Análise e projeções para 2023 em matéria de contencioso e arbitragem no mercado Ibérico

Janeiro 2023


Tal como nos anos anteriores, apresentamos de seguida a visão da Uría Menéndez sobre os principais desenvolvimentos e tendências que podem afetar o contencioso e arbitragem no mercado ibérico durante o ano de 2023, que agora se inicia.

 


1. Previsíveis desenvolvimentos legislativos relevantes em matéria de processo civil

2. Arbitragem internacional

3. Direito penal económico

4. Direito digital e cibersegurança

5. Contencioso ambiental e em matéria de alterações climáticas

6. Direito da insolvência

7. Ações coletivas

8. Cláusulas gerais e contencioso em matéria de consumo

9. Responsabilidade civil por violações do Direito da Concorrência

10. Litígios de seguros

11. Sanções internacionais


 

1. Previsíveis desenvolvimentos legislativos relevantes em matéria de processo civil

Em Espanha, três reformas legislativas relevantes passaram, em 2022, à categoria de projetos de lei: a Lei Orgânica para a Eficiência Organizativa do Sistema Judiciário (Ley Orgánica de eficiencia organizativa del servicio público de Justicia), a Lei sobre Medidas de Eficiência Processual do Sistema Judiciário (Ley de medidas de eficiencia procesal del servicio público de Justicia) e a Lei sobre Medidas de Eficiência Digital do Sistema Judiciário (Ley de medidas de eficiencia digital del servicio público de Justicia). Estes projetos de lei estão atualmente em curso no Parlamento espanhol.

O primeiro projeto de lei poderá implicar uma profunda reorganização dos tribunais judiciais, através da criação dos tribunais de instância (Tribunales de Instancia) em substituição dos atuais juízos (juzgados), a implementação definitiva do Gabinete do Tribunal (Oficina Judicial) em todos os territórios e a criação de Gabinetes de Justiça (Oficinas de Justicia) nos municípios.

O segundo projeto de lei visa reformar aspetos muito diversificados da legislação processual civil, incluindo a utilização de meios telemáticos e a promoção da utilização de meios de resolução alternativa de litígios. Visa também simplificar os procedimentos, alargando, na jurisdição cível, o âmbito do processo sumário (juicio verbal), reduzindo o número de audiências e fomentando as decisões orais. Irá também introduzir a figura dos denominados “casos piloto” (pleito testigo).

O terceiro projeto de lei centra-se nos aspetos tecnológicos, com vista a modernizar e agilizar o sistema processual espanhol. Inclui regras sobre registos, ficheiros e comunicações eletrónicas, audiências através de meios telemáticos ou fórmulas de identificação eletrónica dos intervenientes processuais. O seu objetivo é assegurar a interoperabilidade dos diferentes sistemas eletrónicos dos órgãos judiciais.

Espera-se que estes projetos de lei sejam aprovados em 2023, embora esta previsão possa não se concretizar em função dos calendários eleitorais.

Em Portugal, o funcionamento dos tribunais regressou à normalidade e espera-se que, ao longo de 2023, se consiga recuperar o ritmo anterior à pandemia, que provocou atrasos significativos. Em contrapartida, a proposta de reforma do Código de Processo Civil português, apresentada em dezembro de 2021, expirou, sendo certo que nem o Governo, nem qualquer partido político, manifestaram a intenção de introduzir reformas relevantes no direito processual civil português.

^ subir

 

2. Arbitragem internacional

Dado o crescente investimento em projetos de energias renováveis (impulsionado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e pelos Next Generation Funds da UE), é muito provável que surjam novos litígios, tanto na fase pré-contratual, como na implementação e funcionamento destes projetos, que serão resolvidos fundamentalmente através de arbitragens internacionais. Do mesmo modo, os problemas de fornecimento de gás devido à guerra na Ucrânia e o consequente aumento dos preços do gás também conduzirão a novos litígios em matéria de energia, que serão resolvidos através de arbitragem.

Em sede de arbitragem comercial, continuar-se-á a assistir à crescente utilização de novos meios de prova e interação (incluindo o uso de metaverso), particularmente em projetos de construção e infraestruturas. Por outro lado, os financiadores de contencioso e arbitragem continuarão a expandir-se, o que também conduzirá a um aumento dos litígios arbitrais.

Quanto à arbitragem de investimento, a eventual recessão das economias em vias de desenvolvimento pode levar a alterações legislativas e regulamentares com impacto no investimento estrangeiro, o que, por sua vez, pode dar origem a arbitragens de investimento.

A Espanha, com Madrid na vanguarda, continuará o seu crescimento como sede de arbitragens internacionais entre partes latino-americanas e europeias. A doutrina consolidada do Tribunal Constitucional a favor da arbitragem, a sua idoneidade como sede e o impulso do CIAM (Centro Internacional de Arbitragem de Madrid) irão contribuir significativamente para esta tendência. Em Portugal, as novas regras sobre arbitragem, arbitragem acelerada, arbitragem empresarial e mediação adotadas em 2021 pelo mais importante centro de arbitragem do país – o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa – foram bem recebidas pelas comunidades jurídica e empresarial e estão a ser implementadas com sucesso.

Poderá consultar algumas das mais recentes publicações da Uría Menéndez sobre esta matéria através dos seguintes links:

“Arbitraje estatutario: diez años después”
Jorge Azagra Malo, Álvaro López de Argumedo. Actualidad Jurídica Aranzadi, n.º 984, 28 de abril de 2022.

