenamento de informações ou a possibilidade de acesso a informações já armazenadas no equipamento terminal de um assinante ou utilizador só sejam permitidos se este tiver dado o seu consentimento prévio". Daqui resulta que o seu âmbito de aplicação material não se aplica exclusivamente a cookies, mas também a “tecnologias semelhantes". Apesar disso, não existe atualmente uma lista abrangente das operações técnicas abrangidas pelo artigo 5.º, n.º 3 da DeP.

O objetivo destas Diretrizes é o de aprofundar o parecer 9/2014 do Grupo de Trabalho do Artigo 29 sobre a aplicação da DeP à impressão digital de dispositivos (device fingerprinting) e clarificar o que está tecnicamente abrangido pela expressão “armazenar informações ou aceder a informações armazenadas no equipamento terminal de um assinante ou utilizador". Estas Diretrizes não abordam as circunstâncias em que uma operação de tratamento pode estar isenta da exigência de consentimento prevista na DeP, uma vez que tais circunstâncias devem ser analisadas de forma casuística, considerando a transposição que foi feita por cada um dos Estados-Membros e das orientações que entretanto foram sendo emitidas pelas autoridades de controlo nacionais.

O surgimento de novos métodos de rastreio dos utilizadores no mundo digital, tanto para substituir ferramentas de rastreio existentes (por exemplo, o caso das cookies que, devido à descontinuação do suporte a cookies de terceiros por alguns fornecedores de navegadores web, passaram a ficar obsoletas), como para criar novos modelos de negócio, tornou-se uma preocupação crítica em matéria de proteção de dados pessoais. Embora a aplicabilidade do artigo 5.º, n.º 3, da DeP esteja bem estabelecida e implementada para algumas tecnologias de rastreio, como é o caso das cookies, a verdade é que é necessário abordar as ambiguidades relacionadas com a aplicação da referida disposição a novas ferramentas de rastreio.

As Diretrizes identificam três elementos-chave para determinar a aplicabilidade do artigo 5.º, n.º 3, da DeP, a saber: "informação", "equipamento terminal de um assinante ou utilizador" e "acesso e armazenamento de informações". As Diretrizes fornecem ainda uma análise detalhada de cada um destes elementos. A aplicabilidade prática destes critérios é depois aplicada, de forma não exaustiva, a tipos de identificadores e informações que são atualmente utilizadas e podem estar sujeitas à aplicabilidade do artigo 5.º, n.º 3, a saber: (i) rastreio por URL e pixel; (ii) tratamentos locais nos equipamentos terminais dos utilizadores (i.e. telemóveis, computadores, tablets); (iii) rastreio baseado apenas em endereços de IP; (iv) relatórios intermitentes e mediados pela Internet das Coisas (IoT); e (v) identificadores únicos ou identificadores persistentes.  

CIBERSEGURANÇA – REGULAMENTO DE EXECUÇÃO DA DIRETIVA NIS2

Regulamento de Execução (UE) n.º 2024/2690, de 17 de outubro de 2024 (JOUE, Série L, de 18 de outubro de 2024)

Foi publicado o Regulamento de Execução (UE) n.º 2024/2690 da Comissão, de 17 de outubro de 2024, que estabelece regras de execução da Diretiva (UE) 2022/2555 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de dezembro de 2022 relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União (“Diretiva NIS2") relativamente aos requisitos técnicos e metodológicos das medidas de gestão dos riscos de cibersegurança e especifica mais pormenorizadamente os casos em que se considera que um incidente é significativo (o “Regulamento de Execução").

As medidas estabelecidas no Regulamento de Execução destinam-se aos prestadores de serviços de DNS, aos registos de nomes de TLD, aos prestadores de serviços de computação em nuvem, aos prestadores de serviços de centro de dados, aos fornecedores de redes de distribuição de conteúdos, aos prestadores de serviços geridos, aos prestadores de serviços de segurança geridos, aos prestadores de serviços de mercados em linha, de motores de pesquisa em linha e de plataformas de serviços de redes sociais e aos prestadores de serviços de confiança – tal como abrangidos pelo artigo 3.º da Diretiva (UE) 2022/2555 (as “Entidades Pertinentes"). O Regulamento de Execução visa assim garantir um elevado nível comum de cibersegurança em toda a UE, tendo em conta os diferentes níveis de exposição e de recursos das Entidades Pertinentes.

Ao implementarem e aplicarem os requisitos técnicos e metodológicos das medidas de gestão dos riscos de cibersegurança previstos, as Entidades Pertinentes garantem, à luz da Diretiva NIS2 e do Regulamento de Execução, um nível de segurança dos sistemas de rede e informação adequado aos riscos que se colocam. Para o efeito, essas entidades devem ter em devida conta o seu grau de exposição aos riscos, a sua dimensão e a probabilidade de ocorrência de incidentes, bem como a gravidade destes.

Neste contexto, o Regulamento de Execução define os requisitos mínimos que as Entidades Pertinentes devem cumprir em várias áreas – assim densificando as medidas de gestão dos riscos de cibersegurança estabelecidas no n.º 2, do artigo 21.º, da Diretiva NIS2, incluindo (i) política de segurança dos sistemas de rede e informação; (ii) política de gestão dos riscos; (iii) tratamento de incidentes; (iv) continuidade das atividades; (v) segurança da cadeia de abastecimento; (vi) segurança na aquisição, desenvolvimento e manutenção dos sistemas de rede e informação; (vii) políticas e procedimentos para avaliar a eficácia das medidas de gestão dos riscos de cibersegurança; (viii) práticas básicas de ciber-higiene e formação em cibersegurança; (ix) criptografia; (x) segurança dos recursos humano; (xi) controlo de acesso; (xii) gestão de ativos; e (xiii) segurança ambiental e física.