“Brazil’s Arbitration Safety Net for Foreign Investors”
Daniela Amarante. Law.com y News Website, 25 de mayo de 2022.

“A human rights perspective on investment arbitration after COVID-19: current issues and future trends”
Ana Amorín Fernández, Carlos Hernández Durán. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.  

“A guide to the new bilateral investment treaty between the Kingdom of Spain and the Republic of Colombia”
Daniel García Clavijo. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.

“EU state aid law: further EU challenges to investment arbitration”
Jokin Beltrán de Lubiano Sáez de Urabain. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.

“Remote hearings in International Arbitration during the pandemic”
Marta González-Ruano Calles, Álvaro López de Argumedo Piñeiro. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.

“Interim measures and emergency arbitration in Chile”
Paz Arriaga. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.

“New ICSID Rules, coming into effect on the 1st of July, 2022”
Blanca Beltrán, Daniel García Clavijo, Sebastián Green. PPU/Uría Menéndez, 2022.

Interaction between the IBA Guidelines on conflicts of interest of arbitrators and the ICC arbitration rules”
Álvaro López de Argumedo Piñeiro. Spain Arbitration Review, n.º 44, 2022.

“Cryptoassets and international arbitration: is there really something there?”
Santiago Enrique Rodríguez Senior, IE-Insights, 3 de junio de 2022.

“The New York Convention in Latin America”
Ana Amorín Fernández, Alberto de Unzurrunzaga Rubio, Jana Lamas de Mesa, Álvaro López de Argumedo Piñeiro. The Guide to Arbitration in Latin America, capítulo 2, Law Business Research, agosto 2022.

“ICC International Court of Arbitration como Amicus Curiae. III PPU-UM Lecture sobre arbitraje 2022”
Ana Serra e Moura. Uría Menéndez (uria.com), 2022.

“One of the many aspects of diversity in international arbitration: the role of women”
Constança Borges Sacoto, Diana Nunes. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Brazil’s decision to stay outside the Investment Arbitration World and reliable alternatives for foreign investors”
Daniela Amarante. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Review of the award in Green Power Partners K/S and SCE Solar Don Benito APS v The Kingdom of Spain”
Julia de Castro Velasco, Júlia Gallel Moragues, Sebastián Green Martínez, Daniel Sarmiento Ramírez-Escudero. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Arbitragem em Portugal: Os novos regulamentos do Centro de Arbitragem Comercial e os novos Códigos da Associação Portuguesa de Arbitragem”
Fernando Aguilar de Carvalho, Constança Borges Sacoto, Diana Nunes. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 57, 2021.

^ subir

 

3. Direito penal económico

Em Espanha, as investigações internas – entendidas enquanto mecanismo interno de reação das empresas à existência de indícios da possível prática de um crime no âmbito da sua atividade – continuaram a ser o foco de processos penais muito relevantes. Contudo, ainda não existem referências jurídicas e jurisprudenciais claras sobre os efeitos que estas investigações devem ter na determinação da responsabilidade penal das pessoas coletivas. Tendo em conta que alguns destes procedimentos já se encontram numa fase avançada, é possível que, no decurso de 2023, se verifiquem alguns desenvolvimentos jurisprudenciais relevantes nesta matéria.

Por outro lado, existem iniciativas legislativas que, se forem aprovadas em 2023, poderão ter um impacto significativo nas investigações internas e no tratamento de processos penais relacionados com factos descobertos internamente pelas empresas. A principal seria a aprovação da futura Lei de Proteção das Pessoas que Denunciem Infrações Normativas e de Luta contra a Corrupção (Ley reguladora de la protección de las personas que informen sobre infracciones normativas y de lucha contra la corrupción), vulgarmente conhecida como a Lei de Proteção de Denunciantes (Ley de Protección de Informantes) ou Lei do Whistleblowing. Atento o conteúdo atual deste projeto de lei, são vários os aspetos que poderão ter impacto no início e no processamento das investigações internas, como por exemplo a forma que deverá revestir a denúncia interna (incluindo a possibilidade de denúncia anónima), a limitação da duração da investigação interna a três meses, a necessidade de possibilitar a audição do denunciado durante a investigação ou a obrigação de informar “imediatamente” o Ministério Público quando os factos objeto da denúncia interna sejam suscetíveis de constituir crime.

Além disso, poder-se-ão registar outros desenvolvimentos legislativos em Espanha no decurso deste ano, tais como a eventual Lei de Proteção dos Direitos Humanos, da Sustentabilidade e da Diligência Devida em Atividades Empresariais Transnacionais (Ley de protección de los derechos humanos, de la sostenibilidad y de la diligencia debida en las actividades empresariales transnacionales), que se encontra atualmente em tramitação e que poderá implicar a implementação de novas obrigações para as empresas a nível de compliance, bem como a necessidade de investigar internamente potenciais incumprimentos. Esta proposta legislativa estaria em conformidade com a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à diligência devida em matéria de sustentabilidade empresarial, publicada em 23 de fevereiro de 2022.