O Regulamento de Execução especifica também os casos em que um incidente deve ser considerado significativo e, portanto, notificado às autoridades competentes. Os critérios incluem o número de utilizadores afetados, a duração da indisponibilidade do serviço, as perdas financeiras diretas, os danos à saúde ou à vida das pessoas, o acesso não autorizado aos sistemas, ou a disponibilidade limitada do serviço. Por exemplo, um incidente é considerado significativo se um serviço de computação em nuvem ficar completamente indisponível por mais de 30 minutos, ou se a integridade, confidencialidade ou autenticidade dos dados forem comprometidas.

O Regulamento de Execução entrou em vigor no dia 7 de novembro de 2024 e é diretamente aplicável em todos os Estados-Membros da UE.

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3. Financeiro

COBRANÇA DE ENCARGOS EM OPERAÇÕES EM CAIXA MULTIBANCO

Decreto-Lei n.º 72/2024, de 16 de outubro (DR 201, Série I, de 16 de outubro de 2024)

O Decreto-Lei n.º 72/2024, de 16 de outubro (“DL 72/2024") procedeu à alteração do Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro (conforme alterado), que consagra a proibição de cobrança de encargos pela prestação de serviços de pagamento e pela realização de operações em caixa multibanco, equiparando as transferências imediatas aos pagamentos com cartões de débito, para efeitos de cobrança de comissão.

O DL 72/2024 vem estabelecer um limite máximo de encargos aplicáveis às transferências imediatas. Com esta alteração, passa a ser aplicado às transferências imediatas o mesmo teto de 0,2% sobre o valor da operação, já existente nos operações de pagamento com cartões de débito.

PRAZO DE PRESCRIÇÃO DAS RENDAS DO LOCATÁRIO NUM CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA

Acórdão n.º 13/2024 - (Processo 2218/18.0T8CHV-A.G1.S1) - STJ

No Acórdão n.º 13/2024, de 12 de Setembro, o Supremo Tribunal de Justiça (“STJ") uniformizou jurisprudência quanto ao prazo de prescrição das rendas devidas pelo locatário no âmbito de um contrato de locação financeira.

Em síntese, o enquadramento factual envolvia a celebração de um contrato de locação financeira mobiliária (“Contrato"), em 2 de setembro de 2004, entre o Banco Exequente (“Banco") e a Sociedade X (a “Locatária"), tendo por objeto a locação de equipamentos. Nos termos do Contrato, foi estipulado um prazo de duração de 60 meses, correspondente a 60 rendas mensais, a vencer-se no dia 1 de cada mês. Adicionalmente, ficou acordada a constituição de uma hipoteca a favor do Banco, destinada a garantir o cumprimento das obrigações contratuais.

Contudo, a Locatária deixou de pagar as rendas contratadas a partir da 18ª renda, vencida no dia 1 de julho de 2005. Perante esta situação, o Banco decidiu resolver o Contrato no dia 7 de novembro de 2005, mediante carta registada e o preenchimento de uma livrança pelo valor da dívida global de € 58.094,49, advertindo a Locatária para efetuar o pagamento no prazo de 8 dias. Não obstante, a livrança apresentada não foi paga.

Antes de intentar a ação de execução que deu origem ao presente Acórdão do STJ, o imóvel dado em hipoteca no âmbito do Contrato foi adquirido por um terceiro (o “Embargante"). Posteriormente, o Banco intentou uma ação executiva contra a Locatária, que culminou na oposição por embargos que está na génese da decisão do STJ.

Após a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, que considerou, em traços gerais, que às rendas do locatário financeiro se aplica o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil (“CC"), determinou o Tribunal da Relação que o prazo de prescrição aplicável às rendas do locatário na locação financeira é de cinco anos, ao abrigo de uma interpretação atualista e extensiva do artigo 310.º, alínea e), do CC. Para tal, argumentou o Tribunal da Relação que “a obrigação de pagamento pelo locatário corresponde substantivamente a uma amortização de capital pagável com juros, uma vez que as rendas que o locatário se obriga a pagar ao locador não são determinadas pelo valor do uso da coisa, nem pelo simples valor da compra, mas são determinadas pelo valor do capital investido pelo locador financeiro na aquisição do bem a locar (no imediato) e a vender no final (caso o locatário exerça esse direito e mediante o pagamento, após as rendas, do valor residual), que será sucessivamente amortizado durante a locação, e por taxas de juro remuneratórias da operação financeira".

Subsequentemente, o STJ confirmou a decisão do Tribunal da Relação, estabelecendo que o prazo de prescrição das rendas do locatário num contrato de locação financeira deve ser de cinco anos, aplicando-se, por analogia, o disposto no artigo 310.º, alínea e), do CC, em vez do prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.

O STJ fundamentou a sua decisão, no mesmo sentido do Tribunal da Relação, argumentando que, ao contrário da locação não financeira, a prestação do locador financeiro consiste numa dívida única que reflete o custo do bem, acrescido de juros e outros encargos. Ainda que o reembolso dessa dívida seja fracionado, esta constitui-se no momento da celebração do contrato. Assim, as rendas da locação financeira configuram-se como obrigações únicas do devedor, embora o pagamento seja realizado de forma parcelada. Com base nesta análise, o STJ equiparou o contrato de locação financeira ao contrato de mútuo, considerando que em ambos os casos as rendas ou prestações representam o reembolso de uma dívida única fracionada por acordo das partes. Nesse sentido, determinou o STJ que “É certo que o texto da alínea e) do art. 310.º do C. Civil e o respetivo pensamento legislativo se ficam pelo mútuo e pelo contrato de financiamento, porém, a racionalidade/teleologia da norma postula que situações semelhantes - em que também haja, como acontece na locação financeira, um plano/quotas de amortização que integram capital e juros - devem ter igual regulamentação."

Adicionalmente, o STJ determinou que o prazo de prescrição começou a correr no dia 10 de novembro de 2005, conforme o artigo 306.º n.º 1 do CC, ou seja, a partir do momento em que a resolução do Contrato se tornou eficaz. Por outro lado, reforçou que, em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 6/2022, de 30 de junho de 2022, ocorrendo o vencimento das prestações, nos termos do artigo 781.º do CC, mantém-se o prazo de prescrição de cinco anos, começando este a contar a partir da data do vencimento antecipado, e em relação a todas as prestações assim vencidas.

Finalmente, o STJ concluiu que à data da instauração da ação executiva, no dia 15 de dezembro de 2018, o crédito em dívida já se encontrava prescrito. Assim, o STJ uniformizou a jurisprudência neste sentido, e nos seguintes termos: “Prescrevem no prazo de 5 anos, por aplicação analógica do art. 310.º/e) do C. Civil, as rendas do locatário no contrato de locação financeira."

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4. Fiscal

IRS - REDUÇÃO DAS TAXAS DE IRS APLICÁVEIS A CONTRIBUINTES RESIDENTES NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA

Decreto Legislativo Regional n.º 7/2024/M, de 23 de outubro (DR 206, Série I, de 23 de outubro de 2024)

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou uma nova tabela de taxas de IRS aplicável a contribuintes residentes na Região Autónoma da Madeira, reduzindo genericamente as taxas de imposto aplicáveis, as quais se mantêm mais reduzidas comparativamente às tacas aplicáveis no continente.

As alterações produzem efeitos retroativos, reportados a 1 de janeiro de 2024, o que implica que os sujeitos passivos residentes na Madeira poderão beneficiar daquelas taxas para todo o ano fiscal de 2024.

IRC - EFEITOS RETROATIVOS DO AGRAVAMENTO DAS TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DE VIATURAS - INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL

Acórdão n.º 658/2024, de 29 de outubro (Processo n.º 95/23) - TC

O Tribunal Constitucional (“TC") declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que conferiu efeitos retroativos à alteração introduzida em 2008 ao artigo 81.º, n.º 1, do Código do IRC, relativo à tributação autónoma sobre despesas incorridas por sujeitos passivos de IRC com veículos automóveis.

A Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro agravou o regime de tributação autónoma que penaliza a aquisição de veículos automóveis por sujeitos passivos de IRC, tendo incrementado as taxas de tributação autónoma de 5% e 15% para 5%, 10% e 20%, aplicáveis de acordo com o valor de aquisição do veículo, os seus níveis de emissões de CO2 homologados e os resultados do sujeito passivo nos dois exercícios anteriores.

Apesar de a Lei n.º 64/2008 ter sido promulgada em 6 de dezembro de 2008, os seus efeitos retroagiram ao início daquele ano. O TC declarou (com força obrigatória geral) a referida produção de efeitos retroativos inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que proíbe a retroatividade autêntica de normas fiscais que criem ou agravem encargos tributários, em nome da proteção da confiança dos contribuintes, por entender que a tributação autónoma é um imposto de obrigação única e com natureza instantânea.

Dessa forma, a aplicação retroativa das novas taxas de tributação autónoma a factos tributários já consumados deve ser enquadrada como um agravamento desproporcionado e contrário aos princípios constitucionais da legalidade tributária e da proteção da confiança.

IRS - MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS NA VENDA DE PRÉDIOS ADQUIRIDOS ANTES DE 1989 - REGIME TRANSITÓRIO - UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Acórdão de 23 de setembro de 2024 (Processo n.º 20/24.0BALSB) - STA

O STA foi chamado a apreciar o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de novembro (diploma que aprovou o Código do IRS) – “DL 448-A/88", que estabeleceu um regime transitório aplicável em sede de IRS ao abrigo do qual ficam excluídas de tributação mais-valias obtidas com a alienação de prédios urbanos que estavam já na esfera do sujeito passivo em momento anterior à entrada em vigor do Código do IRS nos casos em que exista alteração da natureza do prédio alienado em data posterior à data da entrada em vigor do Código do IRS (1989).

O recurso em referência foi apresentado com fundamento em oposição de julgados entre os seguintes acórdãos:

O acórdão recorrido entende que a alteração da qualificação do imóvel após a entrada em vigor do CIRS não afasta a aplicação daquele regime transitório ainda que se trate da construção de um novo imóvel edificado após 01-01-1989, desde que o mesmo seja construído num prédio rústico adquirido antes desta data, entendimento do qual se discorda, conforme resulta da defesa apresentada em sede arbitral.

O acórdão fundamento entende que a alteração da qualificação do imóvel após a entrada em vigor do CIRS afasta a aplicação daquele regime transitório quando se trate da construção de um novo imóvel edificado após 01-01-1989, ainda que o mesmo seja construído num prédio rústico adquirido antes desta data, entendimento que se acompanha na íntegra, conforme resulta da defesa apresentada em sede arbitral."

Nos autos em referência estava em causa um prédio adquirido pelo sujeito passivo em 1988 (i.e., em data anterior à data da entrada em vigor do Código do IRS em 1 de janeiro de 1989), e a respeito do qual em 1991 o sujeito passivo obteve licença de utilização para construção, tendo o prédio adquirido passado a prédio urbano em consequência da construção.

Em 2021 o sujeito passivo alienou o prédio urbano que havia sido edificado em 1994 num prédio rústico adquirido em 1988 e entendeu que a mais-valia obtida estaria excluída de tributação, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1, do DL 448-A/88 por ser o prédio alienado o mesmo que o mesmo havia adquirido em 1988, não obstante as alterações sofridas entretanto, ao passo que a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT") entendeu ser a mais-valia tributável, por o prédio urbano ter surgido na esfera do sujeito passivo apenas aquando da sua reclassificação como tal, já durante a vigência do Código do IRS.

O STA começa por afirmar que a situação em causa é diferente daquela que foi apreciada nos acórdãos de 14 de outubro de 2020 (processo 01152/10.7BELRS) e de 18 de novembro de 2020 (processo n.º 01047/07.1BESNT), nos quais se decidiu que: "de acordo com o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção", adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, ainda que posteriormente possam adquirir a natureza de terrenos para construção e sejam alienados como tal.", na medida em que o que está em causa nestes acórdãos: “(…) relativamente aos prédios rústicos adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, é a aquisição de aptidão edificativa já na vigência do CIRS."