Em Portugal, espera-se que, ao longo de 2023, o Ministério Público assuma um papel muito proactivo na investigação de possíveis crimes de corrupção (particularmente na área dos contractos públicos), fraude de subsídios e subvenções, dado o elevado volume de fundos europeus que serão distribuídos no contexto da implementação do mecanismo de recuperação e resiliência integrado nos fundos comunitários Next Generation EU. Com efeito, o Ministério Público advertiu, em maio de 2022, que o programa português de recuperação e resiliência carece de mecanismos adequados para prevenir eventuais crimes de fraude e corrupção, razão pela qual se prevê que o Ministério Público concentre a sua atenção no destino destes fundos.

Acresce que, a 7 de junho de 2022, entrou em vigor o novo Regime Geral da Prevenção da Corrupção, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro. Espera-se que o Ministério Público preste especial atenção à investigação de crimes que possam envolver entidades públicas e empresas privadas com 50 ou mais trabalhadores, as quais estão obrigadas a implementar mecanismos de prevenção da corrupção e crimes conexos, designadamente os de branqueamento, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, participação económica em negócio, abuso de poder, prevaricação em processos judiciais, administrativos e disciplinares ou pelo titular de cargos políticos, tráfico de influências e fraude na obtenção de subsídios, subvenções ou crédito. Adicionalmente, desde 7 de novembro de 2022, está em funcionamento uma entidade administrativa própria denominada Mecanismo Nacional Anticorrupção, a qual foi aprovada pela Portaria n.º 164/2022, de 23 de junho.

Por último, prevê-se que 2023 seja marcado por um esforço significativo por parte das empresas portuguesas para cumprirem os deveres de compliance estabelecidos quer na Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro (que implementa o regime de proteção dos denunciantes e transpôs a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União), quer no Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que estabelece o Regime Geral da Prevenção da Corrupção. Ao abrigo destes diplomas, as empresas com 50 ou mais trabalhadores são obrigadas a implementar um canal de denúncias, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, um código de conduta e um plano de formação sobre este tema, tudo sob a coordenação de um responsável pelo cumprimento normativo (compliance officer).

Poderá consultar algumas das mais recentes publicações da Uría Menéndez sobre esta matéria através dos seguintes links:

“Spain”
Enrique Rodríguez Celada, Arianna Vázquez Fernández. The Guide to International Enforcement of the Securities Laws, 1ª edición, Londres, Global Investigations Review, 2022.

“International investigations: recent developments in Spain”
Adriana de Buerba, Patricia Leandro Vieira da Costa, Guillermo Meilán. International Bar Association (ibaneet.org), 2 de septiembre de 2022.

“Spain”
Jaime Alonso Gallo. The Practitioner’s Guide to Global Investigations, 6ª edición, Londres, Global Investigations Review, 2021.

“Portugal
Fernando Aguilar de Carvalho, Constança Borges Sacoto. The Asset Tracing and Recovery Review,10th Ed., London: Law Business Research, 2022.

“Regime Geral de Prevenção da Corrupção e Proteção de Denunciantes
André Pestana Nascimento, Francisco Proença de Carvalho, Joana Mota.

^ subir

 

4. Direito digital e cibersegurança

Em 2022, manteve-se, nas áreas da tecnologia e da digitalização, a tendência que já vinha dos anos anteriores: uma digitalização cada vez mais intensiva da atividade económica. Em particular, mais do que a consolidação do teletrabalho e a implementação dos meios necessários para esse efeito, as empresas implementaram, em 2022, tecnologias de trabalho mistas, que permitem aos seus colaboradores realizar parte do trabalho de forma presencial e parte em teletrabalho, de uma forma integrada e segura. Estas duas tendências têm continuado a marcar as decisões tecnológicas das empresas, consolidando a necessidade de garantir a segurança das ferramentas e da tecnologia utilizadas pelas organizações, o que, por sua vez, levou-as a dedicar cada vez mais recursos para este fim.

Neste contexto, os riscos relacionados com a tecnologia e, em particular, os decorrentes de incidentes de cibersegurança e violações de dados pessoais – ou seja, incidentes que afetam a confidencialidade, integridade ou disponibilidade dos dados – continuam a aumentar de ano para ano. Esta situação pode ser observada, por exemplo, através dos dados e estatísticas sobre notificações de violações de segurança por parte das empresas, publicadas mensalmente pela Agência Espanhola de Proteção de Dados.

Em Portugal, o ano de 2022 foi também marcado por um aumento das violações de cibersegurança em todos os setores de atividade (meios de comunicação social, empresas de telecomunicações ou companhias de aviação), desencadeando um aumento da atividade de inspeção e, consequentemente, da aplicação de sanções pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. A título de exemplo, refiram-se as recentes sanções aplicadas a diversas entidades do setor público (em particular, os Municípios de Lisboa e Setúbal e o Instituto Nacional de Estatística), que mostram uma preocupação crescente com o cumprimento das regras aplicáveis à privacidade e aos direitos dos cidadãos.

Outro aspeto a destacar na área digital são os numerosos regulamentos que foram aprovados pela União Europeia em 2022 ou que estão pendentes de aprovação nos próximos meses. A União Europeia tem demonstrado a sua intenção de manter a liderança mundial na regulação digital. Assim, ao longo de 2022, foram aprovados regulamentos muito relevantes para o mercado digital, tais como o Pacote de Serviços Digitais (que inclui o Regulamento de Serviços Digitais[1] e o Regulamento de Mercados Digitais [2]), ou a Lei de Governação de Dados[3] para criar um mercado europeu de dados, entre outros. No campo processual, estes regulamentos contribuirão para aumentar o nível de diligência exigido às empresas em relação a reclamações decorrentes de incidentes tecnológicos.

Poderá consultar algumas das mais recentes publicações da Uría Menéndez sobre esta matéria através dos seguintes links:

“See You in The Metaverse, Mr Arbitrator”
María Ángeles Díaz López, Leticia López-Lapuente. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Can El Salvador Bridge the worlds of cryptoassets and investment arbitration”
Santiago Enrique Rodríguez Senior. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Disputes in the Era of Meta Worlds: the role of arbitration”
Iciar Álvarez Bullain, Paula Coll Soler. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 10, 2022.

“Competition Law in the Digital Age”
BonelliErede, Bredin Prat, De Braw Blackstone Westbroek, Hengeler Mueller, Slaughter and May, Uría Menéndez. Uría Menéndez, 2022.

“La modificación de la Ley de Competencia Desleal para adaptarla al mercado digital: novedades del Real Decreto-ley 24/2021”
Ana Ortega Redondo. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 58, 2022.

“La inteligencia artificial y su futuro marco regulatorio”
Laia Itziar Reyes Rico. Comunicaciones en Propiedad Industrial y Derecho de la Competencia, n.º 95, 2022.

“Spain. The Privacy, Data Protection and Cybersecurity Law Review”
Leticia López-Lapuente

“Código de Conducta Regulador del Tratamiento de Datos Personales en los Sistemas Comunes de Información del Sector Asegurador”
Leticia López-Lapuente, Guillermo San Pedro, Jaime del Fraile

^ subir

 

5. Contencioso ambiental e em matéria de alterações climáticas

Em matéria ambiental, 2022 continuou com a tendência que se vinha observando em anos anteriores, designadamente com um aumento do número de litígios e uma evolução no tipo de pretensões formuladas perante as entidades administrativas e os tribunais. As questões de ESG — sigla inglesa para matérias ambientais, sociais e de governo corporativo (Environmental, Social and Governance) — estiveram presentes na agenda pública dos últimos anos e geraram litígios relevantes a nível internacional, em particular, na Holanda, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos.

Diversos fatores explicam esta tendência: uma maior consciencialização social e empresarial, a crescente complexidade e exigência normativa (promovida, fundamentalmente, pela União Europeia) e a existência de associações e entidades cada vez más ativas e sofisticadas.

São conhecidas as decisões judiciais que obrigaram os governos de países como a Holanda, a Irlanda, a França ou a Alemanha a alterar a sua legislação de modo a prever objetivos mais exigentes para a redução de emissões de gases com efeito estufa. Além de litígios relativos a regulamentos e atos da Administração, foram tomadas decisões com impacto direto sobre grandes emissores. Naquele que ficou conhecido como o “caso Shell” (ainda com recurso pendente na segunda instância), o Tribunal do Distrito de Haia determinou que todo este grupo empresarial reduzisse em 45% as emissões na sua cadeia de operações até 2030.

Nos ordenamentos espanhol e português, é expectável que, ao longo de 2023, continuem a crescer as tentativas de “judicializar”, cada vez mais, a proteção ambiental e o cumprimento dos objetivos internacionais assumidos por Espanha e Portugal em matéria de alterações climáticas, o que poderá conduzir, em alguns casos, a pedidos de indemnização.

De resto, entre as principais fontes de potenciais litígios, está, em primeiro lugar, o designado greenwashing. As obrigações de transparência ambiental — cada vez mais exigentes — e a tendência para apresentar ao público como “verdes” todas as atividades ou produtos das empresas poderão gerar, por exemplo, litígios relativos a publicidade enganosa e proteção de consumidores (prevê-se que, em 2023, seja aprovada uma Diretiva que defina e limite esta prática). Em segundo lugar, surgirão novos litígios relacionados com a atual crise energética e as discussões sobre o programa de transição energética da União Europeia atualmente em curso e os acordos internacionais (por exemplo, o Acordo de Paris). E, em terceiro lugar, destaca-se a responsabilidade das empresas pelas suas cadeias de fornecimento, com a expetativa de que a União Europeia aprove um regulamento que imponha às empresas que operam no mercado europeu a obrigação de supervisionar, prevenir e corrigir abusos em matéria ambiental, de direitos humanos em toda a sua cadeia de fornecimento, incluindo os seus fornecedores e entidades subcontratadas.

Em Espanha, o Tribunal Supremo deverá pronunciar-se em 2023 sobre o recurso contencioso-administrativo interposto por várias associações ecologistas no âmbito do Plano Nacional Integrado de Energia e Clima, em que se pretende o aumento da exigência das metas face à alteração climática, o que, a merecer acolhimento, afetaria múltiplos setores e atividades.

Em Portugal, ativistas ambientais já manifestaram a sua intenção de processar o Estado português por alegadamente não ter aprovado a legislação necessária para cumprir as metas de redução de emissões de gases com efeito estufa estabelecidas no Acordo de Paris, nem ter atuado em consonância com a “Lei Europeia do Clima” aprovada pelo Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de junho de 2021, que criou o regime para alcançar a neutralidade climática, entre outros diplomas europeus.