O STA acrescenta ainda que nos casos que foram objeto do escrutínio do STA: “(…) estão em causa os mesmos prédios adquiridos antes de 1989, o que acontece é que tais prédios sofreram uma alteração quanto à sua qualificação (vg. por parte do Município). Aqui não surgem novos prédios urbanos construídos após 1 de janeiro de 1989 e com inscrição matricial diversa do anterior prédio rústico onde tiveram lugar as edificações.".

Face aos factos dados como provados no processo em referência e aos acórdãos em oposição, decidiu o STA aderir à posição adotada no acórdão fundamento e uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: “O artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro - diploma que aprovou o Código do IRS - deve ser interpretado no sentido de que não estão abrangidos pela sua norma de exclusão os prédios urbanos que apenas surgiram na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de Janeiro de 1989, as quais deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas".

IRC - RESOLUÇÃO De CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA - TRANSMISSÃO DE PRÉDIOS POR VALOR INFERIOR AO Valor patrimonial tributário - Uniformização de jurisprudência

Acórdão de 31 de setembro de 2024 (Processo n.º 129/22.4BALSB) - STA

Com fundamento em oposição de julgados, foi o STA questionado sobre a aplicabilidade à resolução de contratos de locação financeira imobiliária do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC que estabelece que: “O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel".

Nos termos do artigo 64.º do Código do IRC, sempre que um bem imóvel seja alienado por valor inferior ao respetivo valor patrimonial tributário (“VPT"), deverá ser adotado como valor de transmissão o VPT em vez do valor acordado entre as partes para efeitos do cálculo da mais-valia relevante em sede de IRC, salvo se o sujeito passivo recorrer ao procedimento de prova dos preços efetivos previsto no artigo 139.º do mesmo Código.

Em causa naqueles autos estava um sujeito passivo que se dedicava à atividade bancária e que era locador em múltiplos contratos de locação financeira imobiliária, tendo questionado o tribunal sobre os efeitos da resolução daqueles contratos em momento anterior ao da cessação prevista no contrato, para efeitos de apuramento de mais-valias obtidas com posteriores vendas dos imóveis, alegando que nesses casos a entidade locadora recebe o imóvel pelo valor das rendas vincendas que deixem de ser pagas e que, como tal, deveria entender-se que a entidade locadora adquire naquela data os referidos imóveis por aquele valor.

Para fundamentar a sua posição, o recorrente invocou uma decisão arbitral na qual a resolução antecipada do contrato de locação financeira foi enquadrada como uma transmissão onerosa do imóvel, em que o valor da aquisição corresponderia ao valor das rendas vincendas que o locatário ficaria desonerado de pagar.

Não obstante, o STA entendeu que não assistia razão à recorrente naqueles autos e que o artigo 64.º do Código do IRC não seria aplicável no caso em apreciação na medida em que na referida norma: “(…) o legislador apela ao "valor constante do contrato" e ao VPT, mas nunca se refere ao valor das rendas vincendas à data da resolução." E, bem assim, que “(…) o valor das rendas vincendas nem é assimilável ao "valor constante do contrato" (porque não resulta dele, mas de uma operação de apuramento numa fase da sua execução) nem é convocado para a determinação do VPT (o Código do IMT manda atender ao valor residual determinado ou determinável nos termos do contrato de locação financeira, mas apenas quando os bens são adquiridos pelo locatário no termo da vigência do mesmo e nas condições nele estabelecidas - artigo 12.º, n.º 4, regra 14.ª).".

Adicionalmente, entendeu o STA que: “(…) o âmbito de aplicação do artigo 64.º em análise é fixado por referência às transmissões de direitos reais sobre bens imóveis. É o que resulta da epígrafe do artigo e do seu n.º 1 [e que] o contrato de locação financeira não tem como efeito direto a transmissão de um direito real sobre o imóvel que tenha como objeto. Os contratos que têm como efeito direto a transmissão de um direito real sobre o imóvel e no âmbito de uma locação financeira são, de um lado, o contrato pelo qual o locador adquire o imóvel a terceiro para o dar à locação e, de outro lado, o contrato que o locador vier a celebrar com o locatário, caso este o queira, findo o contrato de locação financeira - cf. artigo 9.º, n.º 1 alínea c), do Decreto-Lei n.º 145/95, de 24 de junho.", sendo comum “(…) comum dizer-se que, pelo contrato de locação financeira, o locatário adquire a propriedade económica ou propriedade substancial (expressões que são utilizadas para contrapor ao que se designa de propriedade jurídica ou propriedade formal)."

Por fim, salienta ainda este tribunal superior que a solução do artigo 64.º do Código do IRC “(…) de remeter para o VPT tem como objetivo combater a prática de simular preços de compra e venda de imóveis no momento em que os imóveis são transacionados e, do mesmo passo, dispensar a Administração da difícil e complexa prova da simulação" e o legislador “(…) não reconhece como mais-valias ou menos-valias os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objeto de locação financeira (artigo 46.º, n.º 6 alínea a) do Código do IRC), "afastando-se aqui, inequivocamente, a lei fiscal do direito contabilístico".

Assim, fixou o STA jurisprudência nos seguintes termos: “O artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do Código do IRC, na versão que resulta da republicação do Código pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de resolução do contrato de locação financeira imobiliária, a empresa de locação financeira que, posteriormente, venda o imóvel que foi objeto do citado contrato de locação, deve considerar como valor constante do contrato o valor pelo qual adquiriu o imóvel para o dar à locação e como valor patrimonial tributário o valor que serviu de base à liquidação respetiva do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou que serviria no caso de não ter havido lugar à liquidação desse imposto"

IMPOSTO DO SELO - CONTRATO DE CASH POOLING - PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

Decisão Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa, de 13 de setembro (Processo n.º 44/2024-T)

O Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a tributação em Imposto do Selo de operações de cash pooling envolvendo entidades de grupos internacionais com presença em território nacional. No caso levado à sua apreciação estava em causa uma entidade portuguesa que concedeu crédito a outra entidade do grupo, sediada fora do país, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling).