Existe igualmente uma grande expetativa relativamente à decisão do Tribunal Pleno (“Grand Chamber”) do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no âmbito de um processo instaurado por um grupo de portugueses contra 33 países. Os demandantes alegam que os incêndios florestais que têm vindo a ocorrer em Portugal todos os anos desde 2017 são o resultado direto do aquecimento global e colocam em risco a sua saúde, além de que a alteração climática está a provocar intempéries muito fortes durante o inverno, o que coloca em risco as suas casas situadas à beira-mar, nas proximidades de Lisboa (caso Duarte Agostinho e outros contra Portugal e outros, processo n.º 39371/20).

Poderá consultar a mais recente publicação da Uría Menéndez sobre esta matéria através do seguinte link:

“Novedosa sentencia de la Corte de la Haya sobre emisiones de gases de efecto invernadero”
Javier García Sanz, Fernando Gómez Pomar, Juan Ignacio González, Carlos Paredes, Jesús Sedano

^ subir

 

6. Direito da insolvência

Em Espanha, 2023 será um ano muito relevante em matéria de insolvência. A combinação de vários desenvolvimentos legislativos e a conjuntura económica nacional e internacional antecipam um ano difícil para as empresas espanholas.

A Directiva (UE) 2019/1023, relativa à reestruturação e à insolvência, foi transposta para o ordenamento jurídico espanhol através da Lei 16/2022, de 5 de setembro. Este diploma, além de introduzir reformas essenciais estritamente em matérias de insolvência, potencia os mecanismos pré-insolvenciais para facilitar a reestruturação das empresas, proporcionando às partes (numa posição de maior equilíbrio entre os interesses de credores e de devedores) mecanismos muito mais flexíveis para evitar que a declaração de insolvência conduza a uma deterioração dos ativos.

Mesmo que não se possa evitar a insolvência, a aludida Lei 16/2022 prevê mecanismos otimizados (em termos de rapidez e segurança jurídica para os adquirentes) para a transmissão de empresas ou das suas unidades produtivas, que permitem preservar o seu valor e ajudar o tecido empresarial e o emprego a permanecerem, tanto quanto possível, incólumes.

Será também o momento de verificar se a desejada restituição de todas as competências em matéria de insolvência aos juízes comerciais não conduz a uma saturação de processos de insolvência nos correspondentes tribunais.

Por último, será também o momento de analisar o funcionamento da maior experiência em matéria de insolvência até à data, designadamente o procedimento especial para microempresas, que afasta a possibilidade de aplicação do processo ordinário de insolvência a estas empresas. Devido à pequena dimensão da generalidade das empresas espanholas, é bem possível que este procedimento especial venha a ter um protagonismo inesperado.

Em Portugal, após dois anos consecutivos de declínio, estima-se que o número de empresas em insolvência aumentará entre 16% e 20% durante o ano de 2023, devido ao fim da moratória da dívida bancária e ao aumento das taxas de juro, da inflação e da fatura energética.

Por conseguinte, 2023 será o ano de teste da reforma do processo de insolvência e, sobretudo, do processo especial de revitalização, em vigor desde 11 de abril de 2022 (data de entrada em vigor da Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro, que transpôs a Directiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de junho de 2019, que prevê medidas para apoiar e acelerar os procedimentos de reestruturação das empresas e os acordos de pagamento).

Prevê-se, pela primeira vez, um número relevante de processos especiais de revitalização sujeitos ao regime de aprovação por classes de credores, bem como um contencioso relevante sobre esta matéria. Além disso, espera-se uma clarificação – se não legislativa, pelo menos jurisprudencial – da forma de cálculo da remuneração dos administradores de insolvência, que foi aumentada de modo muito substancial com a reforma de 2022 e, consoante a interpretação da lei, pode agora atingir aproximadamente 10% do produto da liquidação da massa insolvente.

Poderá consultar algumas das mais recentes publicações da Uría Menéndez sobre esta matéria através dos seguintes links:

“El procedimiento especial para microempresas”
Francisco José Caamaño Rodríguez, Manuel García-Villarrubia. Uría Menéndez (uria.com), 3 de noviembre de 2022.

“Otras novedades en materia de liquidación”
José María Blanco Saralegui. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“Novedades en materia de calificación concursal”
David García Martín, Raimon Tagliavini Sansa. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“El nuevo procedimiento especial para microempresas”
Francisco José Caamaño Rodríguez. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“La reforma concursal de 2022, la moratoria concursal y los incentivos a instar el concurso”
Jorge Azagra Malo, Fernando Gómez Pomar, Adrián Segura Moreiras. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“El sistema de reintegración concursal en la reforma de la Ley Concursal”
Javier Yáñez Evangelista. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“Novedades concursales relacionadas con los acreedores reales y la ejecución de sus garantías”
Antonio José Moya Fernández. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“Socios y reestructuración”
Manuel García-Villarrubia. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 59, 2022.

“Exoneración del pasivo insatisfecho. Del BEPI a la EPI”
Paloma Aurioles Gálvez del Postigo, Fernando Azofra Vegas. Uría Menéndez (uria.com), 25 de octubre de 2022.

“Conclusión. El concurso sin masa no es con masa insuficiente”
Jorge Azagra Malo, Raimon Tagliavini Sansa. Uría Menéndez (uria.com), 20 de octubre de 2022.

“Calificación. Adiós, fiscal; bienvenidos, acreedores”
Antonio Alexandre Marín Marín, Javier Yáñez Evangelista. Uría Menéndez (uria.com), 18 de octubre de 2022.

“Del administrador concursal liquidador al juez liquidador. La resurrección del derecho a la ejecución separada”
José María Blanco Saralegui, María Villanueva Navas. Uría Menéndez (uria.com), 13 de octubre de 2022.

“Cambios estructurales en el convenio de acreedores”
Carlos Francés Bataller, Sergio Sánchez Gimeno. Uría Menéndez (uria.com), 11 de octubre de 2022.

“Atención a la ampliación del ámbito temporal para el ejercicio de las acciones rescisorias”
Sergio del Bosque Gómez, Miguel Moratinos López. Uría Menéndez (uria.com), 4 de octubre de 2022.

“Los efectos del concurso sobre los contratos, ¿pocas novedades?”
Antonio José Moya Fernández, Laura Salas Gómez. Uría Menéndez (uria.com), 27 de septiembre de 2022.

“Stuck in the interval between the end of the insolvency moratorium and the entry into force of the Insolvency Law Reform”
Jorge Azagra Malo, David García Martín. Uría Menéndez (uria.com), 20 de septiembre de 2022.

“¿Un nuevo concurso de acreedores más eficaz y eficiente?”
Francisco José Caamaño Rodríguez, Manuel García-Villarrubia. Uría Menéndez (uria.com), 22 de septiembre de 2022.

“Los atrapados en el impasse entre el fin de la moratoria concursal y la entrada en vigor de la reforma concursal”
Jorge Azagra Malo, David García Martín. Uría Menéndez (uria.com), 20 de septiembre de 2022.

“More than just restructuring plans”
Manuel García-Villarrubia, Raimon Tagliavini Sansa. Uría Menéndez (uria.com), 15 de septiembre de 2022.

“La vivienda habitual y la exoneración del pasivo insatisfecho”
Manuel García-Villarrubia. El Derecho. Revista de Derecho Mercantil, n.º 109, 2022.

“La regla de la discrecionalidad empresarial”
Manuel García-Villarrubia. El Derecho. Revista de Derecho Mercantil, n.º 107 , 2022.

“Insolvency and arbitration agreements in Spain: new decision overrules Judgment 255/2020 of 30 October 2020 and lifts the arbitration clause’s suspension”
Jorge Azagra, Mariana de la Rosa Rivera. Investment Arbitration Outlook Uría Menéndez, n.º 9, 2022.

“La proyectada reforma de la preconcursalidad. Relaciones entre el Derecho societario y los planes de reestructuración”
Manuel García-Villarrubia. El Derecho. Revista de Derecho Mercantil, n.º 105 , 2022.

“As alterações ao Processo Especial de Revitaliação: um novo processo? Standstill, cláusulas ipso facto e new money após a transposição da Diretiva”
David Sequeira Dinis. O Plano de Recuperação e Resiliência para a justiça económica e a transposição da Diretiva 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, Ministério da Justiça, 2022.

“Créditos Subordinados
David Sequeira Dinis, Luís Bértolo Rosa, Diana Nunes. Atas das VI jornadas de reestruturações e insolvências da Uría Menéndez - Proença de Carvalho, Universidade Católica Portuguesa Editora, 2022.

^ subir

 

7. Ações coletivas

Em Espanha, prevê-se que a tendência registada nos últimos anos em matéria de ações coletivas se mantenha em 2023. As empresas que fornecem bens e serviços em massa têm sido alvo, por um lado, de ações coletivas inibitórias por práticas alegadamente abusivas e, por outro lado, de ações movidas por uma pluralidade de demandantes, quer sob a forma de um processo único com vários autores, quer sob a forma de vários processos individuais instaurados simultaneamente por diferentes demandantes.

Este ano, podemos esperar a transposição da recém-aprovada Diretiva relativa a Ações Coletivas, através da qual a União Europeia procura promover o recurso a ações coletivas com vista a obter indemnizações e outras formas de ressarcimento (que a Diretiva denomina medidas de reparação). O Conselho de Ministros aprovou um Anteprojeto de Lei para a transposição da Diretiva, que será tramitado com urgência. Este importante diploma implicará uma mudança de paradigma no funcionamento e dinâmica deste tipo de ações.

Em Portugal, espera-se que as ações coletivas continuem a crescer em número e relevância ao longo de 2023, devido à crescente sensibilização dos cidadãos para a importância das matérias de interesse comum (direito do consumo, ambiente, património cultural, valores mobiliários e instrumentos financeiros, etc.) e ao aumento do número e sofisticação das associações e escritórios de advogados especializados nestas matérias, para além do interesse dos fundos internacionais em financiar os custos deste tipo de litígios. Espera-se que o governo português transponha a Diretiva relativa a Ações Coletivas no início de 2023, o que poderá implicar uma reforma do regime da ação popular, que é a ação coletiva prevista no direito português desde 1995.

Poderá encontrar infra os dados bibliográficos da mais recente publicação da Uría Menéndez sobre esta matéria:

 “Portugal”
Nuno Salazar Casanova, Madalena Afra Rosa. The Class Actions Law Review,6th Ed., London: Law Business Research, 2022.

^ subir

 

8. Cláusulas gerais e contencioso em matéria de consumo

Em Espanha, prevê-se que se continue a registar uma intensa litigância relacionada com temas de direito do consumo. Por um lado, as ações relativas a cláusulas contratuais gerais continuarão presentes no setor financeiro e serão cada vez mais importantes noutras áreas, tais como seguros, energia, telecomunicações ou imobiliário, particularmente nos arrendamentos. É importante ter em conta que, a partir de agosto de 2022, os juízos de comércio (Juzgados de lo Mercantil) deixaram de ter competência para julgar ações coletivas sobre cláusulas contratuais gerais. A competência pertence agora aos juízos de primeira instância (Juzgados de Primera Instancia), o que irá certamente introduzir mudanças significativas na dinâmica deste tipo de processos.