O Tribunal entendeu que: “A sujeição a Imposto do Selo do crédito utilizado no atual Co´digo do Imposto do Selo, encontra-se subordinada a` conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito" e que, por conseguinte, as operações de cash pooling entre empresas de um mesmo grupo cuja utilização do crédito seja realizada no estrangeiro não estão sujeitas a imposto do selo.

A decisão reconhece, assim, que: “Por força do princi´pio da territorialidade, quando esteja em causa a concessa~o de cre´dito no quadro de uma relac¸a~o de cash pooling, apenas sera´ tributada a utilizac¸a~o de fundos consumada em territo´rio nacional.", julgando totalmente procedente o pedido arbitral apresentado e declarando ilegais os ato de autoliquidação de imposto do selo.

IRC - PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA - ÓNUS DA PROVA DA AT

Decisão Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa, de 19 de setembro de 2024 (Processo n.º 71/2024-T)

O Tribunal Arbitral proferiu sentença a respeito do ónus da prova em correções operadas ao abrigo das regras em matéria de preços de transferência em sede de IRC, deixando claro que sempre que a AT coloque em causa o preço de mercado apurado pelo sujeito passivo, cumpre-lhe o correspondente ónus da prova.

A decisão arbitral trata de um sujeito passivo de IRC que prestava serviços de consultoria e programação informáticas, tendo quase exclusivamente como seus clientes outras entidades do grupo multinacional em que se enquadrava, prestando por isso os seus serviços em operações vinculadas ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC.

Naqueles termos, o sujeito passivo levou a cabo uma análise de preços de transferência, tendo aplicado o método da margem líquida da operação, por forma a determinar a margem de lucro que as entidades prestadoras de serviços similares cobravam em operações com entidades não relacionadas, tendo aplicado uma margem de lucro semelhante nos serviços intragrupo por si prestados. Embora não tenha colocado em causa o estudo de preços de transferência elaborado pelo sujeito passivo, a AT aplicou correções em sede de IRC por entender que o preço praticado naquelas operações não correspondia ao preço de mercado.

O tribunal arbitral veio esclarecer que, justamente por a AT não ter colocado em causa o estudo de preços de transferência elaborado pelo sujeito passivo, não poderia aplicar correções ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC, pois as correções feitas com base naquele artigo devem sempre ser acompanhadas de um especial dever de fundamentação, nos termos do artigo 77.º da LGT, não podendo fundar-se em meros indícios ou presunções não demonstrados. Quando coloque em causa o preço de mercado apurado pelo sujeito passivo, as correções produzidas pela AT deverão fazer-se acompanhar de prova por si produzida.

Em face do exposto, decidiu o tribunal julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado e anular a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios emitida pela AT.

REGIME TRANSITÓRIO DE RESIDENTES FISCAIS NÃO HABITUAIS - MEMBROS DO AGREGADO FAMILIAR - DATA DA TRANSFERÊNCIA DA RESIDÊNCIA FISCAL PARA PORTUGAL

Informação Vinculativa proferida no processo n.º 27061, com despacho de 15 de outubro, do Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária

A pedido de um sujeito passivo de IRS, esclareceu a AT algumas questões relacionadas com a aplicação do regime transitório dos Residentes Não Habituais (“RNH"), regulado pelo artigo 236.º, da Lei 82/2023, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2024 (“OE 2024)".

O OE 2024 aprovou a revogação do regime dos RNH e estabeleceu um regime transitório, nos termos do qual os sujeitos passivos que cumpram determinados requisitos referentes a vínculos variados com o território nacional anteriores a outubro ou dezembro de 2023 (consoante os casos), podem ainda beneficiar daquele regime caso se tornem residentes fiscais em Portugal durante o ano de 2024.

De acordo com aquele regime transitório, os membros de agregado familiar de um contribuinte que cumpra um dos referidos vínculos com o território nacional previstos no artigo 236.º, n.º 3, alínea c), da Lei 82/2023, podem também beneficiar do regime transitório do RNH (conforme alínea d) daquele artigo).

A AT veio afirmar nesta informação vinculativa que os membros do agregado familiar de um contribuinte inscrito como RNH devem alterar a sua residência fiscal para Portugal até ao final de 2024, sob pena de não poderem beneficiar do regime transitório de RNH.

IMPOSTO DO SELO - ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL PARA TRATO SUCESSIVO SEM INVOCAÇÃO DE USUCAPIÃO

Informação Vinculativa proferida no processo n.º 26584, com despacho de 6 de outubro, Diretor-Geral

No pedido de informação vinculativa em referência, veio a AT esclarecer que a celebração de escritura de justificação notarial para reatamento do trato sucessivo não despoleta qualquer sujeição a imposto do selo quando não exista qualquer aquisição originária do terreno por via do instituto de usucapião e quando nem sequer se invoque usucapião naquela escritura.

A AT concluiu , assim, que: “(…) as situações de justificação notarial para reatamento do trato sucessivo, prevista no artigo 34.º do CRP, quando não é invocada a usucapião como forma de aquisição, não devem ser objeto de tributação em sede de IS, por inexistência de norma legal, uma vez que as normas de incidência do Código do IS se reportam à tributação das aquisições gratuitas do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre imóveis, incluindo a usucapião (cf. n.ºs 1 e 3 do art.º 1.º do CIS e verba 1.2 da TGIS)."

IMT E IMPOSTO DO SELO JOVEM – DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE IMÓVEL NÃO LICENCIADO, EM CONDIÇÕES MUITO DEFICIENTES DE HABITABILIDADE, OU DE IMÓVEL HABITACIONAL EM ESTADO DE RUÍNA

Informações Vinculativas proferidas nos processos n.ºs 26965 e 27018, com despachos de 27 de setembro e de 7 de outubro, respetivamente, ambos do Diretor de Serviços da Direção de Serviços de IMT

Em dois pedidos de informação vinculativa similares, dois sujeitos passivos distintos questionam se podem beneficiar do regime do IMT e de Imposto do Selo Jovem aplicável à aquisição de imóveis para habituação própria permanente por jovens até 35 anos que não sejam titulares de direito de propriedade, ou de figura parcelar desse direito, sobre prédio urbano habitacional, à data da transmissão ou em qualquer momento nos três anos anteriores.