Por outro lado, são também esperados desenvolvimentos na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, onde estão pendentes questões prejudiciais relevantes, muitas delas suscitadas pelo próprio Tribunal Supremo espanhol, a propósito, por exemplo, do alcance do controlo da transparência em ações inibitórias relativas a cláusulas contratuais gerais, das cláusulas prevendo um floor para a taxa de juro (cláusulas suelo), do IRPH (Índice de Referencia de los Préstamos Hipotecarios) ou do início do prazo de prescrição das ações de restituição de montantes pagos ao abrigo das cláusulas de despesas (cláusulas de gastos) em empréstimos hipotecários.

Os casos de usura também terão grande protagonismo, especialmente em virtude das últimas decisões proferidas pelo Tribunal Supremo relativamente aos chamados cartões ou créditos revolving, que introduzem nuances significativas na jurisprudência anterior. A partir deste produto financeiro, é possível passar para outros, tais como os contratos de crédito ao consumo.

Finalmente, não é de excluir o surgimento de litígios diretamente resultantes de crises, tais como a crise da energia ou das cadeias de fornecimento, sobretudo em relação a cláusulas que prevejam ou admitam a alteração de condições contratuais (cláusulas de revisão de preço, de modificação de prazos de entrega ou de cancelamento de serviços, por exemplo) face a este tipo de acontecimentos.

Em Portugal, espera-se que o governo transponha a Directiva (UE) 2020/1828 relativa às ações coletivas para a proteção dos interesses coletivos dos consumidores, o que poderá conduzir a um aumento do número de litígios nesta área. Contudo, o grau de litigância dos consumidores ao longo de 2023 dependerá, em larga medida, de fatores externos, nomeadamente a duração e o nível dos aumentos das taxas de juro, do custo da energia e da inflação em geral, e a sua repercussão nos consumidores.

^ subir

 

9. Responsabilidade civil por violações do Direito da Concorrência

Tudo leva a crer que, em 2023, continuará a aumentar a atividade dos operadores judiciários em matéria de responsabilidade civil por danos resultantes de violações das normas de Direito da Concorrência. Se, há apenas alguns anos atrás, o risco era mais teórico do que real, hoje em dia, os tribunais estão repletos de milhares de ações deste tipo. E, a cada nova sanção ou ameaça de possível sanção por parte das autoridades, as atenções centram-se imediatamente nas eventuais consequências compensatórias daí resultantes.

Em Espanha, a proliferação deste tipo de processos tem multiplicado a carga de trabalho dos juízos de comércio (Juzgados de lo Mercantil), em muitos casos com efeitos nefastos sobre a duração dos processos. Aos processos relacionados com o chamado “cartel dos camiões” sucedem agora, em termos de protagonismo, os processos relacionados com automóveis particulares e todos eles têm dado origem a decisões relevantes do TJUE (acórdão de 22 de junho de 2022, sobre a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos previsto na Diretiva 2014/104 ao chamado “cartel dos camiões”) e do Tribunal Supremo (decisão de 13 de outubro de 2022 sobre o tipo de processo e a competência territorial). Espera-se que, ao longo de 2023, o Tribunal Supremo espanhol profira novas decisões suscetíveis de esclarecer alguns pontos-chave deste tipo de ações.

Em Portugal, prevê-se que a Autoridade da Concorrência continue extremamente ativa na investigação e sanção de ilícitos concorrenciais em todos os setores da economia, para além de divulgar publicamente – e de forma imediata – as acusações e sanções aplicadas no quadro dos procedimentos contraordenacionais iniciados por esta autoridade, o que potencia que os clientes dos mercados alegada ou potencialmente afetados tomem conhecimento da existência destes procedimentos e, em determinados casos, da sanção aplicada.

Por conseguinte, o ano de 2023 será marcado por uma litigância considerável, tanto na fase administrativa do processo contraordenacional, como em sede de impugnação judicial das decisões sancionatórias da Autoridade da Concorrência. Simultaneamente, espera-se um aumento substancial das ações de responsabilidade civil (private enforcement), particularmente através de ações coletivas, à medida que vão surgindo cada vez mais associações e escritórios de advogados especializados nesta área, bem como fundos internacionais interessados em financiar os custos de tais litígios.

Poderá encontrar infra os dados bibliográficos das mais recentes publicações da Uría Menéndez sobre esta matéria:

“Interacción entre reclamaciones de daños por ilícitos de competencia y las políticas de clemencia y de transacción”
Patricia Vidal. Anuario de Derecho de la competencia 2022. Miguel Ángel Recuerda Girela (Director). Cizur Menor (Navarra): Aranzadi, 2022.

“Spain. Law & Practice”
Cristina Ayo Ferrándiz, Ignacio García-Perrote Martínez, Cristian Gual Grau, Patricia Vidal Martínez. Antitrust Litigation 2022. Elizabeth Morony (Editora). Londres: Chambers and Partners, 2022.

“Portugal”
Tânia Luísa Faria, Margot Lopes Martins, Guilherme Neves Lima. The Public Competition Enforcement Review, 14th Ed., London: Law Business Research, 2022.