Em particular, nas questões concretas submetidas à apreciação da AT, um dos sujeitos passivos é comproprietário de prédios urbanos com a afetação de prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade, sendo o outro sujeito passivo proprietário de um prédio inscrito na matriz com afetação habitacional mas que se encontra em estado de ruína.

Ambos os sujeitos passivos alegam que, embora o benefício fiscal em análise exija que os sujeitos passivos não sejam titulares de direitos reais sobre prédios urbanos habitacionais, dadas as características dos prédios de que os mesmos são proprietários, impedindo a respetiva habitabilidade, deveriam poder beneficiar do referido benefício no caso de aquisição de primeira habitação própria permanente.

No entanto, entendeu a AT que em ambos os casos não será de aplicar a isenção por estarem os prédios em questão registados com afetação habitacional, sendo justamente a habitação o seu “destino normal", motivo pelo qual não poderia a AT atender às condições concretas de habitabilidade concretas dos prédios por forma a reconhecer a aplicação deste benefício fiscal do IMT e do Imposto do Selo jovem aos sujeitos passivos.

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5. Público

REMUNERAÇÃO DO COMERCIALIZADOR DE ÚLTIMO RECURSO GROSSISTA NO SISTEMA DE COMPRA CENTRALIZADA DE BIOMETANO E HIDROGÉNIO

Resolução do Conselho de Ministros n.º 145/2024, de 23 de outubro (DR 206, Série I, de 23 de outubro de 2024)

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 145/2024, de 23 de outubro (“Resolução do Conselho de Ministros n.º 145/2024") foi aprovada na sequência da entrada em vigor da Portaria n.º 15/2023, de 4 de janeiro (“Portaria n.º 15/2023"), que estabeleceu o sistema de compra centralizada de biometano e hidrogénio produzido por eletrólise, com recurso a eletricidade com origem em fontes de energia renovável.

A compra centralizada de biometano e hidrogénio é efetuada através do Comercializador de Último Recurso Grossista (“CURg"). O CURg exerce a atividade de aquisição de gases de origem renovável e de gases de baixo teor de carbono aos respetivos produtores para a garantia do cumprimento das quotas mínimas de incorporação de outros gases por parte dos demais intervenientes do Sistema Nacional de Gás.

Nos termos do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 15/2023, é possível contratar com o CURg 150 GWh/ano (biometano) e 120 GWh/ano (hidrogénio), através de procedimento concorrencial de leilão eletrónico.

Nos termos do n.º 8 do artigo 2.º da Portaria n.º 15/2023, o preço máximo a pagar na qualidade de entidade adjudicante é de 62 €/MWh para o biometano e de 127 € MWh para o hidrogénio.

A atividade do CURg é remunerada pelo Fundo Ambiental, sendo que a remuneração visa garantir:

  1. O equilíbrio económico do CURg, tendo em conta os custos de aquisição do biometano e hidrogénio aos produtores e o preço obtido pela venda dos mesmos;
  2. As garantias de origem que lhes estão associadas; e
  3. Os demais custos relativos à operacionalização da atividade do CURg.

Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 145/2024, o Fundo Ambiental fica autorizado a realizar despesa para remuneração do CURg no âmbito do procedimento concorrencial de leilão eletrónico dos gases renováveis biometano e hidrogénio para os anos 2025 - 2034.

A remuneração do CURg foi fixada no montante máximo global de €140.000.000 e está limitada a €14.000.000 por cada ano económico, sendo que a estes montantes não acresce IVA.

Ao montante fixado para cada ano económico pode acrescer o saldo apurado no ano anterior.

Por fim, estes montantes deverão ser integralmente satisfeitos por verbas provenientes de receitas próprias do Fundo Ambiental.

Para uma descrição mais detalhada do regime que estabeleceu o sistema de compra centralizada de biometano e hidrogénio produzido por eletrólise consulte a Newsletter publicada em janeiro de 2023, disponível aqui.

REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO VOLUNTÁRIO DE CARBONO

Portarias n.ºs 239/2024/1, 240/2024/1 e 241/2024/1, de 2 de outubro (DR 191, Série I, de 2 de outubro de 2024)

As Portarias n.ºs 239/2024/1, 240/2024/1 e 241/2024/1, todas de 2 de outubro foram aprovadas na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 4/2024, de 5 de janeiro, que instituiu o mercado voluntário de carbono e estabelece as regras para o seu funcionamento (“Decreto-Lei n.º 4/2024").

O mercado voluntário de carbono visa principalmente mitigar as emissões de gases com efeito de estufa (“GEE") no território nacional, utilizando como instrumento os créditos de carbono gerados por projetos que reduzam as emissões de GEE ou sequestrem carbono.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 4/2024, a participação no mercado voluntário de carbono exige, entre outras etapas, o registo dos interessados numa plataforma eletrónica gerida pela ADENE - Agência para a Energia (“ADENE"), com a supervisão da Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. e a sujeição dos projetos de carbono a um processo de validação inicial e a um processo de verificação periódico, por verificador independente devidamente qualificado.

A Portaria n.º 239/2024/1, de 2 de outubro estabelece as taxas a cobrar pela ADENE no âmbito do mercado voluntário de carbono.

De entre as taxas previstas salienta-se (i) a taxa de 0,20 € para a transação de créditos de carbono entre contas (devida pelo comprador), (ii) a taxa de registo de projetos e programas na plataforma (950 € por projeto) e (iii) a taxa devida pela submissão de uma nova metodologia no mercado (3.000 €, embora até 31 de dezembro de 2026 este montante seja de 500 €)

A cobrança das taxas será efetuada pela entidade gestora da plataforma (ADENE), sendo que o valor das taxas será atualizado anualmente por aplicação do índice de preços no consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

A Portaria n.º 240/2024/1, de 2 de outubro veio definir os critérios de qualificação da atividade de verificador independente dos projetos e indicar a entidade gestora do sistema de qualificação no âmbito do mercado voluntário de carbono.