“Portugal”
Tânia Luísa Faria, Margot Lopes Martins. The Cartels and Leniency Review, 10th Ed. London: Law Business Research, 2022

“Portugal”
Tânia Luísa Faria, Margot Lopes Martins, Filipa de Matos. The Intellectual Property and Antitrust Review, 7th Ed. London: Law Business Research, 2022

^ subir

 

10. Litígios de seguros

Em Espanha, espera-se que, ao longo de 2023, continue a existir um número relevante de litígios relacionados com a pandemia, designadamente no que se refere à cobertura de perdas por interrupção de negócio (bussiness interruption). Ao longo de 2022, os tribunais de primeira e segunda instância proferiram um conjunto de decisões que foram construindo uma posição jurisprudencial sobre a questão, dependendo do tipo de seguro e do clausulado específico da apólice. Cumpre estar atento ao que o Tribunal Supremo possa vir a decidir nesta matéria e às suas implicações para o contencioso existente.

É previsível que o seguro de responsabilidade civil de administradores e dirigentes (D&O) continue a gerar um número relevante de processos judiciais. Em primeiro lugar, devido às disposições normativas setoriais aplicáveis a estes grupos. Por exemplo, questões de ESG (environmental, social and governance) ou de insolvência, tais como o fim da moratória das insolvências ou a recente reforma da Lei de Insolvência (Ley Concursal) na parte relativa à qualificação da insolvência. Do mesmo modo, a situação macroeconómica, com efeitos na liquidez e rentabilidade das empresas, pode gerar um aumento das pretensões de responsabilização dos administradores e dirigentes (v.g., responsabilidade tributária subsidiária, ações de responsabilidade contra administradores, etc.) com impacto na cobertura das apólices de seguro D&O.

À semelhança do que se verificou no ano passado, os ciberataques e as ameaças cibernéticas têm vindo a aumentar, especialmente após o início da guerra na Ucrânia, o que gerará eventuais pedidos de indemnização ao abrigo das apólices de seguro de ciber-riscos – incluindo a cobertura de perdas por interrupção do negócio –, mas com potencial impacto também no seguro de D&O, em virtude de eventuais incumprimentos por parte de administradores e dirigentes quanto a esta matéria.

Em Portugal, espera-se um aumento paulatino do número de litígios de seguros em 2023, devido ao número e impacto dos desastres naturais que ocorreram em 2022 (incêndios, ondas de calor, seca, inundações, tempestades, ventos fortes, etc.), no âmbito dos quais serão particularmente discutidas as exclusões previstas nas apólices.

Em caso de disputa entre beneficiários e seguradoras, é provável que muitos beneficiários recorram ao CIMPAS —Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros—, um centro de arbitragem em matéria de seguros, tal como já ocorreu em 2022. Esta tendência deverá continuar nos próximos anos devido às alterações climáticas e à recorrência deste tipo de fenómenos.

Poderá encontrar infra os dados bibliográficos da mais recente publicação da Uría Menéndez sobre esta matéria:

“Local do compromisso - uma interpretação (semi)dinâmica”
Hélder Frias. Funds People Portugal, 2022.

^ subir

 

11. Sanções internacionais

A invasão da Ucrânia provocou uma reação sem precedentes a nível internacional, principalmente entre os Estados do G7, bem como por parte da União Europeia. Estas medidas revestiram a forma de um aumento significativo das sanções visando interesses da Federação Russa, incluindo pessoas singulares e coletivas. No caso da União Europeia, as medidas restritivas visaram pessoas próximas do governo russo (deputados, empresários, conselheiros governamentais, etc.), instituições financeiras ligadas ao governo e até, meios de comunicação social (“Russia Today”, entre outros). Foram também aplicadas medidas restritivas em relação ao governo bielorrusso, embora com menor intensidade.

O resultado destas medidas foi um aumento dos litígios perante os tribunais da União Europeia, em particular perante o Tribunal Geral, que tem competência para conhecer de ações de anulação contra atos das instituições europeias. Em 2023, é previsível que as pessoas singulares e coletivas que foram alvo de medidas restritivas recorram contra estas decisões, como fizeram ao longo de 2022. Para além dos novos recursos apresentados em 2023, é previsível que as decisões proferidas pelo Tribunal Geral no próximo ano sejam objeto de recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Pese embora os tribunais espanhóis e portugueses não conheçam de recursos interpostos das medidas restritivas da União Europeia, as autoridades destes países são responsáveis por aplicar o regime de sanções e, em particular, por assegurar o cumprimento das mesmas e combater as tentativas de contorná-las. Se for detetada uma conduta desta natureza, as medidas adotadas pelas autoridades espanholas ou portuguesas serão passíveis de recurso ou impugnação perante os tribunais desses países.

Estas sanções podem também ter efeitos no âmbito da arbitragem e do contencioso em geral, onde é provável que surjam litígios devido à impossibilidade de certas partes cumprirem com as suas obrigações contratuais em virtude de sanções.

^ subir

 

________

 

[1] Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Outubro de 2022, relativo a um mercado único de serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE.

[2] Regulamento (UE) 2022/1925 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Setembro de 2022, relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital e que altera as Diretivas (UE) 2019/1937 e (UE) 2020/1828.

[3] Regulamento (UE) 2022/868 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2022, relativo à governação europeia de dados e que altera o Regulamento (UE) 2018/1724.