Para este efeito, considera-se verificador independente toda a pessoa singular que, agindo em nome individual ou em nome de uma pessoa coletiva, é independente do promotor do projeto e detentora da qualificação conferida por certificado emitido pela entidade gestora do sistema de qualificação.

O acesso e exercício da atividade de verificador do mercado voluntário de carbono depende da obtenção pelo candidato de certificado de qualificação numa das seguintes categorias:

  1. Energia: extração e produção de combustíveis; queima de combustíveis e transportes;
  2. Processos industriais: processos industriais; produção e uso de gases fluorados; usos não energéticos de combustíveis;
  3. Agricultura: pecuária; uso de fertilizantes azotados; queima de resíduos agrícolas;
  4. Uso do solo: carbono na biomassa e no solo de florestas, agricultura, pastagens e outros usos de solo; incêndios rurais;
  5. Zonas húmidas e marinhas: gestão de ecossistemas marinhos e costeiros; e
  6. Resíduos: resíduos sólidos e águas residuais.

A qualificação é reconhecida através de um certificado emitido pela entidade gestora da qualificação, que no caso é a ADENE, sob supervisão da APA. A qualificação é válida por três anos, sendo renovável mediante comprovação de atividade e participação em formações de atualização oferecidas pela entidade gestora.

A não renovação ou suspensão do certificado impede o exercício da atividade de verificação.

Finalmente, a Portaria 241/2024/1, de 2 de outubro veio estabelecer os requisitos gerais da plataforma eletrónica de registo do mercado voluntário de carbono.

A plataforma deve permitir o registo obrigatório dos agentes de mercado que pretendam atuar no âmbito do mercado voluntário de carbono e contemplar todas as funcionalidades essenciais para o funcionamento e desenvolvimento do mercado voluntário de carbono, designadamente:

  1. O registo e gestão dos diversos agentes de mercado (promotores, compradores de crédito e verificadores);
  2. O registo de projetos e programas de redução de emissões de GEE ou de sequestro de carbono;
  3. A emissão, transferência e cancelamento de créditos de carbono;
  4. A consulta de informação relativa a todos  os projetos e transações de créditos;
  5. A submissão e gestão de propostas de metodologias de carbono.

Não obstante a publicação desta portaria, à data da redação deste texto, a plataforma não está ainda integralmente funcional, permitindo apenas aos interessados apresentar as suas manifestações de interesse. A APA e a ADENE preveem que, no primeiro semestre de 2025, se inicie o funcionamento da plataforma de registo com projetos pilotos e, no segundo semestre de 2025, se inicie o funcionamento da plataforma de registo.

Esta plataforma deverá disponibilizar informação à ADENE que permita, em cada ano civil, a elaboração de relatório sobre a evolução do mercado voluntário de carbono.

Para uma descrição mais detalhada do regime que instituiu o mercado voluntário de carbono consulte a Newsletter publicada em 29 de fevereiro de 2024, disponível aqui e ainda o artigo disponível aqui.

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6. Imobiliário

ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DA EXPLORAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL

Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro (DR 206, Série I, de 23 de outubro de 2024)

O Decreto-Lei em referência, que entrou em vigor no dia 1 de novembro, procede à alteração do Decreto-Lei n.º 128/2014 relativo ao Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (“RJ de AL"). A anterior alteração, introduzida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, realizada no âmbito do programa Mais Habitação, visava, entre outros objetivos, o incentivo à transferência de apartamentos em alojamento local (“AL") para o arrendamento habitacional, bem como a criação de uma contribuição extraordinária sobre apartamentos e estabelecimentos de alojamento local. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 76/2024 reverte algumas das restrições impostas pelo regime anteriormente vigente com o objetivo de “criar condições para que a atividade do alojamento local se consolide de forma equilibrada com o ambiente habitacional, com respeito dos direitos de iniciativa privada, de propriedade privada e de habitação, constitucionalmente consagrados, conciliando os impactos económicos e urbanísticos daquela atividade em Portugal" (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 76/2024).

Destacamos as principais alterações introduzidas:

  • Aumento de competências dos municípios: os municípios podem, agora, aprovar um regulamento administrativo, tendo por objeto a regulação da atividade de alojamento local no respetivo território;
  • Criação de um provedor do alojamento: os regulamentos administrativos referidos no parágrafo anterior podem prever a designação de um provedor do AL, que apoie o município na gestão de diferendos entre os residentes, os titulares de exploração de estabelecimentos de AL e os condóminos ou terceiros contrainteressados, competindo-lhe, designadamente, a apreciação de queixas, a emissão de recomendações e a aprovação e implementação de guias de boas práticas sobre o funcionamento da atividade;
  • Definição da utilização admitida em regulamento municipal: as utilizações válidas e compatíveis com a atividade de AL são as que vierem a ser definidas em regulamento municipal (e, na ausência da previsão neste âmbito, são admissíveis as utilizações estabelecidas como sendo compatíveis com o exercício da atividade de AL, nomeadamente os usos autorizados pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação atual, ou outros usos que o município venha a considerar como conciliáveis com o exercício dessa atividade); neste contexto, e salvo disposição em contrário, a instalação e exploração de estabelecimentos de AL em fração autónoma não constitui uso diverso do fim a que é destinada, devendo coexistir no quadro dos usos urbanísticos dominantes admissíveis para a respetiva zona territorial;
  • Alargamento do prazo para realização de vistoria, por parte dos municípios, para verificação do cumprimento dos requisitos a que devem obedecer os estabelecimentos de AL de 30 para 60 ou 90 dias, consoante a localização da unidade de alojamento;
  • Diminuição de poderes dos condóminos, nos seguintes termos:
    • Eliminação da necessidade de prévia decisão do condomínio para realização do registo de estabelecimento de AL, sendo agora apenas necessária no caso de hostels localizados em prédios em que coexista habitação;
    • Alteração da maioria necessária em sede de assembleia de condóminos para oposição ao exercício de atividade de AL em fração autónoma: de acordo com a redação atual, basta maioria simples (no entanto, a deliberação deve ser fundamentada com recurso à prática reiterada de atos que perturbem / prejudiquem os restantes condóminos (ao contrário da redação anterior, que não impunha a necessidade de justificação);
  • Alteração do regime geral aplicável em matéria de registo, nos seguintes termos:
    • Prazos:
      • Alargamento dos prazos para oposição à comunicação prévia com prazo (de 10/20 dias para 60/90 dias), bem como alargamento dos respetivos fundamentos;
      • Os registos de estabelecimentos de AL deixam de ter prazo e de ser suscetíveis de renovação, contrariamente ao regime anterior, que previa uma duração de 5 anos para os registos, cuja renovação carecia de deliberação expressa da câmara municipal;
    • Direito de audiência prévia: reposição do direito de audiência prévia em face da decisão de cancelamento do registo;
    • Cancelamento do registo de AL: alargamento do leque de situações que podem justificar a determinação do cancelamento do registo de AL (designadamente, a inexistência de seguro, a prática de atos que perturbem a normal utilização do prédio urbano, entre outros);
    • Alteração da norma relativa à intransmissibilidade do título de abertura ao público: no regime atual, permite-se a alteração da titularidade da exploração ou do capital social da pessoa coletiva titular do registo;
    • Vistoria pelos serviços municipais: em qualquer fase do procedimento para o registo de estabelecimento de AL, o interessado pode solicitar, por uma única vez, a realização de uma vistoria pelos serviços municipais competentes, com vista à revisão da decisão de oposição, suportando os custos da sua realização.
  • Alteração dos requisitos gerais a que devem obedecer os estabelecimentos de AL, nos seguintes termos:
    • Diminuição do número máximo de utentes nos estabelecimentos de AL – que não na modalidade de quartos ou hostel – de 30 para 27;
    • Alteração dos requisitos para a instalação de camas suplementares: atualmente, basta que, no seu conjunto, não ultrapassem 50% do número de camas fixas, tendo sido eliminado o limite de idade;
    • Previsão da responsabilidade do titular da exploração pela cobertura dos riscos inerentes à exploração de estabelecimento de AL (através de contratos de seguro cuja prova o município pode exigir sempre que entender conveniente);
    • Eliminação da limitação a respeito da exploração de sete estabelecimentos de alojamento local por cada proprietário nas áreas de contenção;
  • Criação de áreas de crescimento sustentável, e definição de limitações neste contexto:
    • O regulamento municipal pode aprovar não apenas áreas de contenção, como também a nova figura das áreas de crescimento sustentável (isto é, áreas em que se justifiquem especiais medidas de monitorização e acompanhamento, no sentido de prevenir uma situação de sobrecarga com efeitos indesejáveis para os bairros e lugares). Com efeito, o regulamento pode impor limitações relativas ao número de novos registos de alojamento local permitido para cada uma dessas áreas, assim como estabelecer requisitos adicionais para a sua instalação.
    • Aumento do prazo mínimo para reavaliação das áreas de desenvolvimento sustentável [e das áreas de contenção] de dois para três anos. Esta avaliação deve ser fundamentada com base em estudo com vista a assegurar a proporcionalidade das regras aplicadas.
  • Poder de fiscalização: são excluídas as juntas de freguesia em matéria de fiscalização. A ASAE deve zelar pelo cumprimento da atividade, e a câmara municipal deve exercer os poderes de autoridade e meios coercivos fixados em regulamento municipal.  

STJ DETERMINA QUE A OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO PODE TER LUGAR ANTES DE TERMINADO O PRAZO MÍNIMO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS

Acórdão de 15 de outubro de 2024 (Processo: 1064/21.9T8AGD.P1.S1) - STJ

O acórdão em apreço tem por objeto a questão relativa à interpretação do artigo 1110.º, n.º 4, do Código Civil, norma introduzida pela Lei n.º 13/2019, que refere: «Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação».

O tema que opôs as partes no processo (e, bem assim, as diferentes instâncias, na medida em que o STJ vem, com o presente acórdão, julgar procedente a revista e revogar o acórdão recorrido) diz respeito à possibilidade de o senhorio, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 2019 pelo período de cinco anos, poder opor-se à renovação do mesmo, respeitada a antecedência mínima de 120 dias antes do termo do contrato, de modo a esta oposição produzir os seus efeitos na data em que o contrato se renovaria (31 de dezembro de 2023), impedindo, portanto, a sua renovação.

A interpretação desta norma tem dividido a doutrina e a jurisprudência em duas correntes. Um primeiro entendimento, que fez vencimento na primeira instância e no Tribunal da Relação do Porto, segundo o qual a declaração de oposição à renovação do contrato não pode ocorrer, de todo, nos primeiros 5 anos de vigência do contrato de arrendamento, tendo como consequência a obrigatória automaticidade da primeira renovação, definindo um prazo mínimo de vigência de 10 anos para estes contratos. Por outro lado, uma segunda orientação, perfilhada pelo STJ, que refere que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria, atendendo à racio da norma e ao espírito da lei, e garantindo o prazo mínimo de 5 anos.

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[1]     As coimas impostas na decisão revista são praticamente do mesmo montante que as fixadas na decisão de 2013: a coima da Telefónica mantém-se inalterada e a coima da Pharol é reduzida para 12.146.000 euros (menos 144.000 euros).

[2]     Alfa Acciai, Ferriere Nord, Feralpi, IRO, Leali, Lucchini, Riva Fire/Partecipazioni Industriali, Valsabbia e a associação de empresas Federacciai.

[3]     A coima imposta à EDP Energias correspondeu a € 2.900.000; a coima imposta à EDP Comercial correspondeu a € 25.800.000; a coima imposta à Sonae Investimentos correspondeu a € 2.800.000; a coima imposta à Modelo Continente correspondeu a € 6.800.000. A Sonae MC foi condenada, mas, pela inexistência de volume de negócio, não foi fixada qualquer coima.